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O santo padroeiro do cinema independente: Robert Redford completa 75 anos

Robert Redford discursa durante evento beneficente em Los Angeles (08/06/2011) - Getty Images
Robert Redford discursa durante evento beneficente em Los Angeles (08/06/2011) Imagem: Getty Images

GAYDEN WREN

Do Hollywood Watch

18/08/2011 07h00

Em 18 de agosto, Robert Redford completa 75 anos, uma ocasião propícia para uma homenagem a um homem que pode ser o ator mais importante de sua geração.

Talvez o mais impressionante a respeito das realizações de Redford como ator, diretor, produtor e defensor do cinema independente seja o fato de que ele não precisava de nada disso. Dotado geneticamente de um corpo atlético e do tipo de boa aparência clássica que apenas ficou mais áspera e interessante com a idade, Redford poderia facilmente ter relaxado, interpretando os papéis de garoto de ouro, que interpretou no início de sua carreira, por várias décadas. Ele poderia ter desfrutado da fama, fortuna e da companhia de mulheres bonitas sem fazer muito, exceto aparecer para trabalhar.

Em vez disso, ele parecia ver sua aparência como um desafio, uma barreira entre ele mesmo e ser levado a sério, que ele estava determinado a escalar, contornar ou explodir em pedaços.

Sua primeira meta foi se estabelecer como um ator de credibilidade. Quando, após uma breve tentativa de uma carreira como pintor, ele optou por se tornar ator, ele não seguiu diretamente para Hollywood, o que seria uma escolha natural para um homem jovem, nascido a poucos quilômetros em Santa Monica, Califórnia. Em vez disso, Redford seguiu para Nova York para estudar na Academia Americana de Artes Dramáticas.

Após a formatura ele permaneceu em Nova York, mergulhando no mundo da televisão ao vivo, em uma era em que dramas desafiadores ainda não tinham perdido espaço na televisão para séries comerciais. Aparecendo em séries lendárias como "Playhouse 90" (1960), "Cidade Nua" (1961), "Rota 66" (1961), "Alfred Hitchcock Apresenta" (ou "Suspense", 1961) e "Além da Imaginação" (1962), Redford trabalhou com atores e diretores jovens e ambiciosos, realizando um trabalho sólido em produções preparadas às pressas, pouco ensaiadas, mas mesmo assim como força e substância.

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    DVD do filme "Obsessão de Matar" (1962), a estreia de Robert Redford no cinema

Quando ele fez sua estreia no cinema no drama passado na Guerra da Coreia, "Obsessão de Matar" (1962), Redford sentia que já tinha provado a si mesmo como ator - mas no início raramente lhe eram oferecidos papeis que considerasse desafiadores.

O drama sulista "Caçada Humana" (1966), estrelado por Marlon Brando e adaptado da peça de Horton Foote por Lillian Hellman, lhe deu o excelente papel de um condenado em fuga, mas era mais frequente os estúdios o escalarem em filmes mais leves como "Situação Crítica, Porém Jeitosa" (1965) e "Descalços no Parque" (1967), o segundo uma adaptação da peça de Neil Simon, que foi sucesso na Broadway com Redford.

"Butch Cassidy" (1969) foi o filme mais importante da carreira de Redford. Seu humor alegremente anárquico mostrou um novo lado dele, além de tê-lo apresentando a um amigo e colaborador por toda a vida, Paul Newman.

Mais importante, seu enorme sucesso de bilheteria deixou Redford em posição de tomar suas próprias decisões, algo que ele não perdeu tempo em fazer. Ao longo da década seguinte, ele equilibrou entretenimento leve, como "Os Quatro Picaretas" (1972), "Nosso Amor de Ontem" (1973) e "Três Dias do Condor" (1975), com produções mais ambiciosas, como "Mais Forte que a Vingança" (1972), "O Grande Gatsby" (1974) e "Todos os Homens do Presidente" (1976).

Em 1980, Redford estava pronto para o próximo passo, passar para trás das câmeras. Não era sem precedente atores dirigirem, mas os mais proeminentes da época - Woody Allen e Clint Eastwood, mais notadamente - geralmente dirigiam filmes nos quais eles mesmos estrelavam, trabalhando nos gêneros pelos quais eram mais conhecidos.

Em vez disso, Redford permaneceu apenas atrás das câmeras - ele apareceria em apenas dois filmes que dirigiu, dizendo: "Como diretor, eu não gostaria de mim como ator, e como ator, eu não gostaria de mim como diretor" - e dirigiu um tipo de filme no qual nunca atuou.

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    Cena do filme "Gente como a Gente" (1980), primeira direção de Robert Redford

O drama familiar "Gente como a Gente" (1980), baseado no romance de Judith Guest, era uma história realista, sem necessidade de atores com aparência excepcionalmente boa. Seus astros, Judd Hirsch, Timothy Hutton, Mary Tyler Moore e Donald Sutherland, realizaram interpretações brilhantes para Redford, e o filme conquistou quatro Oscars, incluindo Melhor Filme e, para seu diretor estreante, Melhor Direção.

Redford venceu sua aposta, abrindo as portas da direção para todos, de Kevin Costner e Jodie Foster até Ben Affleck e Forest Whitaker. Ele não perdeu tempo em reapostar seu sucesso. Em um momento em que choviam ofertas para que ele dirigisse de novo, ele esperou oito anos para dirigir outro filme. Em um momento em que seu potencial de lucro como protagonista estava no auge, ele apareceu em apenas três filmes entre 1980 e 1990.

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    Pôster do Festival de Sundance 2011, evento realizado anualmente por Robert Redford

Em vez disso, Redford buscou se estabelecer como produtor, não apenas para seus próprios filmes, mas também para uma mistura de filmes independentes e documentários. E, mais importante, ele dedicou tempo, dinheiro e prestígio pessoal a seus projetos mais queridos, o Instituto Sundance e o Festival de Cinema de Sundance.

Lançado em 1981 e sediado na cidade adotiva de Redford de Park City, Utah, o instituto foi concebido como um incubador de cineastas independentes e artistas interessados nesses filmes. Seus programas de desenvolvimento artístico para produtores, diretores, roteiristas e compositores tiveram um impacto incalculável sobre o cinema americano. Literalmente centenas de artistas já passaram pelas portas do instituto para se tornarem nomes conhecidos do cinema independente e comercial.

A pergunta sobre o que aconteceria aos filmes gerados pelo Instituto Sundance levou à criação do Festival de Cinema de Sundance, que brotou do menor e de foco mais amplo Festival do Cinema Americano de Utah, lançado em Salt Lake City em 1978. Em 1981, ele foi transferido para Park City e, em 1985, o Instituto Sundance assumiu o festival e concentrou seu foco no cinema independente.

Inicialmente, a ideia de uma mostra de filmes independentes realizada em fevereiro em Utah foi recebida com muitas dúvidas: quem viria? A resposta foi, como se viu, todo mundo. Incentivada pelo sucesso de alguns dos primeiros filmes premiados do festival - o  filme de estreia dos irmãos Coen, "Gosto de Sangue", conquistou o Grande Prêmio do Júri em 1985 - Hollywood começou a vir em peso, primeiro na forma de olheiros de distribuidoras independentes, depois executivos de estúdios e, finalmente, os astros de cinema e os fãs de todo o mundo.

Quando "Sexo, Mentiras e Videotape" (1989) de Steven Soderbergh saiu de Sundance para se tornar um grande sucesso de bilheteria, a corrida teve início. Em meados dos anos 90, Sundance era destino obrigatório para aparentemente todo mundo no cinema americano, com mais filmes exibidos a cada ano, mais contratos fechados para distribuição e mais festas do que qualquer outro festival nos Estados Unidos.

Muitos lamentaram a perda do Sundance peculiar dos anos 80, alegando que a crescente comercialização do festival era contrária ao espírito dos filmes independentes. Mas Redford não duvida, dizendo que as festas, contratos e holofotes da mídia ficam em segundo lugar em relação aos filmes.

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    Robert Redford fala durante a coletiva de imprensa do Festival de Sundance 2011 (20/01/2011)

"As pessoas vêm pelos filmes", ele disse em 2004. "Se os filmes deixarem de ser bons, as pessoas deixarão de vir."

Além de sua defesa do cinema independente, Redford também é há muito tempo um defensor de causas liberais, particularmente o meio ambiente e a situação difícil dos nativo-americanos. Mas diferente de muitos atores sinceramente interessados nestas questões, ele buscou se tornar um especialista nas questões sociais, econômicas e políticas envolvidas em seu trabalho.

"Eu aprendi cedo que é melhor saber sobre o que você está falando", ele disse em 2006. "É preciso entender que certos assuntos serão tão quentes que, independente da argumentação, da lógica que você aplique, você enfrentará oposição simplesmente pelo seu ponto de vista ser diferente, e não há como aceitarem seu argumento. Além disso, eles vão atacar você porque você será retratado como não sendo crível: ‘Você é um ator, o que você sabe?’"

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    Robert Redford em cena de "Leões e Cordeiros" (2007), último filme em que atuou e dirigiu

Redford nunca pediu desculpas por ser um ator e, apesar de não aparecer nas telas desde "Leões e Cordeiros" (2007), há rumores de que ele esteja envolvido em vários projetos em produção. Mas ele merece crédito por nunca ter se limitado a ser apenas um ator.

Em 2002, Redford ganhou um Oscar honorário por sua contribuição ao cinema. A estatueta o descrevia como "Ator, diretor, produtor, criador do Sundance, inspiração para cineastas independentes e inovadores de toda parte". Foi um resumo justo para um homem que, além de sua própria filmografia impressionante, deixou sua marca em milhares de filmes americanos nos últimos 20 anos, de um modo ou de outro.

"Eu não penso em nada além de você mesmo ter o dom e você mesmo criar", disse Redford. "Eu não consigo pensar na próxima coisa a fazer exceto poder devolver. A expressão criativa, eu acho, é vital para o sucesso de qualquer sociedade (...) Uma sociedade sem arte morrerá."

(Gayden Wren é o editor de entretenimento do "The New York Times Syndicate".)

Tradutor: George El Khouri Andolfato