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Depois de terror adolescente, diretor filmará superprodução sobre Kat Schurmann, filha adotiva dos velejadores Vilfredo e Heloísa

Cena do filme "Desaparecidos", de David Schurmann - Divulgação
Cena do filme "Desaparecidos", de David Schurmann Imagem: Divulgação

NATALIA ENGLER

Da Redação

08/12/2011 14h46

Seis jovens são convidados para uma festa em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. O convite do evento é uma câmera, que deve ser usada todo o tempo e liga e desliga aleatoriamente. O grupo de amigos se embrenha no mato durante a festa e desaparece. Dias depois, as seis câmeras são encontradas.


Depois de dirigir documentários sobre sua família, como “O Mundo em Duas Voltas”, é para esta história de terror à la “A Bruxa de Blair” que o diretor David Schurmann se volta. Além do apelo documental de seu novo filme (classificado como um “mockumentary”, ou falso documentário), em “Desaparecidos”, que estreia nesta sexta-feira (9), Schurmann também quis explorar a convergência entre os mundos real e fictício, criando todo um universo virtual para os personagens do longa, que incluía mais de quinze perfis no Facebook, vídeos no YouTube e até sites de um jornal e de uma pousada fictícios.

Como Schurmann contou ao UOL em novembro, a ideia para esse projeto de  transmídia (convergência de diferentes meios de informação) surgiu a partir de discussões sobre o conceito das quais o diretor participou em Cannes, além do “tuitaço” do “Cala a Boca, Galvão”, ocorrido durante a Copa de 2010.

“O que eu queria provocar como diretor era questionar o que é real e o que não é, o que as pessoas acreditam da internet. E eu não imaginava que iria virar a bola de neve que virou. A única coisa que tínhamos que ter cuidado era para as pessoas não acreditarem que é 100% verdade, principalmente o desaparecimento dos personagens. Eu queria que elas se questionassem”, conta Schurmann.

“Desaparecidos” foi filmado durante 15 dias, em Ilhabela, com um orçamento de 55 mil reais e já foi comprado pela rede de TV a cabo TNT para veiculação em toda a América Latina. Além disso, Schurmann conta que há interesse de três produtoras norte-americanas em fazer um remake do filme, como tem se tornado comum com produções do gênero.

Em entrevista ao UOL Entretenimento, Schurmann deu detalhes sobre a “operação virtual” desenvolvida pela produção do filme por cerca de nove meses e contou como foi a recepção dessa estratégia. O diretor também falou sobre seus novos projetos, que incluem uma super-produção escrita pelo roteirista de “Central do Brasil” sobre sua irmã Kat, morta em 2006, aos 13 anos. Kat era soropositiva desde o nascimento e foi adotada pelos velejadores Vilfredo e Heloísa Schurmann na Nova Zelândia, durante uma de suas viagens de volta ao mundo.


UOL - Você quis brincar com os limites entre real e ficção e criou toda uma vida virtual para os personagens. Como funcionou isso?
David Schurmann -
No dia em que eu escrevi o argumento de “Desaparecidos”, decidi que nós íamos começar a criar um mundo paralelo on-line. A primeira coisa foi criar todos os perfis dos personagens no Facebook. Isso surgiu mesmo antes do roteiro. Criamos os perfis bem desenhados, inspirados em pessoas que eu conheço, jovens. Daí criamos os sites da pousada e do jornal que inventamos e depois fizemos também os perfis dos personagens periféricos, que não aparecem diretamente no filme, mas são importantes – por exemplo, o Fred, que organizou a festa.

UOL - E como foi as respostas que você teve a isso, antes das pessoas saberem que era um filme?
Schurmann -
A festa, que foi o ponto principal que nós trabalhamos, teve mais de mil pessoas confirmando que iam participar.  E a gente divulgou como uma coisa fechada, não era aberto para todo mundo no Facebook. Começou a chegar a um ponto em que as pessoas perguntavam para o Fred qual pousada ele recomendava, porque queriam fazer reserva. Uma semana antes da festa [marcada para outubro deste ano], o Fred publicou que seriam só 120 convidados e que teria que escolher a dedo quem iria. Nós tínhamos mais ou menos 15 perfis falsos e pegamos mais um pessoal da Brazuca, uma organização que divulga filmes dentro de universidades, para validar a festa escrevendo que tinham recebido o convite. No dia seguinte, tem fotos no Facebook das pessoas na festa. Chegamos até a receber um e-mail de uma pessoa que tem muita grana oferecendo sua fazenda no interior de São Paulo para uma nova festa. Daí a festa supostamente aconteceu e sumiram os seis jovens. Mas, nesse ponto, tivemos um cuidado muito grande para não virar uma comoção nacional. Sempre colocamos informações que fossem um pouco mais toscas. Queríamos que as pessoas questionassem. Mesmo assim, muita gente acreditou. Se pesquisassem com um pouco mais de cuidado, iam ver que não era verdade. Nos nossos sites tem até um link para um aviso legal explicando que era um projeto de transmídia, mas só uma pessoa encontrou isso. As pessoas acreditam em tudo. Conseguimos até validar a lenda que está no filme na Wikipedia. A Wikipedia tirava em 24 horas, mas começamos a colocar em vários blogs sobre lendas e uma hora eles aceitaram o nosso artigo. Está lá até hoje. Isso porque somos um grupo pequeno, com poucos recursos. Imagina o que uma corporação ou um governo podem fazer com muitos recursos?

UOL - Como foi a seleção do elenco?
Schurmann -
Num projeto como esse, o medo, a agonia que as pessoas sentem, tinham que parecer real. Então, abrimos um casting e fomos muito atrás de atores que estavam naquele ponto de se tornar uma grande estrela. Tinham feito pequenos papéis em novelas ou peças, mas tinham um talento que já estava sendo reconhecido. No primeiro dia, já escolhemos mais da metade do elenco. Isso foi incrível, porque é muito difícil fazer filme de terror – ainda mais em um país que não tem essa tradição – que transmita um medo real, que não seja melodramático. O medo real não é aquele de gritar, ele é mais para dentro. Abrimos o teste como se fosse um filme universitário. Como já sabíamos que não tínhamos recurso, procuramos atores que topassem entrar no filme por uma porcentagem do lucro. Então, quando se fala que é um filme universitário, só vem ator que quer mesmo trabalhar. E encontramos esse elenco fantástico, com destaques como a Charlene Chagas, que já fez pontas na Globo, a Natália Vidall, que fez uma novela no SBT recentemente, o Pedro Urizzi, que fez dois longas que ainda estão em pós-produção. Só depois da seleção explicamos do que se tratava o filme.

TRAILER DE "DESAPARECIDOS"


UOL - Por que Ilhabela foi escolhida como locação?
Schurmann -
Por algumas coisas. Ilhabela já tem uma aura. É um dos lugares que mais tem navios afundados, tem um monte de lendas. Quando eu morei lá, tinha um monte de lendas que eu adorava escutar os pescadores contando. Também tem aquele pessoal que adora ir ver OVNIs em Ilhabela, que acha que discos voadores descem lá. A ilha já tem naturalmente essa coisa. É 90% Mata Atlântica, então é um ótimo lugar pra se perder no meio do. É um lugar perfeito. Porque, quando a gente começa a subir para ir naquelas casas no alto de morros, começa a sumir o sinal do celular, começa a ficar estranho. Também é um lugar que todo mundo acha que é seguro, tranquilo. E é ótimo para acontecer alguma coisa em lugares assim. Então, quando veio essa ideia de fazer um filme nesse formato, para um público jovem, eu pensei que ali era o lugar ideal.

UOL - A ideia do filme lembra “A Bruxa de Blair”. Foi uma inspiração?
Schurmann -
O filme é no mesmo gênero e linguagem que “A Bruxa de Blair”, mas é completamente diferente. Eu até acho que ele tem muito mais de “Cloverfield” e “Atividade Paranormal” do que de “A Bruxa de Blair”. O que tem de “A Bruxa de Blair” é óbvio: jovens, no meio do mato, perdidos. Mas o porquê eles filmam, porque eles usam uma câmera, porque eles vão parar no meio do mato, isso é completamente diferente. Até porque “A Bruxa de Blair” foi feito há mais de dez anos e a linguagem era um pouco diferente do que é hoje. Mas “Desaparecidos” tem essa veia dos “mockumentaries”. Se eu falar que esses filmes não são algum tipo de inspiração, é mentira. Nós pesquisamos todos esses filmes – o que fizeram de certo e de errado. É normal buscar referências, até para não fazer coisas muito parecidas. Mas pegamos tudo isso, registramos, jogamos tudo fora e fizemos o nosso do zero.

UOL - Quais seus próximos projetos?
Schurmann -
Eu estou trabalhando no filme “Pequenos Segredos” vai fazer três anos. É um filme roteirizado pelo Marcos Bernstein, que fez “Chico Xavier” e “Central do Brasil”, e inspirado na história da Kat, minha irmã, que morreu há cinco anos, era HIV positivo e foi adotada pelos meus pais. É uma superprodução, nós temos um elenco nacional e internacional top, que eu não posso falar ainda, por contrato, até marcar a data de começar a ser rodado. Vamos começar a filmar no meio do ano que vem. Já captamos todo o dinheiro e estamos só acertando as agendas dos profissionais. Vamos filmar na Nova Zelândia, no Pará, em Florianópolis. É um filmão, um filme de oito milhões de reais. Temos também o documentário “U-513” sobre o submarino alemão que meus pais encontraram no meio desse ano em Santa Catarina. É um submarino alemão da Segunda Guerra Mundial, que está há 65 anos no mar, ninguém tinha encontrado e nós achamos depois de nove anos de pesquisa e dois anos de buscas. É uma co-produção com a Alemanha, um projeto a longo prazo que eu estou dirigindo. Deve ficar pronto para o fim de 2012.