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"Ficaria meio deprimido com aquele uniforme naquela nave", diz Selton Mello, que recusou convite para "Star Trek"

Sérgio Alpendre

Do UOL, em Tiradentes (MG)

23/01/2012 09h14

A sessão de abertura da 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes foi das mais concorridas na história do evento. Muitos não estavam lá para ver "Billi Pig", o novo longa de José Eduardo Belmonte interpretado por Selton Mello, Grazi Massafera e Milton Gonçalves. Estavam lá para ver Selton. Ao ver um outro ídolo presente na sessão, uma menina no meio da aglomeração disse em voz alta: "que Cauã o que, o lance é ver o Selton". Cauã Raymond estava lá para acompanhar Grazi Massafera, sua mulher.

No palco, o ator contou, em primeira mão: "Fui convidado para trabalhar em 'Star Trek'. Se fosse, provavelmente não estaria aqui [em Tiradentes] agora. J.J.Abrams disse que gostou do meu trabalho e me queria no filme. 'O que eu iria fazer?', perguntei. 'Ficar na nave', ele respondeu. Ok, mas eu me sentiria meio deprimido ali, com aquele uniforme, naquela nave."

Apesar do desejo que tem de trabalhar no exterior, Selton diz que sente-se muito preso ao que vive aqui, aos amigos e filmes que pode fazer neste país, que agora parece despertar para uma cinematografia realmente prolífica. Mesmo assim, ele reconhece alguns males do cinema brasileiro. "No Brasil tem isso de rotular. Você é o engraçado, você é o vilão. Um ator como Lúcio Mauro, que é ótimo, só tem lugar em comédias. Gostaria de dirigi-lo em um drama, um filme rodrigueano".

Suas maiores referências de atuação são Paulo José e José Dumont. Com o primeiro já trabalhou em "O Palhaço", seu segundo longa na direção. Com o segundo, sonha em trabalhar algum dia.


Ator-autor
Com 38 anos, 30 de carreira, Selton Mello já fez de quase tudo um pouco. Dos doze aos vinte anos trabalhou como dublador para a Hebert Richards, algo que considera um grande aprendizado. Fez novelas, minisséries globais e teatro, mas gosta mesmo é de cinema.

Para ele, "o diretor deve lidar com o ator diretamente, não por intermediários". Isto é fundamental sobretudo para que o ator de presença mais marcante não tome conta do filme, como acontece em inúmeras produções, não só no Brasil. "Cabem nos dedos de uma mão os diretores que sabem dirigir atores. Daí a necessidade que quase todos têm dos preparadores de elenco", diz o ator no debate do dia seguinte à exibição de "Billi Pig", de José Eduardo Belmonte. Na hora de enumerar tais diretores, lembra só de dois: Luiz Fernando Carvalho e Guel Arraes.

Selton diz ser um grande fã de Clint Eastwood, o que confirma a similaridade entre sua trajetória e a do machão conhecido como Harry, o Sujo, no policial violento de 1971 ("Dirty Harry - Perseguidor Implacável"). Como Clint, Selton tem essa persona cinematográfica muito bem construída, que ele vira a mexe bombardeia. No ator, diretor e produtor americano é a imagem de herói durão e taciturno de inúmeros faroestes e policiais que é alternada com a do romântico sensível de "As Pontes de Madison" ou nos inúmeros personagens fragilizados que fez desde "Honkytonk Man", de 1982. Em Selton, é a imagem do adulto crianção que é desmentida parcialmente por papéis como o do traficante de "Meu Nome Não é Johnny", do maconheiro de "Árido Movie", ou do agente de seguros picareta de "Billi Pig".

Há ainda uma outra confluência com a trajetória de Clint Eastwood. Ambos dirigiram, com quase trinta anos de carreira, um filme em que interpretam um artista de circo. Como em "Bronco Billy", longa que Clint dirigiu em 1980, "O Palhaço" mostra uma trupe de circo que viaja por cidades pequenas atrás de uma maneira de sobreviver economicamente, mas não só: ambos os personagens querem realizar seus sonhos. O de Clint era de ser caubói. O de Selton, entreter crianças de todas as idades.

Mas o que marca a carreira de Selton Mello é mesmo a diversidade de papéis dentro de uma personalidade bem definida, graças ao seu imenso carisma. Por mais que ele represente tipos bem diferentes na tela, sua presença geral como o menino de ouro dificilmente é maculada. Por este motivo, um dos atores brasileiros que ele mais admira é Tony Ramos. "Ele faz cinema, teatro, televisão, coisas distintas, gravando às vezes com muita rapidez, mas sempre com muita qualidade."

Como protagonista de "Billi Pig", interpreta um picareta dono de uma seguradora que arma mil e umas para ganhar dinheiro. Aceita providenciar o que lhe pedem e depois trata de arrumar um jeito de resolver o assunto, de preferência sem muito esforço. Um tipo canalha que se não estivesse em uma comédia maluca dificilmente teria a empatia do público. Apesar do burburinho na estreia do filme, Billi Pig dificilmente será lembrado como um personagem marcante em sua carreira.