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Selecionado para Cannes, Walter Salles chegou a pensar que "Na Estrada" nunca sairia do papel

Walter Salles participa de sessão de fotos no Festival de Cannes, na França, em imagem de 2008 - AFP
Walter Salles participa de sessão de fotos no Festival de Cannes, na França, em imagem de 2008 Imagem: AFP

Do UOL, em São Paulo

19/04/2012 13h35Atualizada em 19/04/2012 17h59

O cineasta brasileiro Walter Salles falou ao UOL sobre o difícil processo de criação de “Na Estrada”, que levou 6 anos para ser feito, após 50 anos de tentativas frustradas por diversos cineastas. O filme foi anunciado nesta quinta-feira (19) como um dos competidores da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2012.

O longa é baseado no livro “On the Road” do autor “beat” Jack Kerouac e tem Kristen Stewart em um dos papéis principais, além de atuações de Alice Braga, Viggo Mortensen, entre outros.

UOL - Depois de ter participado de várias edições do Festival de Cannes e ter levado para casa uma Palma de Ouro pelo trabalho de Sandra Corveloni em “Linha de Passe”, qual a sensação de voltar ao certame e o peso de ter um filme exibido nas telas da Croisette?

Walter Salles - Um festival é o lugar onde um filme nasce e se torna independente. Depois de tantos anos trabalhando nesse projeto, é uma recompensa para a família de atores e técnicos que deram tanto para o filme. Ter um filme selecionado em um festival como esse já é, em si, um prêmio.

UOL - “On the Road”, de Jack Kerouac, é quase um mito na história do cinema americano, porque muitos cineastas antes de você tentaram adaptar a obra sem sucesso. O que aconteceu, que movimentos você fez, para conseguir os direitos de adaptação?

Walter Salles - Sim, foram mais de 50 anos de tentativas. O fato de que nenhum estúdio norte-americano tenha decidido levar à frente a adaptação de “On the Road” durante todo esse período é emblemático. Como o livro não tem uma arquitetura tradicional, havia uma percepção generalizada de que a transposição para o cinema não era possível. Quando fui convidado pela Zoetrope para levar o projeto adiante, logo depois da exibição de "Diários de Motocicleta" no Festival de Sundance, em 2004, também fiquei em dúvida se essa adaptação podia ser feita. Daí a proposta de fazer um documentário para entender melhor a estrutura do livro, seus personagens, o legado de Kerouac e de sua geração.

Foram quase 6 anos de trabalho, entrevistando os personagens do filme que ainda estão vivos, os poetas que junto com Kerouac lançaram as bases da contracultura norte-americana, os músicos e cineastas que como David Byrne ou Wim Wenders foram influenciados pelos beats. Esse trabalho informou o roteiro, mas a verdade é que o documentário virou o filme para mim. Com a crise de 2008, pensei que o filme de ficção não se faria jamais. Até que em 2010 a produtora independente francesa MK2, que produziu Kieslowski, Kiarostami, Chabrol, Godard, Assayas e outros cineastas que admiro, acabou lendo e se apaixonando pelo roteiro. Com a ajuda do Film Four, braço do canal cultural Channel 4 que financiou "Diários" e a participação de pequenos distribuidores independentes europeus, o filme se tornou possível.

UOL - “Na Estrada” tem um elenco estelar, que conta ainda com a participação de Alice Braga. Temos Viggo Mortensen, Kristen Stewart e vários outros jovens talentos. Como é lidar com tantos artistas desse porte em um filme coral?

Walter Salles - Essa foi a parte mais agradável do projeto. Os atores foram os grandes aliados do filme. Primeiro, passamos três semanas em Montreal ensaiando as cenas, polindo o roteiro. Depois, partimos para a estrada, tentando incorporar tudo aquilo que íamos encontrando à sua margem. E haja estrada. Cobrimos três vezes mais chão do que em "Diários de Motocicleta".

UOL - O que podemos esperar para o futuro? Um filme brasileiro, rodado aqui, com elenco local. Ou uma nova produção estrangeira?

Walter Salles - Um filme brasileiro, ou um filme rodado na América do Sul. Não tenho nenhuma vontade de fazer dois filmes seguidos em inglês, acho que um cineasta tem que ficar próximo de suas raízes para ter o que dizer. "On the Road" é uma obsessão de juventude, um livro que li aos 18 anos e que mudou minha visão de mundo. O filme está feito. Agora, chegou a hora de voltar para casa.