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"Na Neblina" mostra os conflitos internos causados pela guerra

Cena de "Na Neblina" - Divulgação
Cena de "Na Neblina" Imagem: Divulgação

Chico Fireman

Do UOL, em São Paulo

30/10/2012 04h02

Sergei Loznitsa só entrou para o mapa mundi do cinema em 2010, quando “Minha Felicidade”, seu primeiro longa de ficção, foi selecionado para o Festival de Cannes. O filme, um mergulho no interior da Ucrânia, impressionava pelo formato de pesadelo e pelas múltiplas camadas que desvendavam um passado traumático do país. Conquistou prêmios e respeito para o cineasta que já realizava um notável trabalho na direção de documentários.

O sucesso do filme na Mostra de Cinema de São Paulo daquele ano garantiu sua distribuição em circuito no Brasil. Dois anos depois, Loznitsa, além de ser um dos homenageados da 36ª edição do evento com uma retrospectiva de seus documentários, apresenta seu último trabalho ficcional. “Na Neblina”, que se passa na Ucrânia invadida pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, foi o segundo filme do diretor lançado em Cannes.

O longa é uma reflexão de Loznitsa sobre o peso da guerra sobre o indivíduo, o que, na visão do cineasta, acirra conflitos internos tão violentos quanto as lutas armadas. O protagonista é Shushenya, um ucraniano acusado de colaborar com o exército alemão, algo que nunca fez, mas do que dificilmente irá se livrar. Em sua condição de pária, ele encontra Burov, um conhecido de infância que recebeu a missão de ser seu carrasco.

Ao contrário do longa anterior, que aposta numa ruptura narrativa com elementos quase oníricos, o novo filme tem um formato mais convencional, com flashbacks pontuando a história principal. Os inserts mostram como cada personagem chegou naquele ponto da vida, humanizando os dois lados - e abrindo espaço para trabalhar um terceiro protagonista, Voitik, uma espécie de lobo solitário que acompanha Burov. 

Loznitsa vê os três como vítimas de uma época em que parâmetros e conceitos entram em crise, onde o cidadão comum está sufocado e é obrigado a se transformar para sobreviver. A guerra está por toda parte, mas é camuflada pelo cenário – quase todo o filme se passa nas florestas do país. O espectador só enxerga o conflito no embate íntimo entre os personagens, embates físicos ou verbais.

O discurso de Shushenya ao lado de Burov é uma das cenas mais fortes do ano. Revela um estado de desesperança que explica e justifica o personagem, seu código de ética e seus atos - que poderiam se perder na neblina sem precisar do didatismo sonoro da cena final, mas que fazem deste um belo filme triste. Com um poderoso discurso anti-guerra.