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Na Mostra, Claudia Cardinale relembra a carreira e diz aceitar a passagem do tempo

Claudia Cardinale participa de bate-papo com Rubens Ewald Filho na Faap durante programação da Mostra de Cinema de São Paulo - Aline Arruda/Agencia Foto
Claudia Cardinale participa de bate-papo com Rubens Ewald Filho na Faap durante programação da Mostra de Cinema de São Paulo Imagem: Aline Arruda/Agencia Foto

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

31/10/2012 22h50

Convidada mais aguardada da Mostra de São Paulo 2012, a atriz Claudia Cardinale foi cercada por fãs ao chegar à Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) pouco antes das 21h desta quarta (31), horário marcado para o bate-papo conduzido por Rubens Ewald Filho.

Com 54 anos de carreira e mais de cem filmes no currículo, Claudia continua ativa aos 74 anos, participando de produções como "O Gebo e a Sombra" (do também veterano Manoel de Oliveira, 104), que a Mostra apresenta este ano.

Sempre sorridente e divertida, ela repassou sua carreira, falou sobre seus principais filmes e também comentou o seu momento atual.

Questionada se continua sentindo prazer ao fazer cinema, ela respondeu: “Sim, claro, caso contrário não estaria aqui”.

“Continuo porque me chamam. Além disso, a coisa mais importante são os roteiros e também o encontro com os diretores. Tenho feito filmes com jovens diretores que estão realizando os seus primeiros trabalhos e enfrentam dificuldades. Então faço porque gosto de ajudar”, contou.

A passagem do tempo também foi um dos temas comentados por ela, que afirmou jamais ter feito uma plástica. “Não se pode parar o tempo. Nunca fiz lifting ou coisas do gênero. Tenho que aceitar o tempo que passa”.

Questionada sobre porque nunca investiu em uma carreira em Hollywood, ela afirmou que não foi por falta de oportunidades. “Me pediram pra ficar ali, mas eu me considero europeia. Sempre voltei pra Europa. Ali [em Hollywood] todo mundo tem guarda-costas e motorista. Eu não gosto disso, gosto de andar sozinha”, disse.

A conversa se encerrou em grande estio quando Rubens pediu que Cláudia e seu tradutor cantassem novamente a canção que entoaram no carro a caminho do evento, “E Se Domani”, de Mina.

Leia a seguir os melhores momentos da conversa, que foi pontuada pela exibição de trechos de filmes de Claudia.

Início da carreira

“Eu nasci na Tunísia, mas éramos sicilianos de muitas gerações. A verdade é que se eu faço cinema é porque me recusei por muito tempo. Aconteceu que eu estava ajudando minha mãe numa festa beneficente do consulado italiano e tinha a eleição da italiana mais bonita da Tunísia. As garotas estavam todas no palco e alguém me puxou, me levou e me colocou a faixa. E o prêmio foi uma viagem ao Festival de Veneza. E como na Itália ainda não havia o biquíni, e eu usava o biquíni com uma saída de praia, os papparazzi ficavam em cima de mim. Depois vieram diretores me convidar para fazer cinema e eu dizia não. Quando eu peguei o avião com a minha mãe, porque eu era muito jovem, estava em todos os jornais: ‘a garota que não quer fazer cinema’”.

"Os Eternos Desconhecidos" (1958), de Mario Monicelli

"Mario Monicelli era extraordinário. Quando começamos a fazer o filme, eu não falava italiano, falava francês. E quando gravamos essa cena [a personagem de Claudia bate a porta na cara do personagem de Renato Salvatori], eu realmente bati com a porta na cara dele. E Monicelli me disse ‘Claudia, no cinema se finge, não se faz de verdade!’.”

“Rocco e seus Irmãos” (1960), de Luchino Visconti

Visconti era um mestre. Nesse filme, eu tinha um papel pequeno, mas teve uma cena com Renato Salvatori, obviamente, e depois uma cena de luta após a luta de boxe. E Luchino pegou o megafone e disse ‘Não me matem a Cardinale!. Aí percebi que ele tinha me notado e acabei fazendo quatro filmes com ele: ‘O Leopardo’, ‘Vagas Estrelas da Ursa’ e ‘Violência e Paixão’. Era como fazer teatro com ele. Antes de filmar, nos reuníamos em torno de uma mesa para ler o texto.”

“A Moça com a Valise” (1961), Valério Zurlini

“Com este filme me tornei a namorada dos italianos. Mas o que foi mais terrível para mim é que ficamos muito próximos de Valerio e um dia ele nos convidou para ir a sua casa. Quando chegamos, estava tudo vazio, comemos no chão e ele me dizia ‘Gosto muito de você’. Dois dias depois, abro o jornal e entendo que ele quis se despedir de mim antes de se suicidar”.

“8 ½”  (1963), de Federico Fellini

Esse foi um filme sem roteiro, só com improvisações. Federico falava comigo, eu respondia, e tudo que eu dizia é o que eu digo no filme. Depois vinha o Marcelo e  repetia o que Federico tinha dito. O que é interessante nesse filme é que eu fazia a musa, a personagem que dá inspiração, e depois fazia eu mesma, Claudia.

“O Leopardo” (1963), de Luchino Visconti

“Para rodar todas as cenas do palácio, todo o jantar, o baile, demorou um mês. Faziam 40 graus. E todo mundo que estava ali eram nobres de verdade. Esse foi o filme que me fez conhecida em todo o mundo, ainda que no início eu pensasse que um caubói não podia fazer um príncipe [Burt Lancaster]”.

“A Pantera Cor-de-Rosa” (1964), de Blake Edwards

“Para mim o encontro com David Niven foi extraordinário, porque assim que me viu, disse uma coisa incrível: ‘Junto com o espaguete, você é a melhor invenção italiana’. Mas a coisa mais incrível, quando fiz Ó Filho da Pantera Cor de Rosa’, Blake me chamou e me disse: ‘Tem uma coisa que eu quero contar’. Como tem essa cena em que eu tinha que estar completamente bêbada, ele me levou numa sala onde tinha um indiano com um cachorro, e ele estava fumando. E só depois de muitos anos ele me contou que aquele indiano estava fumando uma droga, e por isso eu fiquei completamente intoxicada, como se vê no filme”.

“Vagas Estrelas da Ursa” (1965), Luchino Visconti

“Esse é o único filme em que se vê minhas costas. Nunca me despi nos filmes. Não queria vender meu corpo”.

“Era uma Vez no Oeste”(1968), de Sergio Leone

“Sergio Leone era um diretor incrível, porque quando filmava tinha um modo de colocar a câmera nos seus olhos, no seu rosto, na sua pele. E antes de filmar colocava a musica do personagem para escutarmos. Começamos a filma a primeira cena, era uma cena de amor, e Henry Fonda nunca tinha feito uma cena de amor. E a mulher dele ficou todo o tempo sentada do lado da câmera”.

"Fitzcarraldo" (1982), de Werner Herzog

"A Amazônia foi a maior aventura da minha vida. O Werner Herzog é um diretor fantástico. É um louco, mas eu adoro os loucos. Começamos o filme com o Jason Robards, mas, depois de duas semanas, como não tinha o que comer, ele subiu em uma arvore e queria um New York steak. Tiveram que chamar um psicanalista para fazê-lo descer. Depois recomeçamos com o Klaus Kinski. Ele era um louco de pedra, mas eu não tinha medo. Sei me defender. O Mick Jagger também estava no elenco, mas ele tinha uma turnê internacional e não pôde continuar quando voltamos a filmar".