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Ator de 82 anos de "Amor" já serviu no Exército, namorou Brigitte Bardot e foi até piloto

Cena do filme "Amor", de Michael Haneke, com Jean-Louis Trintignant no papel principal - Divulgação
Cena do filme "Amor", de Michael Haneke, com Jean-Louis Trintignant no papel principal Imagem: Divulgação

Jane Wollman Rusoff*

Do Hollywood Watch, em Nova York, (EUA)

15/01/2013 00h01

A imprevisibilidade permeia os desempenhos mais poderosos de Jean-Louis Trintignant. O mesmo se dá com "Amor", de Michael Haneke, uma história de amor sombria na qual o ator de 82 anos, símbolo da "nouvelle vague" francesa na década de 1960, retrata o marido dedicado de uma vítima de derrame. A esposa é interpretada por outra estrela veterana, Emanuelle Riva, 85 anos.

Embora tenha participado de mais de cem filmes e trabalhado com muitos dos diretores mais venerados do mundo, Trintignant está recebendo uma recepção mais calorosa com "Amor" do que com outros trabalhos anteriores. O filme ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2012 e o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro no fim de semana. Além disso, concorre ao Oscar em duas categorias importantes: melhor filme e melhor filme estrangeiro. 

Com "la" Bardot

Reprodução
Após chamar a atenção do público pela primeira vez como o marido inexperiente de uma jovem beldade (Brigitte Bardot) no escandalosamente explícito "...E Deus Criou a Mulher" (1956), Trintignant mostrou ser capaz de mais ao interpretar um piloto de corrida viúvo no sucesso internacional "Um Homem, Uma Mulher" (1966). Seguiram-se papéis mais substanciosos e, rapidamente, ele ganhou fama em filmes sobre crimes e suspenses policiais, sendo notado pelo estilo de atuação descolado e cerebral.

Representando o promotor que investiga um assassinato político em "Z" (1969), de Costa-Gravas, ele foi escolhido o melhor ator em Cannes. Seu desempenho mais festejado foi o de um assassino fascista reprimido sexualmente em "O Conformista" (1970).

"Amour" é uma incursão não característica do roteirista e diretor Haneke, mais conhecido por filmes polêmicos e sexualmente provocadores, tais como "Violência Gratuita" (1977), "A Professora de Piano" (2001), "Le Temps du Loup" (2003) e "A Fita Branca" (2009). É um retrato íntimo e meticuloso do idoso George (Trintignant) e sua batalha como cuidador da esposa, após um derrame provocar paralisia e demência avançada na mulher. Isabelle Huppert representa a filha do casal.

"'Amor' é sobre lealdade, mas também aborda a eutanásia", Trintignant afirma por meio de um intérprete. Ele está falando ao telefone, com uma voz forte e profunda, de sua casa no sul da França.

"O Michael não deseja que mencionemos a eutanásia ao falarmos do filme", ele acrescenta ironicamente, "mas, sem dúvida, é sobre isso, falando profundamente a respeito do tema. Porém, não é um crime. É feito por amor".

Os filmes de Haneke são famosos por fazerem os atores enfrentarem situações difíceis. Segundo conta Trintignant, o maior desafio em seu caso foi uma cena que exigia um tabefe em Riva. "Pedi para o Michael reescrever a cena, mas ele se recusou. Para o diretor, era muito importante. Assim, eu a fiz, mas foi muito complicado para mim."

Trintignant é acessível em relação à maioria dos assuntos. Ocasionalmente, revela um pouco de humor, até mesmo de humor negro. "Ah, sim, eu me identifiquei muito com meu personagem em 'Amor'", ele brinca. "Minha esposa que se cuide!"

Na verdade, o ator é casado há 28 anos com Mariane Hoepfner, ex-piloto de corridas. "Moramos numa casinha no interior, nos arredores de Marselha. Levamos uma vida modesta, desfrutando dos pequenos prazeres que a vida e a natureza podem nos oferecer. 'Voilà!'"

"Amor" é o primeiro filme de Trintignant desde "Janis e John" (2003), e o primeiro como protagonista em muito tempo. Ele havia se aposentado do cinema, fazendo uma ou outra peça de teatro, até que Haneke o procurou com o convite para o longa-metragem. A mistura de roteiro poderoso com a chance de trabalhar com o aclamado diretor o fez voltar às telas, porém, ele insiste não se tratar de um filme de retorno. Como diz, não existe retorno à vista.

"Não pretendo fazer mais filmes. Parei de trabalhar no cinema porque é menos interessante que teatro. Para o ator, é muito menos recompensador estar num set de filmagem do que para o diretor. Muitos atores preferem fazer filmes por covardia."

Aos 82 anos, ele cogita reduzir seu trabalho nos palcos, embora atualmente esteja apresentando um espetáculo solitário no qual lê poemas libertários de poetas franceses do século 20, que o levou recentemente a Montreal e à Suíça. Se for assim, será por escolha própria. A aclamação por "Amor" certamente o tornará mais requisitado.

Na verdade, porém, a saúde de Trintignant vem declinando. "Tenho todas as doenças da velhice", ele afirma sem rodeios. "Espero não morrer de doença, mas que eu simplesmente decida parar de viver. Eu me sinto muito bem no momento, mas vai saber. Posso falecer daqui a uma hora. É preciso viver a vida enquanto estamos vivos. Você poderá descansar quando morrer."

O ator tem problemas de visão e utiliza bengala, em parte por conta de ferimentos sofridos em corridas de automóveis, esporte que começou a praticar depois de trabalhar em "Um Homem, Uma Mulher", do diretor Claude Lelouche. "Eu era piloto de corrida, igualzinho ao Paul Newman", Trintignant afirma em meio a risadas.

VEJA TRAILER LEGENDADO DE "AMOR", DE MICHAEL HANEKE

Segundo ele, dois de seus tios foram pilotos de corrida profissionais e foi ideia sua transformar seu personagem em "Um Homem, Uma Mulher" em corredor. "Quando Claude Lelouche trouxe o roteiro, meu personagem era médico. Contudo, senti que se fosse piloto haveria mais tensão. Quando existe uma história de amor, ainda mais uma feliz, ela pode se tornar meio insípida. Assim, ser piloto de corridas lhe dava violência e tensão, propiciando um lado mais sombrio e profundo."

Os melhores filmes de Trintignant o colocam no papel de homem complexo, muitas vezes envolvido com temas abomináveis. Seus personagens são pessoas imprevisíveis cujas ações nem sempre podem ser explicadas no fim do filme. "Não sou tão misterioso na vida real, mas eu era uma pessoa imprevisível. E, como ator, você vive se baseando na sua vida para atingir a verdade na tela. Durante a maior parte do tempo, fui um ator intelectual, mas já faz alguns anos que me esforço em ser menos intelectual e me basear mais nas minhas emoções."

  • Brigitte Bardot e Jean-Louis Trintignant em "E
    Deus Criou a Mulher..." (1956), de Roger Vadim

O fato de ele ter se tornado ator foi em si imprevisível, conta Trintignant, porque durante a infância ele sofria de uma timidez paralisante. Mesmo após ter desistido dos planos de ser advogado e começado a estudar teatro, ele era tão tímido que o professor previu que nunca teria sucesso como ator. "Eu tinha noção de não estar trabalhando bem. Eu vivia representando com a cabeça abaixada, mas também sentia bastante – eu possuía uma rica vida emocional por dentro – e tinha consciência de que um dia seria capaz de expressá-la."

Conseguindo poucos papéis na França, Trintignant, então com 26 anos, se mudou para a Itália, onde teve melhor sorte. Em 1956, quando o diretor Roger Vadim o escalou em "…E Deus Criou a Mulher", ele virou astro internacional da noite para o dia.

Ele também estrelou um famoso escândalo, graças a um romance longe das câmeras com Bardot, então casada com Vadim. Perseguido pela imprensa, Trintignant se alistou no exército francês na Argélia; ele afirma que foi convocado, não que tenha fugido do escândalo. O ator passou vários anos servindo na Alemanha e prefere não tocar no assunto. "O serviço militar era obrigatório", ele conta vagamente. "Porém, isso se deu muito tempo atrás. Não me lembro mais dos detalhes. Não me lembro nada de trabalhar com Brigitte Bardot, mas sinto por ela muita admiração e respeito."

  • O diretor austríaco Michael Haneke (à esq) e o ator francês Jean-Louis Trintignant posam para os fotógrafos antes da cerimônia de encerramento do Festival de Cannes, na França (27/5/12)

Os três anos no exército serviram para esfriar a carreira e, embora, tenha trabalhado regularmente após voltar a Paris, ele só foi voltar à primeira linha com "Um Homem, Uma Mulher". A seguir, continuou atuando de forma rotineira até o final dos anos 1990. O filme "Janis e John", de 2003, o primeiro em cinco anos, foi feito principalmente como um favor à coestrela, a filha, Marie Trintignant. Quando ela foi assassinada pelo namorado logo após o fim da filmagem, o pai – que perdera outra filha em 1969 de morte súbita – abandonou a telona, pensando ser para sempre.

"São duas tragédias horríveis que não consegui deixar para trás", ele afirma com tristeza. "Não consegui superá-las nem lidar com elas, principalmente com a segunda. Marie era uma mulher extraordinária. Minha relação com ela era fantástica. Minha filha tinha 41 anos quando morreu. Isso foi muito mais duro para mim do que a morte de uma criança bastante nova."

  • Atriz francesa Isabelle Huppert e ator francês Jean-Louis Trintignant na première do filme "Amor"

Precisou que "Amour" o trouxesse de volta. Haneke disse ter escrito o papel de George especificamente para Trintignant, mas o ator não põe muita fé nessa declaração. "Não sei se isso é verdade. Não acredito no Michael porque também dirigi filmes e num caso, 'Um Dia dos Diabos' (1973), o ator para quem escrevi, Jean Bouise, morreu. Fui forçado a pegar outro intérprete, Jacques DuFilho, que se revelou muito melhor do que aquele que tinha em mente."

Trintignant completou 82 anos dia 11 de dezembro de 2012, mas deixa bastante claro que não comemora mais os aniversários. "Quando se é muito velho, como eu, o aniversário é castigo, não recompensa!"

* (Jane Wollman Rusoff é jornalista freelance de Nova York)