"'Lincoln' exige que se preste mais atenção", diz Spielberg ao UOL sobre seu novo filme
Steven Spielberg não viu "Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros". "Mas eis o que é mais importante: oito profissionais maravilhosos do filme vieram trabalhar comigo,” diz o premiado diretor, bem-humorado durante uma manhã fria no outuno de Beverly Hills. De fato: todo o departamento de maquiagem do longa de Timur Bekmambetov trabalhou para transformar Daniel Day-Lewis no 16º presidente norte- americano durante as filmagens de "Lincoln".
Como Spielberg explica nesta entrevista, o Lincoln de Daniel Day-Lewis foi obra de alquimia fina, um processo "misterioso e intensamente pessoal" que só o ator conhece.
A jornada de Spielberg até "Lincoln" começa durante a preparação para outro projeto: "Amistad" (1997), quando o cineasta conheceu a historiadora Doris Kearns Goodwin, uma das consultoras do filme. Durante o trabalho, Goodwin disse a Spielberg que estava preparando uma biografia de Abraham Lincoln focada nos últimos quatro meses de vida do então presidente, abordando também o talento dele como estrategista político.
VEJA CENAS DE "LINCOLN", DE STEVEN SPIELBERG
"Imediatamete me interessei", afirma Spielberg. "Tenho loucura por biografias, é o que leio no meu tempo livre. E o tema, com o ângulo que Doris escolheu, me fascinou na hora".
Presidente dos Estados Unidos entre 1861 e 1865
Abraham Lincoln nasceu em 1809 no Estado de Kentucky, no sul dos Estados Unidos. Filho de um homem da fronteira, teve que lutar para sobreviver, com esforços para estudar enquanto trabalhava em uma fazenda e dirigia uma loja em Illinois.
Lincoln foi capitão contra um levante dos índios, passou oito anos na Assembléia Legislativa do Estado de Illinois, no norte do país, e exerceu advocacia por muitos anos no circuito de tribunais.
Spielberg comprou os direitos da obra de Goodwin antes mesmo que ela tivesse começado a escrevê-la. Spielberg começou a trabalhar na adaptação para o cinema assim que recebeu os originais -- o livro "Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln" foi lançado em 2005.
O processo, como o diretor revela neste bate-papo, foi demorado e complexo, resolvido finalmente pelo talento combinado do dramaturgo Tony Kushner como roteirista e Daniel Day Lewis como Lincoln.
UOL: Como você resolveu a questão de abordar uma figura tão icônica e imensa como Abraham Lincoln e mostrar algo que não havíamos visto antes?
Steven Spielberg: A armadilha que eu quis evitar foi fazer um filme sobre os grandes momentos, os momentos icônicos da vida inteira de Abraham Lincoln: a eleição, o começo da Guerra Civil, o discurso em Gettysburg. Eu tentei isso antes.
Antes do roteiro brilhante de Tony Kushner, meu projeto era fazer algo mais abrangente, focado na Guerra Civil, vista pelos olhos de Lincoln. Mas rapidamente eu notei que era um assunto vasto demais para um filme. Para uma minissérie, talvez. Mas não para um filme.
Eu ainda corria outro risco: engrandecer Lincoln. Queria evitar a todo custo cair na adoração de Lincoln. Meu objetivo sempre foi abordar Lincoln como um homem e não como um monumento. Já temos monumentos demais a Lincoln.
VEJA TRAILER LEGENDADO DE "LINCOLN", DE STEVEN SPIELBERG
Ele está na nota de US$ 5 e na moeda de um centavo. Não precisamos de mais monumentos a Lincoln. O que precisamos é de um olhar sobre este homem, o tempo em que ele viveu, como ele viveu e como ele tomou as decisões históricas que ele tomou.
Lincoln, o personagem, está ausente das telas há 65 anos. Este é o primeiro filme a tentar lançar um olhar crítico sobre Abraham Lincoln desde "A Mocidade de Lincoln", com Henry Fonda, em 1939.
Daniel Day Lewis realmente se transformou em Lincoln. Como vocês trabalharam juntos para conseguir isso?
Nunca trabalhei com alguém como ele. Tudo o que tive de fazer foi deixá-lo livre para criar o personagem com o processo dele. Daniel é um cavalheiro muito acessível, dedicado a sua família, com um processo muito tranquilo, profundo e pessoal, tudo baseado em pesquisa.
Ele provavelmente leu mais livros do que eu depois que aceitou o papel. Centenas de livros sobre Lincoln, sua presidência e o período histórico que desembocou na Guerra Civil.
Tudo o que tivemos de fazer foi ajudá-lo com o sotaque, com uma especulação sobre como a voz de Lincoln seria, levando em conta que ele nasceu em Indiana (estado do meio-oeste norte-americano) e viveu em parte no Kentucky (estado no sudeste do país).
Trabalhei muito com ele, dirigi Daniel assim como faço com todos os outros atores. Mas a verdade é que ele apareceu no set como Abraham Lincoln no primeiro dia de filmagem e voltou a ser Daniel Day Lewis depois do último dia de filmagem.
Fui até ele para dar parabéns e ele me respondeu com sua voz normal, com o sotaque britânico. Desatei a chorar. Foi emoção demais. Não estava preparado para reencontrar Daniel.
Este é um filme repleto de informações históricas, sociais e políticas. Mas você não breca o filme para explicar, o espectador é lançado imediatamente no momento em que Lincoln e seus contemporâneos estão vivendo. Por que você fez essa escolha?
Eu não queria começar o filme com um longo prólogo ao estilo de "Guerra nas Estrelas". Não queria repetir o discurso de Gettysburg. Queria que todas as informações viessem da própria narrativa.
Fiz o filme para plateias norte americanas que, espero, tenham uma educação básica e compreendam que houve uma Guerra Civil entre o Norte e o Sul, que o Sul tentou romper com a União, que a escravidão era o principal ponto dessa discussão, e que 650 mil norte-americanos morreram por causa disso. Mais do que todas as outras guerras combinadas, desde a Primeira Guerra Mundial até o conflito no Afeganistão.
Claro que sei que não posso nem devo esperar esse tipo de conhecimento no exterior. Não espero que as plateias saibam quem Lincoln foi. Para os mercados internacionais, estamos preparando materiais adicionais para tornar a compreensão mais fácil.
13.jan.2013 - O diretor Steven Spielberg, que concorre ao prêmio de Melhor Diretor por "Lincoln", junto da atriz Kate Capshaw na 70ª cerimônia de entrega do Globo de Ouro, em Los Angeles
Para platéias internacionais, o filme pode ser um enorme desafio, não apenas pela complexidade do contexto histórico mas também pelo próprio texto. O que você pensa a respeito?
Eu compreendo. Sei que estou pedindo muita coisa das plateias internacionais, especialmente as que não falam inglês. "Lincoln" exige que se preste muito mais atenção. Na maioria dos meus filmes, eu peço que a plateia relaxe. Agora peço que ela chegue mais perto e faça um esforço para ouvir e acompanhar o maravilhoso texto de Tony Kushner.
Você parece ter dois lados completamente diferentes: um muito pop, que adora o cinema como entretenimento; e outro fascinado pela história, por temas complexos. Como você administra isso?
Pareço esquizofrênico, seriamente bipolar. Mas posso garantir que não sou. Não tenho remédios controlados no meu sistema. Todos esses aspectos, o divertido, o histórico e o psicológico fazem parte do que me apaixona e me mantém envolvido com o cinema.
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