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"Viajo porque preciso..." destaca amor e transformação

Cena do filme ""Viajo Porque Previso, Volto Porque te Amo"" - Divulgação
Cena do filme ''Viajo Porque Previso, Volto Porque te Amo'' Imagem: Divulgação

06/05/2010 18h00

SÃO PAULO - O premiado "Viajo porque preciso, volto porque te amo", que estreia em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre, é um filme de amor em primeira pessoa. É também a consagração de dois grandes talentos do cinema brasileiro contemporâneo, Marcelo Gomes ("Cinema, Aspirinas e Urubus") e Karim Aïnouz ("Céu de Suely", "Madame Satã"), que aqui realizam um longa que transita em uma linha bem tênue entre o documentário e a ficção.

O filme, que teve sua première mundial na mostra Horizontes, do Festival de Veneza 2009, é o resultado de dez anos de captação de imagens e de um mergulho pessoal dos dois diretores pelo sertão nordestino. A colagem de impressões e documentações desse mundo se interligam à história de um personagem fictício, o geólogo José Renato (Irandhir Santos, de "Besouro"), que avalia uma região que poderá desaparecer se um canal for construído a partir do desvio do único rio do local.

TRAILER DO FILME "VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO"

Nessa longa jornada sertão adentro, José Renato conversa com a sua amada, uma botânica que ele espera logo reencontrar. Seus diários de viagem, declarações de um amor saudoso, pontuam a história, tecendo uma fina trama que une os personagens reais que cruzam o seu caminho. São pessoas simples, cujas vidas e ofícios, quase esquecidos no meio do nada, são redescobertos pela ótica humanista dos diretores.

Um detalhe importante é que nunca vemos o rosto do personagem - apenas ouvimos sua voz. Dessa forma, a câmera funciona como seus olhos, registrando não apenas o que ele vê, mas a forma como enxerga o mundo ao seu redor.

Um rapaz faz colchões com o pai e seus hormônios juvenis estão à flor da pele; uma mulher confecciona flores artesanais, belas em sua simplicidade; uma família vive isolada, praticamente sem contato com o mundo, e uma das filhas lê e relê Machado de Assis. Uma prostituta, Pati Simone, sonha com aquilo que ela chama de uma "vida-lazer".

Mas não é difícil de se imaginar o que vem a ser isso - simplesmente uma vida sem problemas, com tranquilidade financeira e paz emocional. São os sonhos de pessoas que nem sempre buscam a realização dessas pequenas ambições. Ao lhes dar voz, "Viajo porque preciso, volto porque te amo" torna-se um documentário de cunho social. Mas isso jamais se torna a razão de ser do filme.

Em sua essência, "Viajo porque preciso, Volto porque te amo" pega emprestado o molde do road movie, com um personagem que cai na estrada e cuja travessia serve de metáfora para uma transformação interior. Ao fim de uma jornada desse gênero, o protagonista jamais será o mesmo, pois foi transformado por tudo aquilo que acumulou ao longo do caminho. A quase obsessão de José Renato em interagir com as pessoas pode ser uma denúncia de sua solidão, da saudade de casa, da mulher.

A diversidade de texturas do filme - resultado das imagens em diversos suportes, como Super 8 e High 8, algumas das formas mais antigas e mais modernas na captação de um filme - funcionam como um reflexo do conturbado estado emocional do protagonista. Ao mesmo tempo, conferem um diálogo entre os diretores e a modernidade e urgência do audiovisual contemporâneo, em que qualquer vídeo pode cair na rede em questão de segundos.

Essa diversidade visual pode mostrar também a contradição do personagem e o estado emocional que o aflige. "A única coisa que me faz feliz nessa viagem são as lembranças de ti", confessa ele para a amada, para mais tarde dizer: "Sabe que a única coisa que me deixa triste nessa viagem são as lembranças de ti?".

Ganhador do prêmio de direção no Festival do Rio do ano passado, "Viajo porque preciso, volto porque te amo" é o típico filme que só tem a ganhar com a revisão. Quando o assistimos pela segunda vez, é possível deixar de lado as surpresas da narrativa, para nos concentrar nos personagens que cruzam o caminho do protagonista e formam um painel humano tão rico, colorido quanto melancólico.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb