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''Terra Deu, Terra Come'' mostra sertão de Guimarães Rosa

Imagem do filme ""Terra Deu, Terra Come"", de Rodrigo Siqueira - Divulgação
Imagem do filme ''Terra Deu, Terra Come'', de Rodrigo Siqueira Imagem: Divulgação

30/09/2010 11h09

SÃO PAULO - Grande vencedor do festival de documentários É Tudo Verdade em 2010, "Terra Deu, Terra Come" é um mergulho no sertão profundo, na terra mítica retratada pelo escritor Guimarães Rosa em livros como "Grande Sertão: Veredas".

Pactos com o diabo, vocabulário e paisagens parecem saídos diretamente do universo do romancista mineiro e se materializam no filme de Rodrigo Siqueira, que estreia apenas em São Paulo.

O que conduz o filme são os ritos fúnebres prestados a João Batista, homem bom, casado e sem filhos que morreu aos 120 anos. Seu velho amigo, Pedro de Alexina, é o responsável pelas homenagens. Garimpeiro, ele é uma figura inesquecível e carismática, que domina o filme de ponta a ponta com suas histórias que oscilam entre a verdade, a representação e a brincadeira.

Siqueira e sua equipe se entrosam de tal forma com Seu Pedro e a família que parece nem haver uma câmera ao redor deles enquanto se despedem de João Batista com cantos, rezas e velas. "Terra Deu, Terra Come" funciona tão bem que nos faz esquecer que é um filme, parece mesmo apenas a realidade pura.

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A bonita fotografia de Pierre de Kerchove capta as imagens das pessoas e da paisagem local dando a ambos a mesma dimensão. Já a edição, assinada pelo diretor, é meticulosa ao adicionar camadas e mais camadas que revelam um mundo distante, mas, ao mesmo tempo vibrante, pulsando vida, humor e uma certa ingenuidade que ainda não foi contaminada pelo cinismo contemporâneo.

Nesse ambiente, às vezes, disputas se resolvem com tiros. Corpos são reclamados pelo diabo por conta de contratos e as pessoas dizem "nonada" (exatamente a primeira palavra de "Grande Sertão: Veredas"). Por isso, entre outras coisas, é que "Terra Deu, Terra Come" é uma viagem, convidando a um mergulho nesse universo tão peculiar que é desvendado pela câmera e iluminado pelas pessoas e suas histórias.

"SEU PEDRO"

É Seu Pedro quem domina o filme. Sua presença é magnética, ele atrai a câmera e as atenções com sua fala que nunca para, sempre repleta de boas histórias. Ele é uma das últimas pessoas a conhecer os vissungos - cantos num antigo dialeto, o banguela, usado nos cantos de trabalho nas minas de ouro e diamantes e nos rituais fúnebres.

A certa altura, Seu Pedro surge com uma máscara de papelão e incorpora um outro personagem. Quem é essa figura e o que ela representa é algo que vai sendo descoberto. Aliás, "Terra Deu, Terra Come" é um filme repleto de surpresas. Se fosse uma ficção, diríamos que tem uma reviravolta final que muda tudo aquilo que se viu até então. Por isso, revisões do filme só terão a acrescentar aos espectadores.

A premiação do filme no É Tudo Verdade foi a consagração de um tipo de documentário ousado, que não quer apenas informar, mas questionar, ultrapassar os limites da linguagem cinematográfica - como tem feito o diretor Eduardo Coutinho. "Terra Deu, Terra Come" é uma espécie de primo de filmes como "Jogo de Cena", de Coutinho, capaz de fazer o público reavaliar o poder do cinema e a arte da manipulação.

A intersecção entre o mundo radiografado por Siqueira e o sertão de Guimarães Rosa rompe fronteiras e dá a "Terra Deu, Terra Come" um apelo universal, exatamente por falar do ser humano. Um assunto que nunca deixa de ser interessante, especialmente quando é tratado com tanta sensibilidade e sagacidade como neste documentário.

(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)

* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb