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Em "Transeunte", Eryk Rocha experimenta linguagem

11/08/2011 13h22

SÃO PAULO (Reuters) - Enquanto muitos filmes obrigam você a olhar a tela e sujam com imagens e elementos desnecessários, Eryk Rocha pede que você ouça com atenção.

Em sua primeira ficção, "Transeunte", o cineasta faz de um delicado trabalho de som, combinado com a atuação contida do protagonista, Fernando Bezerra, e o despojamento narrativo, um filme que merece ser descoberto.
 
Expedito (Bezerra) é uma figura solitária cuja vida grita silenciosamente no desespero de não ser vivida em vão. Ele acaba de se aposentar e perdeu a mãe, com quem sempre viveu. Solteiro e sem filhos, é na sobrinha (Bia Morelli), que o visita no aniversário, que ele tem o único vínculo com outra pessoa. Aqueles que cruzam seu caminho são apenas isso: desconhecidos.
 
A jornada de Expedito no filme, roteirizado por Eryk e Manuela Dias, é um périplo que se fecha onde começou. Às vezes, o que importa não é onde se chega, mas a jornada em si. E esse é o caso de "Transeunte", no qual o protagonista muda um pouco a cada novo contato aleatório em seu caminho: uma mãe que leva o filho para comer num bar ou uma pessoa que canta numa roda de samba.
 
De todos eles, um parece ressoar mais forte no personagem: um casal que discute por conta da mãe do rapaz, e a briga termina com ela dizendo "você deveria ter se casado com sua mãe".

Trailer de "Transeunte"

A câmera de Eryk capta com sensibilidade essa vida tão interiorizada para a qual qualquer contato com o mundo exterior pode significar uma ruptura. São descobertas - muitas delas tardias - que representam para o personagem as possibilidades daquilo que ainda está por vir.
 
Não há uma sensação de desperdício, nem da busca do tempo perdido. O que Expedito transmite é a urgência - mas, de certa forma, nada muito apressado - de viver o seu tempo. Aos poucos, o personagem parece se encontrar no mundo, criando uma nova rotina, estabelecendo seu novo caminho - sem a mãe e sem seu emprego.
 
A fotografia, assinada por Miguel Vassy, é em preto e branco, o que transforma a história de Expedito em atemporal. O centro do Rio de Janeiro e seus transeuntes - dentre os quais o personagem é mais um - é um personagem central.
 
Mas o longa passa longe do Rio cartão postal. O Rio que aqui vemos é aquele quase esquecido. Um lugar é especial para o filme, um bar próximo à Praça Tiradentes.
 
Já o desenho de som, de Edson Secco, é uma força invisível e, ainda assim, muito presente no filme. Tal qual o espanhol "Na cidade de Silvia", o som representa mais do que o ruído, é a materialização dos pensamentos, desejos e anseios. É a forma de expressão mais pungente dos personagens centrais ou meros transeuntes, cujo ruído dos passos é a marca mais forte que fica. Assim, "Transeunte" é um filme que se vale do som para lidar com as possibilidades da linguagem cinematográfica.
 
O longa recebeu três troféus no Festival de Brasília do ano passado: prêmio da crítica, ator e som. (Alysson Oliveira, do Cineweb)
 
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb