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Campeão de indicações ao Oscar, "Lincoln" traça retrato ambíguo e realista do político

24.jan.2013 - Cena do longa "Lincoln", de Steven Spielberg, com Daniel Day-Lewis e Sally Field. - Divulgação / Fox
24.jan.2013 - Cena do longa "Lincoln", de Steven Spielberg, com Daniel Day-Lewis e Sally Field. Imagem: Divulgação / Fox

Neusa Barbosa

Do Cineweb*

24/01/2013 13h44Atualizada em 25/01/2013 00h10

Algumas perguntas surgem antes mesmo que as primeiras imagens de "Lincoln" apareçam na tela. Que outro diretor mais adequado poderia comandar a cinebiografia definitiva de um dos maiores presidentes norte-americanos no lugar do consagrado e grandiloquente Steven Spielberg? Que outro ator mais perfeccionista do que o britânico Daniel Day-Lewis para encarnar o personagem de Abraham Lincoln?

O público também pode compartilhar a expectativa de que o longa sairá da cerimônia de premiação do Oscar 2013, a ser realizada no dia 24 de fevereiro, como grande vencedor nas 12 categorias que disputa (saiba mais aqui).

Mas após essas impressões iniciais, a narrativa de "Lincoln" toma alguns caminhos imprevistos. Se o objetivo era o de montar uma cinebiografia enraizada no culto ao mítico presidente ligado à libertação dos escravos nos EUA, não falta à história um pragmatismo "cínico".  Este requisito é algo incomum quando Spielberg adentra um território sagrado da nacionalidade norte-americana.

"Lincoln" é pensado para o público interno e que as plateias internacionais, naturalmente pouco familiarizadas com as minúcias da história norte-americana, terão dificuldades em situar episódios e personagens nos devidos lugares. Pensando nisso, e também nos desatentos às aulas na escola, Spielberg distribui letreiros para identificar algumas figuras-chave.

O roteiro de Tony Kushner -- responsável pela minissérie"Angels in America" e o filme "Munique" -- é baseado parcialmente em livro da historiadora Doris Kearns Goodwin. Kushnet procurou focar no dramático ano de 1865, quando o exaurimento do sul dos EUA prenunciava o fim da Guerra de Secessão.

Ao mesmo tempo, uma "luta" não menos selvagem começava dentro do Congresso dos EUA pela aprovação da 13ª emenda, uma legislação que definiria a libertação dos escravos. O assunto também era um dos temas por trás da guerra, já que a economia sulista baseava-se na agricultura dependente de mão-de-obra não livre.

VEJA TRAILER LEGENDADO DE "LINCOLN", DE STEVEN SPIELBERG

Reeleito para um segundo mandato, o republicano Abraham Lincoln (Daniel Day-Lewis) luta nos dois fronts: quer terminar a guerra, que tantas vidas já custou, e eliminar a escravidão. A interpretação que o ator inglês faz do presidente norte-americano, aproximando-o do público com um retrato autêntico, começa pela impressionante semelhança física na caracterização.

Uma esperteza do roteiro é misturar as complicações da luta pela aprovação da emenda no Congresso com cenas em que se pode observar o homem Lincoln em ação -- uma figura distinta àquela do presidente.

Homem rude e de origem pobre e, ao mesmo tempo, um advogado interiorano e um astuto animal político com capacidade quase infinita para ouvir, o Lincoln de "carne e osso" emerge das conversas que mantém com soldados durante visitas regulares ao front. O personagem também lida com as pessoas comuns que diariamente fazem fila nos corredores da Casa Branca.

Em busca de soluções para problemas corriqueiros, os cidadãos são brindados com um contato direto com o presidente que, em troca, consulta-os sobre os assuntos espinhosos da nação que tiram o sono à noite.

VEJA CENAS DO FILME ESTRELADO POR DANIEL DAY-LEWIS

A primeira-dama, Mary (Sally Field), é uma figura ambígua. Se por um lado é mulher doentia e nervosa, que desafia a tendência do marido ao isolamento doméstico, por outro funciona também como seus olhos e ouvidos na batalha que se trava no Congresso.

Neste ambiente, o filme expõe sua tese mais delicada ao retratar como o presidente não hesitou em colocar secretamente três intermediários (James Spader, Tim Blake Nelson e John Hawkes) na cola dos parlamentares democratas que não haviam sido reeleitos. O objetivo era oferecer empregos em troca de votos favoráveis à emenda, já que os políticos estavam com mandatos quase expirados.

A ética é tortuosa neste jogo, mas indispensável à aprovação apertada da emenda. Lincoln jogou tudo e venceu, ainda que não vivesse mais do que alguns meses para desfrutar de sua vitória e seu legado: a reconstruir a nação, como pretendia.

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb