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Preterido pelo Oscar, "O Mestre" faz análise cínica sobre culto religioso e os EUA

24.jan.2013 - Cena de "O Mestre", filme estrelado por Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman. - Divulgação / Paris Filmes
24.jan.2013 - Cena de "O Mestre", filme estrelado por Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman. Imagem: Divulgação / Paris Filmes

Alysson Oliveira

Do Cineweb*

24/01/2013 15h50Atualizada em 25/01/2013 00h38

"O Mestre", título do novo trabalho do cineasta norte-americano Paul Thomas Anderson, é interpretado com som e fúria por Philip Seymour Hoffman. Parte guru religioso, parte homem de negócios, ele é a mente brilhante por trás de uma seita transcendental que, por meio de hipnose, incentiva seus seguidores a reencontrar traumas e fatos do passado -- e até de vidas pregressas.

O personagem se chama Lancaster Dodd e, logo no começo do filme, encontra em Freddie Quell (Joaquin Phoenix) o seguidor perfeito, disposto não apenas a aceitar suas ideias, como colocá-las em prática e servir como uma espécie de leão de chácara. Veterano da Segunda Guerra Mundial, o rapaz é a mente perturbada que vem à procura do mestre em busca de alívio.

Escrito e dirigido por Paul Thomas Anderson, um dos poucos cineastas em seu país que realmente merece o status de autor, "O Mestre" é um filme que gera ansiedade: seria o diretor capaz de se superar depois do magnífico "Sangue Negro" (2007)?

Com o trabalho, que estreou no Festival de Veneza 2012 -- evento que concedeu prêmios para o diretor e os atores Seymour Hoffman e Phoenix --, não resta dúvida sobre a capacidade do cineasta.

Enredo
Trata-se de uma história inspirada em L. Ron Hubbard, criador da Cientologia (uma espécie de culto que atrai famosos de Hollywood, entre eles Tom Cruise e John Travolta).

Mas este é apenas o ponto de partida para uma narrativa que pode parecer um melodrama dos anos de 1950 -- época em que o filme se passa -- como os de Max Ophuls e Douglas Sirk, mas se transforma em uma trama sobre a essência humana com tom bem mais sombrio do que uma história de amor mal resolvida.

Depois de voltar para casa, Freddie fica perdido na vida. As primeiras cenas dão conta de sua incapacidade de se readaptar, ter um emprego ou criar vínculos. Seu consolo é o álcool, nem que seja uma bebida que ele mesmo produz e que o leva a se apegar ao mestre e sua esposa Peggy (Amy Adams).

A relação transita entre um arquétipo de pai e filho, mas também há uma competição entre os personagens. A disputa pode ser elevada à própria presença dos dois atores, cada um lutando para se tornar o centro das cenas, tamanha a voltagem das interpretações. Dodd, sua seita e seus métodos tornam-se o alívio que Freddie procura para o inferno pessoal.

VEJA TRAILER LEGENDADO DE "O MESTRE", DE PAUL THOMAS ANDERSON

O terceiro vértice do triângulo é a esposa de Dodd, que como tantas outras esposas da filmografia de Anderson é a mulher forte por trás do grande homem.

Peggy lembra a personagem de Julianne Moore em "Boogie Nights", estrela dos filmes pornográficos de seu marido. Em "O Mestre", a personagem de Amy Adams, quando não está grávida, segura um bebê no colo. Tal qual Lady Macbeth, é doce e gentil ao mesmo tempo que capaz de destruir vidas e incitar o marido a fazer maldades, sem que ela suje suas mãos.

São raros os filmes contemporâneos capazes de olhar a sociedade norte-americana com tanta lucidez. Os dois últimos filmes de Anderson são de época. "Sangue Negro" se passa na virada do século 19 para o 20, mas mostra os Estados Unidos do presente.

No filme anterior, a ascensão econômica era a causa do declínio moral e ético. Já em "O Mestre" desintegra o mito da reinvenção da identidade, do recomeço. A terra das oportunidades e da fartura se abre apenas àqueles dispostos a se encaixar nas regras do seu jogo. É, mais uma vez, o sonho americano destroçado. Nem a religião consegue reverter o quadro. Pode fazê-lo por algum tempo, mas nada é eterno.

A trama passa por Nova York, Filadélfia e Inglaterra, mas nunca abandona a sua alma: o mar do Pacífico onde encontramos Freddie pela primeira vez.

O cinismo típico dos filmes de Anderson vem a calhar aqui. Há um humor negro, uma atmosfera de estranhamento ampliada pela trilha sonora excepcional de Jonny Greenwood (do Radiohead), que também assinou a música de "Sangue Negro".

Poucos filmes norte-americanos recentes são tão poderosos como "O Mestre", o que torna difícil aceitar que ele esteja fora da competição ao Oscar nas categorias principais (como melhor filme, diretor, roteiro e trilha); concorrendo apenas nas de ator (Phoenix) e coadjuvantes (Seymour Hoffman e Amy Adams).

*As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb