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65o. Festival de Veneza - 2008

03/09/2007 - 19h42
Diretor tunisiano mostra neo-realismo árabe em Veneza
Da Ansa, em Veneza

Efe

O diretor Abdelladif Kechiche em Veneza

O diretor Abdelladif Kechiche em Veneza

O neo-realismo, para Abdelladif Kechiche, é um prato de cuscuz preparado em família, enquanto se fala bem e mal dos outros, ri-se, briga-se, discute-se e chora-se. "Le Graine e le Mulet", que o diretor tunisiano levou à competição em Veneza, já com a promessa do Leão de Ouro, muito aplaudido hoje pela imprensa, abre a porta da casa de uma família de origem árabe que vive na França e aponta o foco sobre os imigrantes para descrever seus ritos sem clichês, como aquele do cuscuz, que dá título ao filme.

A família de Slimane, operário nos canteiros navais de Sete, vizinho a Marselha, é numerosa, rumorosa, mas não desiste de demonstrar afeto pelo pai nem mesmo quando ele vai embora de casa depois do divórcio. Os filhos, e também a esposa, estarão presentes e apoiarão seu projeto de abrir um restaurante em um barco abandonado.

No filme são os atores, todos amadores, que garantem a verossimilhança ao retrato neo-realista dos imigrantes franco-árabes, já de segunda e terceira geração, mas com a mesma nostalgia, apego às tradições e timidez de quem chega em um país estrangeiro e procura adaptar-se com os meios que têm à disposição. E a família, para quem deixou sua terra, é o núcleo em torno do qual tudo gira.

"Queria que durante o trabalho os atores se sentissem como uma verdadeira família", declarou Kechiche, que fez longos ensaios com os atores, encorajando-os a dar sugestões aos diálogos para torná-los mais pessoais. Com grande experiência como diretor teatral, o autor tunisiano procurou contar a história de uma família com a qual sentia afinidade -- o próprio pai do diretor, a quem é dedicado o filme, era um imigrante -- colocando-a em cena "sem clichês, fazendo emergir a vida real apesar do artifício do cinema".

Por isso Kechiche se detém sobre a cena do almoço de família, onde o cuscuz é protagonista junto com as histórias de todos os presentes à mesa, uma longa refeição onde as vozes não se sobrepõem nunca, porque cada um tem respeito pela palavra do outro e as hierarquias são muito rígidas, como em qualquer família árabe que não tenha abdicado de suas tradições.

O neo-realismo está não só nos atores amadores e nos diálogos em parte improvisados, mas também nas citações explícitas, como na cena da moto roubada do protagonista, eco da bicicleta do diretor Vittorio de Sica (no filme "Ladrão de Bicicleta", 1948).

Já em Veneza em 2000, com um filme sobre a dificuldade de integração dos imigrantes tunisianos em Paris, "A Culpa de Voltaire", Kechiche não insiste sobre os efeitos dramáticos de temas como o trabalho precário, as invejas no mesmo grupo social ou as dificuldades de convivência de diversas origens, mas se concede também momentos de divertimento escondidos no cotidiano: "A vida está ali, eu só procurei colhê-la."


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