Maternidade com filtro

Famosas exibem a gravidez, seus bebês e criam um jogo de expectativa x realidade do que é ser mãe

Thais Carvalho Diniz Do UOL

O reality show da maternidade nas redes sociais

28 de julho de 1998. Um bloco inteiro do "Jornal Nacional" era dedicado ao nascimento de Sasha, a filha de Xuxa. Os nove minutos da reportagem narravam toda a jornada gestacional da "rainha dos baixinhos": do anúncio da gravidez, feito ao vivo no "Domingão do Faustão", às cenas do primeiro banho da recém-nascida. Nunca uma celebridade havia exposto detalhes tão íntimos da maternidade.

Quase 20 anos separam o nascimento de Sasha ao de Teodoro, o filho que Thais Fersoza espera para este mês. Comparada aos holofotes em torno do barrigão da atriz da Record, a chegada de Sasha foi quase uma notinha de rodapé. Uma busca no Google pelas palavras "Thais Fersoza filho" entrega mais de 365 mil resultados. A maioria são notícias reproduzindo as postagens da mamãe sobre a gravidez em sua conta no Instagram.

Das escolhas do enxoval à amamentação, da montanha-russa hormonal à luta para resgatar a silhueta após o parto, cada etapa da maternidade é compartilhada nas redes por Thais, Deborah Secco, e outras mães famosas (algumas nem tanto assim). Com o filtro perfeito e uma legenda emotiva na foto, elas inspiram, ganham milhares de likes, trocam experiências com as seguidoras e se consolidam como "mães influenciadoras".

Para as anônimas que as acompanham, o que elas aconselham, (dizem que) fazem e consomem ganham a mesma atenção que a opinião de um obstetra ou pediatra. Como a musa fitness e a blogueira de moda, a "it-mãe" é uma figura feminina controversa da internet.

Monólogos das mães-youtubers têm dicas, desabafos e merchans

Nasce um post, nasce uma mãe-influenciadora

A atriz Fernanda Machado não protagonizava um filme ou uma novela do horário nobre em janeiro de 2015, quando sua conta pessoal no Instagram bombou com likes e novos seguidores. Tudo por causa de um único post, no qual comemorava sua primeira gravidez, após vencer a endometriose - distúrbio ginecológico que a impediu de engravidar por três anos. Nascia ali uma mãe-influenciadora.

Nas mensagens seguintes e em um canal no YouTube, Fernanda passou a compartilhar com as seguidoras as alegrias e angústias como mãe de Lucca, hoje com 2 anos. Da decisão de não olhar mais a balança depois dos 20 quilos ganhos ao dilema de encapsular ou não a placenta - conselho dado pelas "amigas do grupo de ioga pré-natal". #ficadica

Meu desabafo sobre a endometriose trouxe esperança a muitas mulheres como eu, que tinham dificuldade para engravidar. Criei um círculo digital de mães que se ajudam, sem julgamentos"

Enquanto Fernanda se orgulha por ter inspirado outras @mães, a apresentadora Eliana garante ter recebido delas força para atravessar um momento crítico. Grávida de Manuela, atualmente no sétimo mês, a apresentadora revelou no Instagram, em maio, que se afastaria da TV para uma "internação de emergência". Ela havia sofrido um sangramento causado por um descolamento de placenta - problema que pode levar ao parto prematuro - e, desde então, segue em repouso absoluto.

 "Preciso salvar a minha filha", dizia Eliana no post que comoveu o país e jogou luz sobre um problema gestacional pouco falado. A foto ultrapassou 700 mil curtidas e 46 mil comentários. 

"As seguidoras me deram esperança e coragem", diz Eliana

Em depoimento exclusivo ao UOL, apresentadora fala sobre a rede de apoio que se formou durante sua gestação

"Não tive tempo de me programar, me despedir, fazer como normalmente a gente faz numa licença-maternidade. A única maneira que eu tinha de me comunicar com as pessoas que me acompanham na TV, era através das redes sociais. Meu post gerou uma comoção, uma onda de afeto, um acolhimento muito maior do que eu imaginava. Principalmente pelo carinho que recebi de outras mulheres. Minhas seguidoras me deram esperança e me encorajaram.

Fui acolhida por uma corrente de boas energias e de histórias, que às vezes tinham finais felizes, às vezes não, mas que me confortavam e nos uniam de alguma maneira. Eu me senti muito próxima das mulheres do Brasil, de Portugal, da África. Aquelas manifestações vindas de tantos lugares me traziam muita força. Se algum dia eu inspirei as mulheres pela minha história, dessa vez elas que me inspiraram e me ajudaram.

É muito difícil ficar no hospital. Nesse segundo mês de repouso estou um pouco mais tranquila e em paz. Sigo me cuidando muito, dedicando as 24 horas do meu dia, da minha vida para outra vida. É uma doação, uma entrega, que eu nunca tinha vivido. Expectativa e ansiedade tomam conta de mim neste momento.

Recebo diariamente uma onda de amor e carinho pelas redes sociais. Vou sair dessa situação mais forte e com muito mais histórias pra contar. Principalmente para a Manuela, quando ela chegar"

Mãe-influenciadora sofre julgamento e ataque hater

Nem só de demonstrações de apoio vivem as mães-influenciadoras. Se uma grávida comum não está livre dos palpiteiros inconvenientes, imagine uma celebridade? Ao tornarem públicas suas decisões sobre a gestação, a amamentação e o jeito de cuidar das crias, elas entram na mira de haters que criticam, julgam e ofendem.

Ao engravidar de Victoria, 2, a musa fitness Bella Falconi seguiu mostrando sua rotina disciplinada de treinos no Instagram. Não foi poupada pelo tribunal da internet. Seguidores indignados a acusavam de colocar a vida da filha em risco ao praticar musculação. "Tive o cuidado de explicar que tudo era feito com autorização médica e, mesmo assim, recebi vários comentários negativos", recorda Bella.

Com Fernanda Machado, o julgamento teve um tom ainda mais grave. Ao postar um vídeo no qual Lucca, na época com 1 ano e 6 seis meses, aparecia sozinho no berço, de pé e sonolento, foi chamada de "torturadora". "Acredito que dormir cedo, no quartinho dele, no silêncio e no escuro, são hábitos saudáveis de sono, e não tortura e nem falta de amor", explicou a atriz aos detratores virtuais. "As pessoas acusam as mães com uma facilidade assustadora! Acho isso inaceitável".

Expectativa x realidade: os efeitos da maternidade idealizada

Se por um lado as mães-influenciadoras são alvo de admiração, mas também de julgamentos, as mães anônimas nutrem sentimentos ambíguos em relação às celebridades e seus pimpolhos na rede.

A psicanalista Marcia Neder, autora do livro "Os Filhos da Mãe - Como Viver a Maternidade Sem Culpa e Sem o Mito da Perfeição", explica que as redes sociais podem proteger as mulheres da solidão que as acompanha nos primeiros meses da maternidade.

Por mais que se tenha ajuda, boa parte do puerpério é uma experiência solitária com o bebê. As redes sociais fazem com que as mães se sintam novamente parte de algo"

Se por um lado a conectividade proporciona troca, por outro, esse novo nicho de exposição das celebridades pode ser também um tormento. As mães que formam a massa da "vida como ela é" se deparam com as mães-maravilha da internet e viram alvo fácil de frustração, principalmente nos primeiros meses do bebê.

Afinal, que mulher em pleno puerpério se sente bem ao ver passando pela sua timeline aquela ex-bbb, que também acabou de parir, linda e com a barriga chapada na selfie em frente ao espelho?

"Mulher no pós-parto fica suscetível. Ela está se adaptando a um novo corpo, a novas relações, rotina... Se existe uma glamorização e você compara a sua vida à da top model que está magérrima após ter um bebê, vira mais uma sobrecarga", defende Anna Mehoudar, psicanalista do Grupo de Apoio à Maternidade e Paternidade (Gamp21), que já atendeu mais de 4 mil mulheres no pós-parto.

Thais Fersoza tem um canal sobre maternidade no YouTube e diz que "se sente responsável" por tudo o que posta. "Dei muita sorte, tive duas gestações tranquilas. Mas o que é perrengue também mostro. É legal as pessoas verem que nós também passamos por situações difíceis", explica a atriz, embora costume aparecer nas fotos impecavelmente maquiada e com vestidos justinhos, em plena reta final da gravidez.

Os likes que separam uma mãe famosa de uma mãe anônima

It-mães ganham de R$ 5 mil a R$ 50 mil por publiposts

Ao anunciar que esperava Melinda, com quase 1 ano, Thais Fersoza postou em sua conta no Instagram uma foto sorridente, segurando o teste de gravidez que indicava o resultado positivo. Para muitos seguidores, não passou incógnita a palavra "publi", ao lado de uma hashtag.

"A crise está feia hein?", comentou um seguidor. "O 'publi' é para ajudar no enxoval. Está caro ter filho, gente...", debochou outro. Isso porque a atriz teve o cuidado de informar aos seguidores que, ali, o casal não compartilhava apenas a alegria de ter um filho, mas também fazia comercial de uma marca de teste de farmácia.

O valor desses publiposts varia de R$ 5 mil a R$ 50 mil, segundo empresas de mídia especializada na ativação de marcas através das redes sociais de influenciadores ouvidas pelo UOL. O grau de fama da mamãe é quem determina essas cifras. Ou seja - quanto mais seguidores, maior o cachê.

"As marcas estão atentas, querem se associar aos valores da maternidade", explica Rafael Coca, diretor da agência Spark. O publicitário cita como exemplos ações que fez com mães-influenciadoras no Instagram, que vão de marcas de filtro solar infantil a campanhas de bancos.

Quando elas posam com os filhos recebem mais curtidas

Fonte: Agência Spark

Será que vale a pena ser uma webmãe?

Ike Cruz é empresário de estrelas como Juliana Paes, Rodrigo Santoro, Sheron Menezes e trabalha no ramo artístico há quase 30 anos. Ele reconhece como fenômeno recente o fato de as famosas, antes reservadas em relação aos filhos, estarem expondo a maternidade na internet.

"O Instagram permite ao artista mostrar sua vida como quer. Ali, eles têm o controle do tipo de legenda, do filtro ideal para a imagem e até que ponto abrir a intimidade", explica Cruz. "Preferem postar eles próprios seu dia a dia com os filhos a sair em uma revista com a fala descontextualizada ou numa foto feia".

Piny Montoro cuida da carreira de Carolina Ferraz, Luana Piovanni e Giovanna Ewbank - uma das mães mais prestigiadas do Instagram, desde a adoção de Chisommo, a Títi, garotinha de 4 anos nascida no Malawi. A empresária diz que se tornar uma "webmãe" têm seu lado negativo e positivo.

"Quem mostra demais não pode reclamar que uma foto ou vídeo da criança vire reportagem em portal de celebridade. Por outro lado, quando alguma atriz me pede para fechar uma campanha de Dia das Mães, por exemplo, mas não é ativa no Instagram, precisa entender que as marcas vão preferir aquelas já criaram esse vínculo com o público", explica Piny.

Ser uma mãe-influenciadora é padecer no paraíso das redes sociais.

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