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Sem uma única ideia nova, novo Piratas do Caribe sofre para não naufragar

Roberto Sadovski

25/05/2017 01h15

Estava quente no verão de Nova York em 2003 quando entrei num cinema da rua 42 para assistir a Piratas do Caribe – A Maldição do Pérola Negra. Com pouca fé, claro, já que entrei na onda do "jamais um filme baseado numa atração da Disneylândia vai funcionar". Pouco mais de duas horas depois, meu orgulho descia suave, junto com a impressão de que o projeto mirava no bolso do público e no desespero para transformar qualquer propriedade intelectual em filme. Gore Verbinski criou uma aventura épica, empolgante, de roteiro ligeiro e um elenco tão azeitado que parecia estar fazendo aquilo há décadas. À frente de todos, Johnny Depp, em atuação inspirada, criando o que é seguramente um dos grandes personagens cinematográficos de todos os tempos. Piratas faturou uma nota (quase 700 milhões de dólares) e, claro, virou série. Verbinski fez mais dois filmes, bilionários, belíssimos e por vezes cedendo sobre seu próprio peso. O quarto, já em 2011, bateu no bilhão nas bilheterias mas parecia cansado, com clímax pobre e Depp num piloto automático irritante.

Nenhum estúdio, claro, vai virar as costas para um produto tão lucrativo, e este quinto filme, A Vingança de Salazar, foi para as mãos dos diretores independentes Joachim Rønning e Espen Sandberg, na esperança de injetar novo fôlego e manter o barco flutuando. Foi um tiro n'água. Embora a nova aventura seja uma evolução em relação a seu antecessor, não há mais o menor traço de inventividade ou paixão. Piratas do Caribe finalmente se tornou o que o primeiro evitou com tanta elegância: um produto corporativo, um pedaço da máquina desenhado para manter a registradora funcionando, mas sem o menor resquício do que fez da série tão especial em primeiro lugar. Depp, claro, ainda dá seu melhor como o pirata Jack Sparrow, mas os poucos momentos de brilho do filme logo afundam ante o roteiro derivativo e preguiçoso, que mal disfarça sua vontade imensa de copiar os elementos que funcionaram no filme original – mas sem nunca compreender o motivo de eles se encaixarem em primeiro lugar.

Javier Barden surge assustador como o Capitão Salazar

O gatilho para A Vingança de Salazar é Henry Turner (Brenton Thwaites, ou "mocinho genérico da vez"). Como o sobrenome já entrega, assim como a cena que abre o filme, ele é filho de Will Turner, o pirata bacana interpretado por Orlando Bloom nos primeiros filmes, condenado a comandar o navio amaldiçoado Holandês Voador ao film de Piratas do Caribe – No Fim do Mundo, de 2007. A cronologia da série fica um pouco confusa, já que Henry parece ter mais de 20 anos, o que colocaria Sparrow com mais de 50… Enfim, detalhes que a gente deixa escapar. Sua missão em vida é quebrar a maldição que aprisiona seu pai, e para isso o jovem passa a vida em busca do Tridente de Poseidon, artefato místico capaz de…. bom, vai saber, mas ele o quer. Na salada, entra Carina Smyth (Kaya Scodelario, ou "donzela destemida da vez"), órfã e cientista, confundida por isso com uma bruxa; o veterano Capitão Barbossa (Geoffrey Rush, com uma peruca que parece ter afanado de Jonathan Pryce lá no primeiro filme); e o proverbial Salazar (Javier Barden, com maquiagem digital tão impressionante quanto a de Bill Nighy em outros filmes da série), matador de piratas condenado com sua tripulação à escuridão de uma caverna (e à sua própria maldição) por um jovem Jack Sparrow.

Ah, e o próprio Jack, dado como morto no início do filme, surge como o malandro de sempre, um Han Solo movido à rum que ainda comanda uma tripulação de perdedores – afinal, só piratas de quinta categoria ainda o seguiriam a essa altura. Por coincidências irritantes que só o roteiro explica (ou nem ele), Jack, Henry e Carina terminam em busca do tal tridente, por motivos diferentes, e o objeto também entra na mira de Salazar (ele quer vingança!) e Barbossa (ele quer salvar a própria pele!). Como uma partida de xadrez jogada por duas crianças de cinco anos, os personagens ocupam posições diferentes no tabuleiro, afastando-se e se aproximando uns dos outros, até o final apoteótico. Nessa altura, quem ainda não pegou no sono já percebeu que o estúdio a) tenta desesperadamente forçar uma química entre os genéricos, e b) amarra a história em Jack Sparrow, mesmo quando ele comprovadamente funciona melhor como elemento anárquico do que como foco narrativo. Fica a lição: Star Wars NUNCA foi sobre Han Solo!

Carina (Kaya Scodelario) e Henry (Brenton Thwaites): encontro de genéricos

É provável que Piratas do Caribe – A Vingança de Salazar faça tanto dinheiro que justifique um inevitável sexto filme. Mas seria uma boa o produtor Jerry Bruckheimer parar de pensar em um produto genérico para cumprir tabela e colocar a continuação nas mãos de alguém como Verbinski: talentoso e apaixonado, um contador de histórias de apuro visual inegável mas também capaz de encontrar seu centro emocional e construir uma narrativa em torno dele. Rønning e Sandberg fazem o trabalho braçal e tecnicamente são extremamente competentes. Mas, como realizadores, são vazios de ideias, o que complica quando tem em mãos um produto inteiramente movido pela imaginação como Piratas do Caribe. Um personagem tão bacana e tão único como Jack Sparrow, que ainda tem um intérprete com tanto fôlego como Johnny Depp, merece uma jornada mais caprichada.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.