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Marvel “ganha” a Comic-Con, DC não faz feio... e os fãs continuam a encarar cinema pop como uma guerra

Roberto Sadovski

23/07/2017 07h24

Cinema é arte. Mas quando a coisa chega no nível dos filmes de 150, 200 milhões de dólares, é descaradamente business. A equação é simples: você tem um produto, você precisa vender este produto. A San Diego Comic-Con, maior e mais legal encontro de cultura pop do mundo, tornou-se na última década uma das vitrines mais amplas para os estúdios exibirem seu line up, colocar astros e realizadores sob os holofotes e ganhar a boa graça da plateia – efeito dominó que estende uma boa reação na apresentação de um filme no palco do evento pelas redes sociais e, claro, pelo mundo. É inevitável, portanto, o caráter de competição que a Comic-Con não só abraça, mas também incentiva. Dizer que filme ou série "ganhou" o evento é tradição, e os fãs terminam se organizando em lados opostos.

Principalmente se eles são da Marvel ou da DC.

Vamos, então, aos fatos. O sábado é geralmente o dia mais intenso da maratona da Comic-Con – que começa na noite de quarta, entende-se até o domingo e envolve basicamente toda a cidade de San Diego. Ontem, as apresentações no palco de maior audiência no evento, o Hall H (que abriga cerca de 7 mil fãs e tinha uma fila em que nerds e geeks acotovelaram-se por até 30 horas para garantir um lugar), tiveram Steven Spielberg levando o primeiro trailer de seu já incrível Jogador Número 1, abrigou o elenco da série Stranger Things, que chega em sua segunda temporada em outubro, e trouxe Harrison Ford e Ryan Gosling falando sobre Blade Runner 2049. Mas as atenções estavam mesmo voltadas para as novidades da DC e da Marvel, editoras/estúdios que dominam o mercado de filmes de super-heróis – para o bem ou para o mal, a razão de a Comic-Con existir em primeiro lugar.

A DC apresentou uma lista de lançamentos, mostrou uma prévia de Aquaman e revelou o novo trailer de Liga da Justiça. A Marvel trouxe um pacote com Homem-Formiga e a Vespa, Thor: Ragnarok, Pantera Negra e Vingadores: Guerra Infinita, emoldurou tudo em um festival de anúncios, revelações e catarse coletiva. A Marvel, mais uma vez, "ganhou" o páreo. Mas as coisas não são tão simples assim. Levar qualquer apresentação a qualquer evento – seja um show de rock, seja um festival de cultura pop – requer planejamento, paixão e um faro apurado para a) vender o seu peixe e b) entender o que seu público quer. Desde que Homem de Ferro alçou voo pela primeiríssima vez numa Comic-Con em San Diego (em 2007, eu estava lá), a Marvel entendeu a importância não só de preparar um show, mas também de fazer com que a espera, o stress e a empolgação sejam convertidos em antecipação e, depois, números nas bilheterias. A DC ainda não entendeu essa parte do jogo.

Um olhar nos bastidores ajuda a entender melhor essa diferença entre os dois gigantes dos quadrinhos.A DC tem a seu favor o peso de personagens icônicos, com o Superman e o Batman seguramente sendo os super-heróis mais conhecidos em todo o planeta. Ainda assim, a criação de um universo coeso esbarrou, desde O Homem de Aço, de 2013, em uma falta de liderança para todo o projeto e em filmes que pareciam surgir sem paixão ou planejamento. Batman vs Superman e Esquadrão Suicida, apesar de sucessos comerciais, sofreram pela falta de personalidade. A cada nova Comic-Con, o painel da DC traz poucas novidades e muitas promessas. Este ano não foi diferente. Eles desfilaram uma lista de filmes futuros mas com zero anúncios concretos de elenco ou equipes criativas. Mostraram um pouco de Aquaman, que já chega aos cinemas ano que vem. Trouxeram a promessa de um tom mais otimista e leve com o novo trailer de Liga da Justiça (que já estreia em novembro), colocaram o elenco no palco…. e mais nada. A chance de acender alguma fagulha de empolgação na plateia foi perdida, deixando tudo no campo da especulação.

Os criadores por parte da Marvel, por outro lado, estão em constante contato em suas redes sociais, uma rede de apoio e empolgação pública, com cada etapa da confecção de cada fime compartilhada em um misto de camaradagem e bom humor. Quando todos se reúnem em eventos como a Comic-Con, a paixão torna-se ainda mais explícita: é impossível não acreditar que aquela turma também não se divirta ao criar um universo cinematográfico compartilhado. E mais: existe um claro planejamento por parte da Marvel, com as revelações seguindo um ritmo e um padrão que deixa os fãs sempre eufóricos. Este ano não foi diferente. Mal a apresentação do estúdio começou e eles já ampliaram o elenco de Homem-Formiga e a Vespa, com Michelle Pfeiffer (ela será Janet Van Dyne, a Vespa original) e Laurence Fishburne (o cientista Bill Foster) juntando-se a Paul Rudd, Evangeline Lilly, Michael Peña e Michael Douglas. Sem tempo para respirar, deram uma geral em Capitã Marvel, projeto de 2019, revelando que o filme se passa no começo dos anos 90, com Brie Larson e Sam Jackson enfrentando os alienígenas skrulls. E era só o aperitivo.

Thor: Ragnarok mostrou um segundo trailer mais divertido, de escala ainda maior e com uma interação mais bacana entre os personagens, em especial o trio Thor/Hulk/Loki. Pantera Negra trouxe o elenco mais sensacional já reunido para um filme da Marvel e uma cena do filme que arrancou aplausos de pé da plateia. E a Marvel encerrou sua apresentação com um teaser estendido de Vingadores: Guerra Infinita, o mesmo material que eles haviam mostrado na D23, evento similar da Disney ocorrido há algumas semanas, e o teto do Hall H quase veio abaixo. Não é que a Marvel tenha personagens melhores do que a DC. Não é que falte à DC recursos para criar um universo cinematográfico igualmente empolgante. Mas o fato é que uma empresa provou, na última década, ser mais esperta em gerenciar suas propriedades intelectuais e vendê-las ao público em filmes mais empolgantes e melhor realizados. E essa empresa, quer fãs da concorrência gostem ou não, é a Marvel.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.