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Muito barulho por nada? Personagem gay em A Bela e a Fera passa quase despercebido

Roberto Sadovski

14/03/2017 13h48

Estava eu preparando a crítica da nova versão de A Bela e a Fera quando li, aqui mesmo o UOL, que a estreia do filme foi adiada na Malásia por conta de um "momento gay" no filme. Foi a cereja no topo do bolo de muita falação sobre boicote (esse coro foi puxado até por um certo pastor brasileiro), censura, "afronta à família" e outros absurdos. Na Rússia, um deputado ultraconservador pediu que o filme tivesse censura maior. Um cinema do Alabama se recusou a colocá-lo em sua programação. Quanto exagero! Mas, vamos lá. LeFou, personagem de Josh Gad, é o braço direito do "vilão", Gaston (Luke Evans). Ele obviamente se derrete para o companheiro, compactuando com algumas de suas piores decisões para ganhar o afeto de Bela (Emma Watson). E é isso. O que a adaptação que a Disney fez para sua própria animação de 1991 traz, de maneira muito sutil, é uma atmosfera de maior diversidade. Nada, porém, que penda para o lado da militância. Cada vez que LeFou está em cena é para contribuir para risadas, e não reflexão.

Existe um temor sem o menor propósito de certos "defensores da família" que a arte, principalmente a Disney, abra mais espaço em suas obras para, simplesmente, mostrar o mundo como ele é: um caldeirão de diversidade. Para essa fatia do público, não existe pecado maior que o estúdio colocar em um de seus maiores produtos do ano um personagem gay. Acho que essa turma que gosta de barulho vai se decepcionar. LeFou não entra em cena carregando uma bandeira colorida. A bem da verdade, ele não é mais gay que dezenas de outros personagens em dezenas de outras animações que já saíram da Disney e de outros estúdios. No filme sua sexualidade é pontuada com um pouco mais de ênfase para fazer um paralelo ao machismo exagerado e caricato de Gaston.

Luke Evans is Gaston and Josh Gad is LeFou, in Disney's BEAUTY AND THE BEAST, a live-action adaptation of the studio's animated classic, directed by Bill Condon.

Gaston (Luke Evans) encara LeFou (Josh Gad) em momento de tensão…

A Bela e a Fera, portanto, não é Brokeback Mountain ou Moonlight. A sexualidade deste personagem não é importante para a narrativa. Quando muito, é gatilho para um par de piadas pueris. No fim é uma decisão acertadíssima do diretor Bill Condon: se não é importante para a história, então faz parte da moldura, do mundo de fantasia que o filme cria de forma orgânica. O mundo, afinal, é plural, rechado com pessoas de todas as raças, credos, sexos, cores, vontades e desejos. O novo A Bela e a Fera simplesmente reflete isso, sem exagerar nas tintas. "Tem dias que LeFou quer ser Gaston, outros ele quer beijá-lo", diz Condon. "Ele não tem certeza sobre o que ele quer, é alguém que só agora se dá conta de que tem estes sentimentos."

O bacana de Condon dar mais textura ao personagem é que ele enriquece a trama do filme ao mostrar um mundo com mais nuances. LeFou quer ajudar Gaston a fica com Bela, mesmo que para isso ele tenha de executar atos condenáveis (não vou entrar em território de spoilers, fique tranquilo). Conferir dualidade ao personagem deixa alguns momentos da história mais tensos e imprevisíveis. Mas esse é o máximo de profundidade para ele, já que A Bela e a Fera não é "A História de LeFou". Ah, o tal momento gay? LeFou, a certa altura do filme, dança com um soldado que está, veja só, vestido de mulher. E só. Muito barulho por nada.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.