A maldição da Liga

Fãs esperam há anos por filme com os heróis mais populares das HQs, mas a estrada até aqui não foi nada fácil

Natalia Engler e Roberto Sadovski Do UOL

Um estúdio tem nas mãos Batman, Superman e Mulher-Maravilha, os maiores heróis da Terra. E o que faz? Juntá-los em um filme épico seria a resposta lógica, mas demorou muito para acontecer. Do descaso com um produto que servia apenas para vender bonequinhos a um filme enterrado por uma greve, “Liga da Justiça” foi por décadas um projeto inalcançável. E quando estava para enfim se concretizar, uma tragédia familiar e críticas que destruíram alguns dos filmes anteriores dos heróis da DC mais uma vez ameaçaram a produção. É com esse histórico que “Liga da Justiça” finalmente chega aos cinemas nesta quarta-feira (15), para, quem sabe, acabar com a maldição.

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Um filme de dois diretores

O filme que chega às telas agora não foi a primeira tentativa de levar os maiores heróis da DC aos cinemas, mas parecia ser a mais tranquila (certamente as críticas que rondavam a franquia não eram nada perto de ter um filme cancelado no meio do caminho, mas essa história contamos mais à frente). Parecia. Em maio, pouco antes do lançamento de “Mulher-Maravilha” e com “Liga da Justiça” ainda não finalizado, o diretor Zack Snyder se afastou do filme para cuidar da família depois do suicídio de sua filha. A Warner e a DC trouxeram então Joss Whedon –o responsável pelos dois “Vingadores”, que já havia sido chamado para polir o roteiro–, para comandar a fase final da aventura.

A troca de comando já em uma fase tão avançada da produção foi o último capítulo de uma série de decisões erradas, falta de oportunidades, azar e críticas negativas para colocar Batman, Superman, Mulher-Maravilha, Ciborgue e Flash juntos, a cereja no bolo de 57 anos de perrengue, desde a criação da Liga até finalmente a história chegar nas telonas do cinema.

A saída de Snyder gerou muitas especulações, com notícias de bastidores dando conta de que a tragédia familiar era apenas uma desculpa, e que o estúdio havia considerado o primeiro corte feito pelo cineasta “impossível de assistir”. As filmagens adicionais, que são comuns em grandes produções, ultrapassaram muito a duração e o orçamento normais: foram US$ 25 milhões e quase dois meses de volta ao set, e com complicações como ter que apagar digitalmente o bigode que Henry Cavill, o Superman, havia cultivado para outro filme.

A versão que chega aos cinemas sofreu grandes cortes em relação à de Snyder (tem quase uma hora a menos), e Whedon aparentemente teve como tarefa principal trabalhar em conexões entre as grandes sequências de ação que seu colega havia filmado. Ainda assim, segundo o elenco, “Liga da Justiça” passa longe de deixar de ser um filme de Snyder (Whedon é creditado apenas como co-roteirista). Mas esse não é o começo (nem o fim) dessa história.

Tivemos muita sorte que um diretor tão bom quanto Joss tenha vindo para fazer o trabalho. Ele e Zack falaram sobre o que queriam fazer, mas Zack não estava em condições de continuar trabalhando. Joss veio e terminou o filme. E, como consequência, acho que nos beneficiamos do tom de Zack, seu DNA, e também do toque final que Joss deu.

Ben Affleck

Ben Affleck, o Batman, ao UOL

Dá para ver qual era o filme que Zack queria fazer e como foi realizado pelas mãos muito profissionais do Joss. Você ainda pode ver o filme e perceber que cada quadro é algo que Zack nos mostrou em algum momento, em desenhos que ele tinha feito em um de seus cadernos.

Ezra Miller

Ezra Miller, o Flash, ao UOL

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Coisa de criança

A Liga da Justiça foi concebida nos quadrinhos por Gardner Fox na edição 28 do gibi “The Brave and the Bold”, publicado em março de 1960. Mas foi em 1973 que a equipe com Superman, Batman e cia. tomou de fato o mundo. A série animada “Superamigos” adaptou os heróis para o universo infantil e, por mais de uma década, foi a régua pela qual os personagens da DC se tornaram referência.

Se hoje fãs tentam jogar toda essa fase para baixo do tapete em detrimento de uma visão “sóbria e realista”, o fato é que uma geração inteira de artistas (como o ilustrador Alex Ross, notório nas HQs ao criar as imagens hiperrealistas de “O Reino do Amanhã”) foi moldada nas manhãs de sábado com as aventuras coloridas de seus super-heróis favoritos.

O rumo da série, cujo objetivo era criar diversão infantil de valores elevados e pouca profundidade, mudou em 1984, quando o desenho foi rebatizado “Super Friends: The Legendary Super Powers Show”, que tinha como propósito vender brinquedos. A série de bonequinhos, parcialmente lançada no Brasil pela Estrela, ajudou a popularizar os heróis pouco antes do cinquentenário de Superman.

Liga da Justiça ou Trapalhões?

Em 1979, Adam West e Burt Ward voltaram a viver Batman e Robin no especial televisivo “Legends of the Super Heroes”. Inspirado em “Superamigos”, o programa era o supra-sumo da tosquice, parecendo até um esquete de "Os Trapalhões", com heróis como Lanterna Verde, Capitão Marvel e Gavião Negro no lugar de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. É vergonhoso, mas tem um certo charme cafona. Como tudo no mundo do mofo televisivo, “Legends of the Super Heroes” é facilmente encontrado na internet (ou aqui em cima). Mas é por sua conta e risco...

O grande momento da Liga da Justiça fora do cinema, porém, foram os dois anos da animação “Justice League Unlimited”, exibida no Cartoon Network entre 2004 e 2006. A série, feita no estilo da animação do Batman dos anos 1990 – um dos melhores desenhos de todos os tempos –, “JLU” trazia a equipe central em torno do Superman, Batman e Mulher-Maravilha, ao lado de um time rotativo que colocou em cena os maiores heróis da editora em tramas repletas de ação e drama.

Vendeu muitos bonequinhos e inspirou diversas tramas nos quadrinhos. Ainda assim, não teve fôlego para animar o estúdio, na época desenvolvendo a trilogia “O Cavaleiro das Trevas” com Christopher Nolan no cinema, para colocar a Liga da Justiça na tela grande.

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A Liga que não foi

Em 2007, um ano antes de o Universo Cinematográfico Marvel ser iniciado com “Homem de Ferro”, e de Nolan revolucionar o conceito de filme de super-heróis com “Batman - O Cavaleiro das Trevas”, a Warner deu sinal verde para “Justice League: Mortal”, um projeto ambicioso que levaria a maior equipe do planeta ao cinema, com direção de George Miller (“Mad Max”).

“Mortal” seria tocado em paralelo aos filmes de Nolan, mas sem nenhuma conexão com eles. Figurinos foram desenhados; sequências de ação tomaram forma como storyboards; um elenco de rostos pouco conhecidos foi convocado, com DJ Cotrona como Superman, Armie Hammer como Batman e Megan Gale como Mulher-Maravilha, encabeçando um time que ainda trazia Adam Brody, o rapper Common, Jay Baruchel (no papel de Maxwell Lord, arquiteto e também nêmesis da equipe) e Hugh Keays-Byrne, que daria vida ao Caçador de Marte.

Miller reuniu elenco e equipe na Austrália e, por seis meses, começou a trabalhar pesado na pré-produção. Mas uma sombra pairava sobre a aventura, um “inimigo” implacável chamado “greve de roteiristas”. Embora Miller e seu time continuassem a trabalhar na pré-produção, a história não ficava pronta, e a data prevista para a paralisação dos escritores em Hollywood se aproximava. Quando finalmente começou, no final de 2007, trouxe junto o prego no caixão de “Justice League: Mortal”, que terminou cancelado.

“Eu estava intrigado com o filme, mas a ameaça de greve pelos roteiristas fez com que todo o processo fosse acelerado”, refletiu Miller recentemente. “Escolhemos o elenco rápido e começamos a pré-produção ainda mais rápido. Mas tudo dependia de uma data para começar e de uma nova legislação por parte do governo australiano". Nem a greve e nem a lei foram resolvidas dentro do prazo estabelecido pelo estúdio, o que terminou por evaporar os planos.

Quase conseguimos, mas não era pra ser. Isso acontece com frequência, quando filmes parecem estar alinhados com as estrelas, mas nada acontece.
George Miller

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Uma era de trevas

“Liga da Justiça” não aconteceu, mas os filmes de Nolan foram um sucesso e o Universo Estendido DC parecia ter data certa para começar: 17 de junho de 2011, com “Lanterna Verde”. A aventura espacial com Ryan Reynolds seria, em tese, o ponto de partida para filmes solo dos heróis da editora que, eventualmente, compartilhariam a mesma linha temporal e se uniriam num grande épico. O filme, porém, foi um imenso fracasso, o que fez o estúdio respirar fundo e convocar seu melhor arquiteto, o próprio Nolan, para repensar a coisa toda.

O diretor da trilogia do Batman desenvolveu uma ideia mais realista e sombria para o Superman e a produziu para o diretor Zack Snyder. Este recomeço foi a semente de “Homem de Aço”, que traçaria um caminho diferente da Marvel – que optou por uma estrada mais solar e colorida (e extremamente bem-sucedida) depois de “Os Vingadores”.

Lançada em junho de 2013, com Henry Cavill como o herói, a aventura recontou a origem do Superman usando a caixa de brinquedos de Nolan, e tudo no filme sugeria um mundo com os pés no chão. O conceito era intrigante, e sua execução quase chegou lá. Coalhado de referências a outros habitantes do Universo DC, "Homem de Aço" já sugeria que o mundo poderia abrigar mais ícones da editora. E a editora usou uma estratégia diferente da arquirrival. Em vez de construir histórias individuais, caminhando para uma reunião épica, Snyder adotou um tudo ou nada ao anunciar em seguida “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”, pondo em cena não só o Homem-Morcego como também a Mulher-Maravilha. 

O filme não só coloca seus principais heróis em rota de colisão, como encontra espaço para criar, com pressa, a ameaça monstruosa chamada Apocalypse. Uma estratégia que até deu lucro, mas que não entregou aos fãs um produto digno de Batman e Superman.

Heróis podem ser divertidos

Apesar do sucesso (com quase US$ 900 milhões de dólares em caixa, mas longe do US$ 1,5 bi de “Os Vingadores”), “Batman vs Superman” é um filme sem alma, sem humor e sem humanidade. Mas serviu para o estúdio justificar seu confuso Universo Estendido, que ganhou duas adições antes de juntar todas as peças em “Liga da Justiça”.

“Esquadrão Suicida” foi ainda mais fundo no lado sombrio dos personagens DC, com uma aventura protagonizada por vilões. E o sucesso de “Mulher-Maravilha”, que trocou o tom lúgubre por uma aventura mais otimista e bem resolvida, mostrou que o público estava mesmo ávido por uma versão mais luminosa e criativamente interessante do DCEU.

E, claro, a recepção a esses filmes não poderia deixar de impactar "Liga da Justiça", embora os envolvidos digam que o plano sempre fora caminhar para algo mais solar (“Zack já queria fazer um filme que fosse mais divertido, um pouco mais leve, que não fosse sobrecarregado de melodrama”, disse Ben Affleck à revista "Empire" no set do filme, no ano passado).

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A sorte está lançada

Ainda que o resultado final tenha mais chances de agradar aos fãs e críticos do que alguns dos filmes anteriores, “Liga da Justiça” representa um momento decisivo para a DC no cinema. Serão 13 meses até o próximo filme, “Aquaman”, chegar às telas, talvez tempo suficiente para o estúdio redefinir suas estratégias.

Por enquanto, o futuro para além de “Aquaman” e “Mulher-Maravilha 2” (previsto para novembro de 2019, mais uma vez com Patty Jenkins na direção) ainda é incerto e uma nova reunião dos heróis não está nem no horizonte. “The Batman”, que ganhou a direção de Matt Reeves depois de Affleck avaliar que seria muito arriscado atuar em frente e atrás das câmeras, ainda não tem data para começar a filmar, e não se sabe nem mesmo se o ator continua no papel (apesar de ele afirmar que sim, fontes da indústria dizem que ele está com um pé lá, outro cá).

Whedon deve começar a trabalhar em “Batgirl” no ano que vem e Gavin O’Connor (“O Contador”) foi escalado para escrever e dirigir a sequência de “Esquadrão Suicida”, mas os outros títulos anunciados oficialmente na Comic-Con deste ano ainda têm pouca coisa definida: “Flashpoint” está sem diretor, “Liga da Justiça Sombria” e “A Tropa dos Lanterna Verdes” idem, e “Shazam!” talvez comece a filmar em fevereiro. “Sereias de Ghotam”, dirigido por David Ayer (“Esquadrão Suicida”) e uma história de origem do Coringa com Todd Phillips (“Se Beber, Não Case”) no comando também não têm novidades.

É provável que tudo dependa do desempenho de “Liga da Justiça”, e o próprio filme é cauteloso em apontar alguma direção para os heróis daqui para frente, deixando poucas pontas soltas para se conectar a novas histórias. É com essas peças no tabuleiro que o filme chega aos cinemas. Mas é a Liga da Justiça, e os heróis, no fim, sempre são triunfantes!

Trailer oficial

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