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A experiência do primeiro amor é o motor do delicado Me Chame Pelo Seu Nome

Roberto Sadovski

18/01/2018 06h30

O diretor italiano Luca Guadagnino conseguiu um feito e tanto. Ele captou, em Me Chame Pelo Seu Nome, as cores e o calor do primeiro amor. Seu filme é leve como uma brisa, delicado como um pensamento, tão puro e tão suave que, ao fim de pouco mais de duas horas, a vontade é arrumar as malas, se mandar para um vilarejo no norte da Itália e deixar que a natureza faça o resto. É pura melancolia traduzida em imagem e luz, é um sentimento agridoce de descoberta e perda, de júbilo e corações partidos. Sem falar que Guadagnino criou um dos filmes mais belos do cinema recente, com cenários e personagens banhados perpetuamente por um Sol que parece não só aquecer, mas envolver e apaixonar.

Tudo isso para acompanhar a jornada de amadurecimento de Elio, adolescente de 17 anos que, em 1983, vê sua percepção de identidade mudar com a chegada de Oliver, estudante universitário quase uma década mais velho, que chega como hóspede em sua casa para trabalhar por seis semanas como assistente de pesquisa de seu pai. A curiosidade logo se torna interesse, e a hesitação em experimentar e descobrir não resiste ao clima acolhedor e à paisagem da Itália. A escolha de não mergulhar nos conflitos mais óbvios de um relacionamento homossexual, mas em abraçar uma história de amor orgânica e contagiante, coloca Me Chame Pelo Seu Nome num patamar diferenciado entre os romances cinematográficos contemporâneos. Não importa se são duas pessoas do mesmo sexo: o filme é permeado de ponta a ponta por uma torcida para que seu amor triunfe ante a barreira etária e, principalmente, uma contagem regressiva que aproxima o fim de seu período juntos.

Michael Stuhlbarg, a arma secreta de Me Chame Pelo Seu Nome

Como toda boa combinação de amor e amadurecimento, é certo desde o início que o romance tem data de expiração. O que cria a empatia imediata com os protagonistas, e nos lhes confere personalidade, é a química perfeita entre Timothée Chalamet e Armie Hammer, uma eletricidade pontuada por ansiedade, hesitação e, finalmente, aceitação. O modo como a dupla entrega a conexão sexual e emocional de Elio e Oliver, sem a menor pressa, contribuindo para um estado permanente de tensão suave, eleva o trabalho de todo o elenco – em especial Michal Stuhlbarg que, entre A Forma da Água e The Post, teve um ano brilhante. Arma secreta de Guadagnino na narrativa, surgindo como figura da sabedoria e da razão, o ator é coroado aqui com um diálogo entre pai e filho poderoso e emocionante, que culmina num molólogo sobre a natureza do amor e da amizade que, desde já, surge como um dos momentos mais intensos do cinema moderno – o que, acredite, não é pouco.

Mas é Chalamet que revela-se como a pedra bruta lapidada em diamante. Aos 22 anos, este nova-iorquino de expressão renascentista e criado entre artistas, despontou ainda adolescente em Interestelar, de Christopher Nolan, e fechou 2017 trabalhando em mais dois filmes laureados: o agridoce Lady Bird, de Greta Gerwig, e Hostiles, ao lado de Christian Bale. Aqui ele vai além, trazendo reações adolescentes que podem ser ora confusas, ora inconsequentes, mas sempre trazendo verdade. Hammer, que tem equilibrado espetáculos hollywoodianos (O Agente da UNCLE, o fracassado O Cavaleiro Solitário) com interpretações sutis e sofisticadas, como no elegante Animais Noturnos, abraça o papel do americano prepotente de ar distante – mesmo que essa aparente arrogância sirva para esconder uma natureza curiosa e agradável, como um mecanismo de defesa que entra em modo de observação em território novo. É dele, por sinal, o papel teoricamente mais complicado: como o adulto apaixonado por um adolescente, a intensidade de sua abordagem certamente pontuaria a reação da platéia. Mas sua sintonia com Chalamet, combinado à direção discreta de Guadagnino, passa bem longe de qualquer polêmica.

O Sol, sempre ele, envolvendo a todos

Mesmo com a ambientação arrebatadora e o elenco equilibrado, coube a Guadagnino amarrar todos os elementos num crescendo sufocante, que ganha mais texturas à medida que Elio e Oliver avançam para o clímax de sua história. Não que a trama de Me Chame Pelo Seu Nome seja inovadora ou diferente das dezenas de contos apaixonados que o cinema entrega em centenas de formas e cores há mais de um século. São os detalhes que fazem a diferença. A combinação do prazer sexual com outros deleites, como a comida, a música e a arte, cria uma narrativa bem ritmada, obedecendo em seu apogeu a inevitável despedida do verão no norte da Itália. Mesmo ambientado nos anos 80, o que elimina algumas inovações tecnológicas que poderiam interferir na história (imagino que uma conexão à internet mantivesse Oliver sentado à frente de um computador), o filme traz uma atmosfera atemporal, com cada elemento funcionando em total apoio ao desenvolvimento do conflito entre dos protagonistas – de um passeio de bicicleta a uma festa regada a hormônios a uma fruta saboreada de maneira não convencional. Tanta beleza é, finalmente, personificada na figura do casal central: a descoberta da sexualidade, quando se apresenta, é a consequência natural de duas pessoas que não pareciam ter outra escolha a não ser se apaixonar.

Simplificar Me Chame Pelo Seu Nome como "uma história de amor gay" seria futilidade. O sentimento aqui é combustível para uma catarse ainda maior. O maior mérito de Luca Guadagnino é usar essa percepção que o público possa ter sobre a natureza de sua obra e transcender esse determinismo, usando o talento de Timothée Chalamet e Armie Hammer como instrumento para espelhar nossa própria percepção da inevitabilidade do fim de um ciclo, nossa certeza de que a beleza é temporária, mas suas lembranças são eternas. É o que nos faz amadurecer e partir em busca de novas experiências, para reencontrar a euforia trazida por essa mesma beleza fulgaz. Me Chame Pelo Seu Nome pode ser um filme belíssimo – mas não é nem um pouco ordinário.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.