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Os padrões de beleza estão afetando até nossas crianças

Maria Flor Calil

21/11/2017 08h00


Minha filha caçula acaba de fazer 9 anos e, desde os 7, pede para "tirar" a sobrancelha a la Frida Khalo que tem. Sempre adotei o mesmo discurso: sua sobrancelha é linda, criança não faz esse tipo de procedimento, quando você crescer decide o que fazer.

Pois bem, um domingo desses, acordo, sento para tomar o café da manhã e noto algo estranho no rosto dela. Julieta havia feito justiça com as próprias mãos e ganhara uma falha em sua sobrancelha. Logo estrilei e já ia começar a dar uma bronca, quando o pai, mais calmo, disse que não adiantava chorar sobre o leite derramado, que agora ela precisava de acolhimento e ajuda para consertar o estrago. Ele tinha razão. Respirei fundo e me vi, de pinça em punho, tentado acertar os pelos e disfarçar o rombo.

Mas não consegui me conter.

Enquanto ela tinha a cabeça no meu colo e eu trabalhava, fui falando sobre os padrões de beleza e de como eles mudam de tempos em tempos. "Sabe filha, nas décadas de 1920 e 30, as atrizes de Hollywood lançaram a moda da sobrancelha bem fina e arqueada. Muitas mulheres, se inspirando nelas, faziam da mesma forma. Tiravam tanto os pelos que eles não cresciam mais. Já nos anos 1950 a tendência eram as sobrancelhas grossas e marcadas, muitas vezes preenchidas e redesenhadas com lápis…"

E assim fui, até chegar aos dias de hoje, quando o que está in é fazer "design de sobrancelhas" e usar técnicas como a micropigmentação, que é tipo uma tatuagem fio a fio, mais discreta do que aquelas de henna. Enfatizei que essas tendências deixam todo mundo com a mesma cara e que a sobrancelha, sendo a moldura do olhar, faz parte da nossa identidade, ou seja, cada um tem uma e todas podem ser bonitas.

É humanamente impossível acompanhar as tendências.

Depois, passei para o exemplo dos cabelos: ora são curtos, ora longos, ora cacheados, ora bem lisos. O loiro da vez muda de tom a cada estação. As negras cortaram um dobrado até assumir seus crespos, e muitas exibem orgulhosas suas cabeleiras black power, que por anos alisaram. Mas não sem antes passar pela fase da "transição", o que significa raspar a cabeça ou ter uma paciência de Jó até o cabelo natural crescer. As mulheres que estão começando a aceitar o grisalho, foram escravas de tinturas para não "parecerem desleixadas" ou aparentarem a idade que têm. É humanamente impossível acompanhar as tendências: se no verão o corte Joãozinho arrasava e no inverno já temos que ter um long bob, como fazer para o cabelo crescer 20 centímetros em seis meses? Só com alongamento e gastando uma fortuna.

Defendo, sinceramente, que cada um seja livre para buscar sua beleza, e, inclusive, faça os tratamentos e procedimentos que quiser para se olhar no espelho e se achar lindo. O que não aguento é a massificação, o "tem que", a fôrma que limita e coloca padrões inatingíveis para grande parte dos mortais.

As mulheres sofrem desde sempre com isso, mas me assusta que agora crianças também adotem discursos como "estou um pouco gordinha", "meu cabelo não é bom", "não gosto da minha sobrancelha".

Com o episódio da minha filha, meu coração de mãe sofreu.

Primeiro porque não dei atenção suficiente para um incomodo real que ela tinha com sua aparência, relativizei, deixei por menos. Segundo, por constatar que ela, tão nova, já se deixa afetar pelos padrões, deseja ser diferente do que é.

Despertei. Precisamos estar atentos com nossos comentários, com a mídia (propagandas, revistas, filmes) que entra em nossa casa e com nossas próprias neuras. Que as crianças possam viver a infância livres dos sentimentos de inadequação e inferioridade, que tenham sua auto estima fortalecida e que valorizem a beleza na diversidade.

Sobre a autora

A jornalista Maria Flor Calil, mãe da Teresa e da Julieta, e esperando Francisco, já trabalhou na TV Cultura, na Fundação Roberto Marinho e até foi dona de loja infantil. Depois da maternidade, foi abduzida pelo mundo da maternagem e editou o site da Pais & Filhos, a revista Claudia Filhos e lançou o livro “Quem Manda Aqui Sou Eu – Verdades Inconfessáveis Sobre a Maternidade”. Atualmente, é diretora de conteúdo do Aveq (www.averdadeeque.com.br) e editora de comunicações do Colégio Santa Cruz.

Sobre o blog

Começar de Novo, a música-tema do seriado Malu Mulher (exibido em 1979 e atualíssimo para as questões femininas), é inspiração para a jornalista grávida de um temporão. Um espaço para falar do lado B da maternidade, com uma dose de leveza e outra de profundidade.

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