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No Festival de Berlim, filme israelense conta história de palestinas traumatizadas por estupro

As atrizes Moran Rosenblatt, Nataly Attiya, Ziv Weiner e o diretor Jonathan Sagall fazem parte do filme ""Lipstikka"", em competição na Berlinale (17/02/2011) - Getty Images
As atrizes Moran Rosenblatt, Nataly Attiya, Ziv Weiner e o diretor Jonathan Sagall fazem parte do filme ''Lipstikka'', em competição na Berlinale (17/02/2011) Imagem: Getty Images

17/02/2011 18h11

BERLIM, ALemanha -O filme israelense "Lipstikka", de Jonathan Sagall, exibido nesta quinta-feira na mostra competitiva do Festival de Berlim, surpreendeu pela ambiguidade da história que conta: a de duas lésbicas palestinas traumatizadas pelo estupro sofrido por uma delas, praticado por um soldado de Israel.

As belas atrizes israelenses Moran Rosenblatt e Ziv Weiner interpretam Inam e Lara, as duas palestinas de menos de 20 anos que, em uma noite de 1994, enquanto soldados israelenses e combatentes palestinos trocam tiros, deixam a Cisjordânia ignorando o toque de recolher e passam, escondidas, para a parte judaica de Jerusalém para ir ao cinema.

"Lipstikka" conta o ocorrido após esta travessura juvenil. Após deixar o cinema, as duas moças são detidas por dois soldados e um deles se aproveita do fato de que elas estão sem documentos de identidade para violentar Inam, enquanto Lara, horrorizada, observa o que acontece.

Anos depois, Inam e Lara, mais velhas, se encontram em Londres. O episódio do estupro será mostrado retrospectivamente em duas versões diferentes para destacar a diferença nas lembranças que as duas mantêm daquela noite.

O diretor Jonathan Sagall, de 48 anos, cuja família emigrou do Canadá para Israel quando ele tinha apenas 11 anos, disse que o roteiro se baseou na história de uma amiga de sua mãe. "Escrevi a primeira versão quando tinha 14 anos. No entanto, redigi muitíssimas versões, a história foi evoluindo, mudando, complicando-se, enrolando-se. Imagino que isto aconteça com todos os escritores", declarou.

De fato, a história se complicará em Londres. Lara então é casada e vive como uma senhora burguesa com o marido e o filho pequeno até que a amiga, Inam, reaparece.

Graças a um novo 'flashback', o espectador entenderá que o marido de Lara era namorado de Inam quando as duas tinham acabado de chegar a Londres e que Lara roubou da amiga. Pouco a pouco, Inam irá dando demonstrações de que está mentalmente desajustada. "Sim, tudo é um pouco ambíguo, mas assim é a vida. Não há nada que seja estritamente claro. Isto é uma ficção", explicou o diretor Sagall.

O correspondente do jornal israelense Yedioth Ahronot em Berlim, Eldad Beck, perguntou porque tinha complicado tanto a história de seu roteiro, ao mostrar que as duas mulheres palestinas, que sofrem "a ocupação" da Cisjordânia, eram também lésbicas.

A atriz Clara Khoury, que interpreta Lara adulta, tomou a palavra para responder "que inclusive em um país oprimido, ocupado, pode haver lésbicas. Neste caso, trata-se de pura ficção".

Uma jornalista palestina protestou, durante a coletiva, "contra o sotaque e os erros nos diálogos em árabe" das atrizes israelenses que interpretam as palestinas.

Jonathan Sagall desculpou-se, contando uma anedota. "Minha mãe é polonesa. Uma vez, quando era mais jovem, fui assistir com ela ao filme 'A Escolha de Sofia', que trata de uma imigrante polonesa nos Estados Unidos. Ao sair do cinema, a minha mãe também protestou, perguntando 'e isso que Sofia fala é polonês? Parece, mas não é polonês'. Nossas atrizes tentaram falar árabe e fizeram o melhor que puderam", declarou.

Sagall disse por outro lado que estava muito contente de que um filme israelense tivesse sido selecionado pela primeira vez para a Berlinale, coincidentemente com um filme iraniano, "Nader and Simin - a separation", de Asghar Farhadi. "Ainda não o vi, mas tem sido muito elogiado. Quero vê-lo. Para mim é extraordinário que estejamos os dois aqui, sim", contou.