Com realidade virtual e Netflix, Cannes garante que "cinema ainda é DNA"
Meca da sétima arte, a 70ª edição do Festival de Cannes pegou o trem da modernidade com a realidade virtual, as séries e o Netflix, em uma edição de aniversário que terá estrelas como Pedro Almodóvar como presidente do júri e Monica Bellucci como anfitriã.
Sem nenhum filme brasileiro entre os escolhidos para disputar a Palma de Ouro, a seleção oficial anuncia pela primeira vez dois filmes da gigante do 'streaming' Netflix, - "The Meyerovitz Stories", de Noah Baumbach, e "Okja", de Bong Joon-Ho – e desatou os protestos das salas de cinema francesas, que não poderá exibi-los por uma exigência da plataforma.
Uma semana antes do início, o Festival lamentou que a Netflix não cedesse nessa questão e decidiu que, a partir de 2018, todas os filmes em competição deverão "se comprometer previamente a serem distribuídos nas salas francesas".
Além disso, um experimento com realidade virtual será destaque. O mexicano Alejandro González Iñárritu apresentará um curta-metragem, "Carne y areia", outra novidade tecnológica para o antigo festival.
Novidades que não chegam a abalar a tradição, como garante Thierry Frémaux, o todo-poderoso do festival: "Seu DNA continua sendo o cinema".
Como vê a evolução do Festival, marcado por escândalos e controvérsias?
Por um lado, estamos muito longe do festival original, por sua envergadura, seu formato. Mas, no fundo, estamos exatamente no mesmo lugar, ou seja, 12 dias para celebrar a Sétima Arte. Nos anos 1950, houve um novo Palácio de Festivais, outro, no início dos 1980. O Festival se ampliou, se desenvolveu, criou-se o Mercado do Cinema (...) Mas o tema de conversa principal de Cannes, não importa quem você seja, é o cinema.
Escândalos e controvérsias fazem parte da história do festival. No começo, houve escândalos políticos, de caráter social. Hoje, tem menos disso. Eu tive de viver o escândalo estético de Gaspar Noé [com "Irreversível", no qual há uma cena explícita de estupro] e o de Lars Von Trier, com "Anticristo", escândalos extracinematográficos, como quando se acusou - mas talvez ele tenha cometido alguns erros de linguagem - Lars Von Trier de fazer apologia a Hitler.
Este ano, foram anunciados dois filmes da Netflix na competição, um em realidade virtual e duas séries. É uma revolução?
Uma seleção é sempre uma série de coincidências. Alejandro González Iñárritu, que veio duas vezes em competição, decidiu se lançar este ano, como autor e cineasta, na realidade virtual (...) E achamos muito bom acolhê-lo.
Não mostramos duas séries, damos notícias de dois grandes cineastas que fazem parte da história do Festival de Cannes, todos dois Palma de Ouro e presidentes do júri: Jane Campion e David Lynch. E acaba que os filmes que fizeram são séries para televisão. [...] Mas nós, nosso DNA fundamental e nossa razão de existir é o cinema.
O próprio cinema se vê modificado. A indústria do cinema vê chegar novos jogadores. Podem ser países como a China, ou novos produtores e novas plataformas, como Netflix e Amazon, que decidem ajudar na criação de filmes. No ano passado, foi a Amazon que veio a Cannes, com quatro, ou cinco filmes em competição [...] Este ano, pura coincidência, Netflix, a outra grande plataforma, veio nos propor filmes.
Ao completar 70 anos, quais são os desafios do Festival?
As questões para o futuro são várias. O festival mantém sua razão de existir: defender a arte cinematográfica sob todas suas formas, usar a arte e a cultura como um instrumento de diálogo entre os povos. E continuar a fazer de jeito que, durante 12 dias, e para o resto do ano, o cinema, hoje cercado de novas linguagens das imagens, possa ser o coração do mundo.
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