"Eu me sinto mais atraído pelo pervertido", diz diretor de "Millenium" e "A Rede Social"
Ao trombar com o repórter no saguão do hotel pouco antes da entrevista marcada, David Fincher não hesita.
“Eu posso falar a qualquer hora”, diz o diretor. Fincher certamente prova isso, falando sobre o trabalho de um diretor, as bases psicológicas da dinâmica do personagem e o apelo de refilmar “Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, que estreia no Brasil no dia 27 de janeiro.
O filme, estrelado por Daniel Craig e Rooney Mara como um par improvável investigando a história sombria de uma família sueca, é uma tentativa de lançar uma série para adultos, assim como apresentar os populares romances de Stieg Larsson para o público de cinema americano. Fincher tem prazer em algo tão sombrio e espinhoso – e tão não Hollywood – como a série "Millenium" poder causar sensação mundial.
Quem me dera ter a mesma confiança para ser tão perverso quanto Roman [Polanski] tem sido
“Isso me tranquiliza”, diz Fincher. “Eu olho para ele e digo: ‘Eu gosto disso’. Ele faz com que sinta que o tipo de histórias pelas quais me interesso também pode interessar a outras pessoas.”
Isso valeu por toda a carreira (atualmente com oito filmes) de Fincher como diretor. Apesar de não ter tido um sucesso extremo de bilheteria e nem ter conquistado um Oscar, o diretor duas vezes indicado é reconhecido como um dos mais talentosos em atividade. Com domínio de cenas cheias de atmosfera, a perícia cuidadosamente aperfeiçoada de Fincher fez com que conquistasse os críticos e os jovens cinéfilos, particularmente devido aos seus filmes energicamente contemporâneos, “A Rede Social” e “Clube da Luta”.
Mas talvez a filosofia predominante em toda sua obra esteja resumida na grande fala final de “Seven - Os Sete Crimes Capitais”, como narrada pelo personagem de Morgan Freeman: “Ernest Hemingway já escreveu: ‘O mundo é um belo lugar e vale a pena lutar por ele’. Eu concordo com a segunda parte”.
“Eu me sinto mais atraído pela história do pervertido”, diz Fincher. “Eu não sou tão positivo, acho que todos nós concordamos. Eu acho que desde cedo optei por olhar aquela outra caixa de areia, pensando: ‘Todo mundo quer fazer sucesso com entretenimento escapista. Mas eu sempre gostei dessa coisa que entra furtivamente pela janela lateral. Então por que não fornecer uma alternativa viável?”
“Isso não quer dizer que eu não adoraria fazer um filme como ‘Jurassic Park’. Todo mundo morreria, mas...”
Fincher sorri, mas ele tem uma profunda admiração por Steven Spielberg e até mesmo pela lenda do teatro musical Bob Fosse. Afinal, sua escola virtual de cinema foi trabalhando na produtora de efeitos especiais de outro mestre do escapismo, a Industrial Light & Magic, de George Lucas. Mesmo assim, os cineastas que deixaram uma maior impressão foram Alfred Hitchcock e, particularmente, Roman Polanski – diretores conhecidos por extrair prazer da subversão das expectativas do público por um entretenimento sadio.
Eu sinto genuinamente que ele é o mais próximo que temos de Hitchcock
“Hitchcock era mais uma criança brincando com essas ideias. Polanski, eu acho que ele nunca foi criança. (...) Quem me dera ter a mesma confiança para ser tão perverso quanto Roman tem sido”.
Apesar de seu talento visual frequentemente ofuscar seu talento narrativo, Fincher, como Hitchcock e Polanski, poderia ser mais bem entendido como um cineasta psicológico. Ele tem prazer em descrever, em grandes detalhes, a inter-relação cheia de nuances de gestos, contato visual e emoção em uma cena. “Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres” pode não ser muito diferente do original sueco, mas poucos discutem que, em um milhão de sutilezas, ele é melhor realizado.
“Eu sinto genuinamente que ele é o mais próximo que temos de Hitchcock”, Daniel Craig diz a respeito de Fincher. “As pessoas costumam compará-lo ao Kubrick, mas há outra coisa a respeito dele – algo que ele faz com o visual e faz com os atores. As pessoas meio que realizam interpretações definidoras de carreira nos filmes dele”.
Fincher, 49 anos, tem uma reputação quase mítica de atenção obsessiva, particularmente devido ao estilo de filmagem que favorece um grande número de takes – uma abordagem que ele sente que elimina o movimento artificial, calibrado, para se chegar a uma interpretação menos autoconsciente.
TRAILER DE "MILLENIUM - OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES"
“David não mente para você”, diz Rooney Mara. “Ele simplesmente não mente. Eu acho que ele não é capaz. Ele é o ser humano mais franco que já conheci. Ele sempre lhe dá o poder da escolha.”
A franqueza de Fincher também se enquadra em sua imagem, mas Eric Roth, que roteirizou “O Curioso Caso de Benjamin Button”, diz em um e-mail: “Ele é um homem seguro de si mesmo por um bom motivo e, apesar de seu estilo brigão, ele é a pessoa mais generosa e amável com quem tive a sorte de trabalhar e manter a amizade”.
“Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres” é basicamente o terceiro filme de detetive de Fincher, após a malfadada caçada ao assassino serial de “Seven - Os Sete Crimes Capitais” e a prolongada busca compulsiva por outro assassino em “Zodíaco”.
Ele reconhece: “O mal causado pelos homens em seus porões, com suas ferramentas, quando não estão sendo supervisionados, foi certamente algo que já explorei antes”. Mas ele nota que o procedimento em “Seven” se transforma em uma meditação sobre o mal, e a busca em “Zodíaco” se transforma em um exame de uma infinidade desconhecida.
A conclusão de "Millennium" é mais limpa do que a desses filmes, mas existe a possibilidade de duas sequências, apesar do filme não ter tido um desempenho especialmente bom no primeiro fim de semana de lançamento, arrecadando US$ 13 milhões no mercado americano. De qualquer modo, Fincher diz que apesar de estar aberto a tudo, dirigir outro filme na série de Larsson “não é nem mesmo algo que quero considerar”.
Entre outras coisas, ele está trabalhando em uma atualização 3D de “20 Mil Légua Submarinas” de Júlio Verne, uma espécie de suspense sobre um assassinato envolvendo a Craiglist, uma série da HBO coproduzida com Charlize Theron, chamada “Mind Hunter”, e uma adaptação da série paranormal em quadrinhos “The Goon”.
Para Fincher, a melhor parte de qualquer produção é o trabalho inicial: escolher o elenco, realizar os testes de iluminação, a construção dos cenários – todos os elementos onde ele fica energizado pela possibilidade de um filme, antes das concessões inevitáveis se acumularem.
“Eu gosto de ler o roteiro pela primeira vez”, ele diz, brincando apenas em parte, “e então meio que acaba”.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.