Será que a polêmica da tortura prejudicará as chances de "A Hora Mais Escura" no Oscar?
Há algumas semanas, "A Hora Mais Escura" parecia caminhar para a conquista do Oscar de melhor filme. Estava amealhando os primeiros prêmios da crítica e ganhando o embalo necessário para vencer o prêmio máximo de Hollywood.
Muito se falou sobre a autenticidade do filme da diretora Kathryn Bigelow e do roteirista Mark Boal, que usaram informações de pessoas com conhecimento para contar a história meticulosamente detalhada da caçada de uma década a Osama Bin Laden.
Então, na semana passada, “A Hora Mais Escura” conquistou cinco indicações ao Oscar, incluindo a de melhor filme. No primeiro fim de semana em cartaz, o longa ficou em primeiro lugar nas bilheterias norte-americanas, com um faturamento de quase US$ 25 milhões.
Mas o maior obstáculo para o filme em sua busca pela glória do Oscar está se desenrolando entre Hollywood e Washington, à medida que cresce o debate em torno da veracidade do filme em sua descrição de tortura e se o próprio filme endossa o uso de tortura.
Os legisladores também estão investigando se a CIA deu a Bigelow e Boal informação falsa sobre o fato de táticas “aprimoradas” de interrogatório terem levado diretamente à captura e morte do líder da Al Qaeda em 2011, no Paquistão.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood não indicou Bigelow como diretora e, na noite de domingo (13), “A Hora Mais Escura” recebeu apenas um Globo de Ouro da Associação de Correspondentes Estrangeiros em Hollywood -- o de melhor atriz para a interpretação de Jessica Chastain de uma agente da CIA.
Será que o escrutínio pelo Congresso de um tema emocionalmente carregado como a tortura poderia afetar as chances de premiação de "A Hora Mais Escura"? Será que a reação em ambas as costas o impediria de ganhar o Oscar de melhor filme quando os prêmios forem apresentados em 24 de fevereiro? Será que a disputa poderia afetar outras premiações dadas nas próximas semanas, pelos sindicatos dos produtores, roteiristas e diretores?
Entre aqueles que estão levantando questões sobre o filme estão os senadores Dianne Feinstein, democrata da Califórnia, e John McCain, republicano do Arizona, que escreveram uma carta ao diretor da CIA, Michael Morell, pedindo a ele que compartilhe documentos mostrando o que foi dito aos cineastas. O fato do assunto da tortura ser tão fresco e relevante nos Estados Unidos também complica a situação do filme.
Pelo menos um membro da Academia, David Clennon, disse que não votaria por “A Hora Mais Escura” em nenhuma categoria, por causa da forma como retrata a tortura.
Reagindo após dias de silêncio, Bigelow respondeu às críticas em um artigo para o “Los Angeles Times” na quarta (16), no qual disse que tortura foi uma parte inegável da caçada a Osama Bin Laden.
VEJA TRAILER LEGENDADO DE "A HORA MAIS ESCURA"
“Os especialistas discordam fortemente sobre fatos e detalhes da caçada da inteligência e, sem dúvida, esse debate continuará”, escreveu Bigelow. “Quanto ao que eu acredito pessoalmente, e que foi alvo de investigações, acusações e especulação, eu acho que Osama Bin Laden foi encontrado devido a um trabalho engenhoso de detetive”, ela prosseguiu. “Entretanto, como todos nós sabemos, a tortura foi empregada nos primeiros anos da caçada. Isso não significa que foi chave para encontrar Bin Laden. Significa que é uma parte da história que não podemos ignorar.”
Amy Pascal, copresidente da Sony Pictures Entertainment, que distribuiu o filme, emitiu sua própria longa declaração de apoio ao filme, dizendo que ele não defende tortura e seria inexato sem sua inclusão. “Este filme deve ser julgado livre de partidarismo. Punir o direito de expressão de um artista é abominável”, ela disse.
Mas Tom O’Neil, um historiador do Oscar, acha que punição é exatamente o que está acontecendo aqui. “Kathryn Bigelow pagou um preço por dar à tortura um papel proeminente neste filme”, disse O’Neil. “Seja uma reação à controvérsia em torno de sua precisão ou uma reação ao uso da tortura (...) algumas pessoas estão se deixando levar por isso.”
Filmes anteriores baseados em histórias reais, como “Hurricane: O Furacão” e “Mississipi em Chamas”, que pareciam candidatos sérios a prêmios quando foram lançados, também sofreram quando surgiram disparidades entre o que está na tela e a verdade, notou O’Neil. “Os personagens são retratados heroicamente, mas então descobrimos que não foram tão maravilhosos assim”, ele disse.
A atriz Jessica Chastain, com seu prêmio de melhor atriz em drama por "A Hora Mais Escura", na 70ª cerimônia de entrega do Globo de Ouro, que aconteceu no início do ano em Los Angeles
Omer M. Mozaffar, um professor de estudos religiosos da Universidade de Chicago e da Loyola University Chicago cujas aulas incluem literatura e história, escreveu ainda mais detalhadamente sobre as imprecisões no filme no site de Roger Ebert. Mozaffar, que é originalmente do Paquistão, apontou que certos personagens coadjuvantes falavam a língua errada ou tinham a cor de pele errada para a região. “Como membro do público, eu confio que o que estou vendo é a verdade”, ele disse. “Mas é uma moeda com dois lados. Se um cineasta está dizendo que algo é verdade, eu espero que o que estejam mostrando seja a verdade, mas o público precisa lembra que está assistindo a um filme.”
Glenn Whipp, que cobre a temporada de premiações para o “Los Angeles Times”, concorda que os eleitores do Oscar podem se sentir um pouco enjoados a respeito de “A Hora Mais Escura” a esta altura e procurarem por algo mais seguro, como “Lincoln” de Steven Spielberg ou “Argo”, que ganhou o Globo de Ouro de melhor filme de drama e o de diretor para Ben Affleck.
“Para os eleitores da academia, há duas questões aqui. Alguns acreditam que os cineastas falsificaram os fatos. E mesmo se não o fizeram, há a noção de que mostrar a tortura e reconhecer seu papel na caçada de uma década por Bin Laden endossa seu uso. Isso vai arranhar as chances do filme”, disse Whipp. “Mas Hollywood odeia a arrogância de Washington e há a crença profunda entre os membros da Academia de que as queixas vêm de pessoas voltadas apenas para seus próprios interesses políticos.”
Diretora Kathryn Bigelow no set de "A Hora Mais Escura", indicado a cinco Oscar em 2013
Whipp não acredita que a controvérsia em torno do filme pesou na ausência de Bigelow na categoria de melhor diretor. “Afinal, ‘A Hora Mais Escura’ ainda foi indicado para melhor filme e quatro outras categorias”, ele apontou. “Trata-se mais de um caso da categoria de diretores ainda ser um clube do Bolinha.”
Ainda assim, Chastain, a estrela de “A Hora Mais Escura”, disse que é preciso um belo filme para criar uma conversa tão passional. “Kathryn Bigelow e Mark Boal, o que eles fizeram com este filme foi terminá-lo com uma pergunta não respondida: ‘Para onde você quer ir?’”, disse. “Eles não dizem: ‘Isto é o que descobrimos e isto é certo e isto é errado’. Eles dizem: ‘Isto é o que descobrimos. O que você acha?’ E sempre que você deixa isso em aberto, cria controvérsia, porque eles não respondem por você. Isso é importante.”
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