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"Tarantino do Equador" usou balas de verdade em filmes

Matias Zibell

Do Equador para a BBC Mundo

17/05/2013 07h23

É domingo na praça principal da cidadezinha de Chone, na província equatoriana de Manabi. Um casal jovem compra um suco para amenizar o calor. Ao fundo, ouvem-se os cantos dos fiéis na missa das nove. Em um segundo, a paz da manhã se rompe. A moça é sequestrada e dois grupos armados se enfrentam. Até que alguém grita: "Corta!"

O diretor Fernando Cedeño se levanta e, fazendo jus ao apelido que ganhou da imprensa nacional no Equador - o "Quentin Tarantino de Chone" - pede ao ator encarregado do sequestro que seja mais agressivo com a protagonista. "Sintam como se essa coisa fosse pra valer".

A produção de cinema independente em Chone começou há 18 anos, quando um grupo de amigos fanáticos por motocicletas e artes marciais decidiu brincar de fazer cinema com uma pequena câmera de vídeo.

Desde então, nesta pequena região costeira com cerca de 126 mil habitantes, foram feitas dezenas de produções. Entre elas, o filme que acredita-se ser o mais vendido na história do cinema equatoriano, Sicarios Manabitas (em tradução livre, "Pistoleiros de Manabi").

Calcula-se que mais de um milhão de cópias do filme tenham sido distribuídas pelo comércio formal ou por vendedores piratas.

De fato, no início, a coisa era "pra valer". Como não havia dinheiro para comprar balas de mentira, e como em Chone sobravam as reais, as cenas de ação eram filmadas com tiros de verdade.

Apesar de algumas terem sido esvaziadas ou fabricadas com materiais caseiros, atores acabaram com queimaduras no peito e no rosto, como lembra Darwin Zambrano, um dos primeiros a embarcar nessa aventura.

O preço da fama
Um salto antes da hora salvou Nixon Chalacamá de ser cravejado de balas durante uma cena de risco. Se tivesse pulado na hora combinada, teria sido metralhado.

De certa maneira, Nixon procurou por isso. Foi ele quem teve a ideia de fazer esses filmes artesanais, inspirado nos filmes de Bruce Lee que via nas matinês de domingo.

"Queria estar nos cartazes do cinema de Chone e consegui", disse Chalacamá à BBC Mundo. Ele não se envergonha de admitir que seu primeiro filme com Cedeño provocou tonturas nos espectadores da cidade por causa dos movimentos bruscos da câmera.

O filme foi exibido no único cinema de Chone, o Oriflama, que logo desapareceu para dar lugar a uma loja. No entanto, isso não impediu que os dois diretores continuassem filmando e usando métodos de financiamento pouco convencionais para os padrões da sétima arte.

"Não havia dinheiro, então eu dizia aos que queriam ser atores: aqui é fácil. Se você quiser atuar por dez minutos, paga US$ 100 (R$ 202). Se quiser atuar por 20, você paga US$ 200. Se quiser ficar até o final, você paga US$ 2 mil", diz Nixon.

"Um sujeito me disse que ia pagar US$ 100 e me enganou. Começamos a filmar e aos dez minutos eu disse que ele teria de morrer. Mas ele me disse que na próxima semana me pagaria os US$ 100 e aí morreria. No final, ele não morreu no filme e não me pagou."

"Mas que descanse em paz. Ele foi morto depois (na vida real)", conta o ator.

Guerrilheiros
No ano 2000, esses dois aficionados do cinema seguiram caminhos separados. Nixon decidiu explorar tramas mais ousados. Um de seus filmes, inclusive, foi estrelado pelo ex-presidente equatoriano Lucio Gutiérrez, que fez o papel de outro ex-presidente do país, o general Enrique Gallo.

Fernando Cedeño, por sua vez, decidiu que o negócio tinha de ficar mais profissional, e começou a fazer aulas de teatro.

"Quando eles começaram eu ainda estava na universidade. Vi um de seus filmes e foi um pouco chocante. Me perguntava 'como podem fazer isso, inverteram tudo, posicionaram mal a câmera', mas quando eu tive que fazê-lo e ver como é o cinema que chamamos 'de guerrilha', entendi como funciona", recorda Camilo Andrade, diretor de fotografia e pós-produção do filme mais recente feito em Chone, O Anjo dos Pistoleiros.

Mas o que é que Andrade chama de "cinema de guerrilha"?

"Olha, imaginemos que o cinema profissional é o exército de qualquer país. Nós somos os guerrilheiros revolucionários que estão à margem da lei. Somo a revolução", diz Cedeño.

Para o cineasta equatoriano Miguel Alvear, que pesquisou a produção de filmes independentes em seu país, todo o cinema que se faz no Equador tem caráter artesanal e, por isso, não há muitas diferenças entre os filmes.

"Mas há uma brecha cultural inescapável, e essa brecha tem como consequência que os filmes de certos cineastas vão aos festivais de prestígio e os que são feitos em Chone são vendidos aos milhares nos mercados piratas."

Sem dúvida umas das chaves do sucesso dos filmes de Chone está em abordar histórias inspiradas em fatos reais.

"A violência nessa cidade diminuiu, mas em algum momento alguém disse que 'em Chone o café se esquenta a bala', havia muitos pistoleiros", disse Fernando Cedeño à BBC Mundo.


Mas às vezes, o mais perigoso não é viver e sim atuar, como foi o caso de René Pilai, advogado de profissão e ator de alma. Uma cena de perseguição o custou caro quando os freios de um dos carros falharam.


"Aconteceu (a falha) e eu fraturei a tíbia e o perônio da perna direita e os dedos do pé esquerdo. Fiquei prostrado por oito meses", disse à BBC Mundo com um sorriso.


Dani Bone Sánchez, o diretor de figurino, maquiagem e arte, pensou que seria o fim das gravações: "Eu disse 'essa palhaçada acabou', mas quando estava no carro que ia levar o advogado (ao hospital), ele disse 'não parem, continuem'", conta.


"Então tivemos que dizer 'vamos continuar essa palhaçada porque esse é o pedido do homem que está ferido'."