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Vilões americanos e diretores sequestrados: 10 fatos sobre o cinema norte-coreano

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    O Exército norte-coreano dirige centro de produção de filmes de guerra e fornece figurantes

Helier Cheung

BBC News

05/01/2014 16h56

Nos filmes de Hollywood, alguns dos vilões favoritos são os norte-coreanos. Mas poucos sabem que a Coreia do Norte também tem sua própria indústria cinematográfica, fruto da paixão do ex-líder Kim Jong-il e que serve como poderosa máquina de propaganda para o Estado.

Confira abaixo dez curiosidades sobre o cinema norte-coreano.

1- Sequestro de diretor sul-coreano
Kim Jong-il, pai do atual presidente, Kim Jong-un, adorava cinema e garantiu muitos financiamentos e verbas para a indústria cinematográfica do país nas décadas de 1970 e 1980. Mas ele teria ficado insatisfeito com a qualidade dos filmes produzidos.

Para resolver o problema, ele ordenou o sequestro do diretor sul-coreano Shin Sang-ok em 1978 e o obrigou a produzir longas para seu regime. A ex-mulher de Shin, a atriz Choi Eun-hee, também foi sequestrada.

O talento de Shin como diretor fez com que a qualidade das produções melhorasse na Coreia do Norte.

"Shin conseguiu usar as fórmulas ultrapassadas da propaganda norte-coreana e transformá-las em ótimos filmes", disse Johannes Schonherr, autor do livro North Korean Cinema: A History ("Cinema Norte-Coreano: Uma História", em tradução livre).

"Ele mudou a qualidade do cinema norte-coreano. Outros filmes do país também ficaram melhores devido à sua influência."

Entre os filmes mais populares de Shin estão Fugitivo, um longa de ação que acaba em um trem que explode, e Pulgasari, um filme norte-coreano sobre um monstro, inspirado em Godzilla.

Mas, em 1986, durante uma viagem de negócios a Viena, na Áustria, Shin e a atriz Choi Eun-hee conseguiram escapar das autoridades norte-coreanas.

O diretor continuou sua carreira nos Estados Unidos e na Coreia do Sul até sua morte, em 2006.

2- Os piores atores eram americanos
Muitos atores norte-coreanos passaram pela Universidade de Artes Dramáticas e Cinematográficas de Pyongyang.

Mas, como eram ferramentas de propaganda, os filmes do país também precisavam de personagens estrangeiros, especialmente americanos, para se passar por vilões.

"Se (a Coreia do Norte) precisasse de estrangeiros para seus filmes, eles pediriam (a estrangeiros) que já vivessem lá", afirmou Schonherr.
"Quase todo mundo - estudantes estrangeiros, professores e esportistas - poderiam receber uma proposta. E as pessoas geralmente não rejeitavam."

Mas, estes estrangeiros não se envolviam com o assunto do filme e "eram péssimos atores em sua maioria", acrescenta o especialista.

Alguns dos atores americanos mais conhecidos a atuarem em produções norte-coreanas foram Charles Jenkins, Larry Abshier, Jerry Parish e James Dresnok, que desertaram para a Coreia do Norte na década de 1960.

Os quatro fizeram papéis de capitalistas malvados em uma série de filmes de propaganda, Heróis sem Nome, de 1978.

Charles Jenkins disse depois que foi obrigado a atuar nos filmes e que ir para a Coreia do Norte foi a "coisa mais estúpida" que ele fez.
James Dresnok, ainda está no país e seria famoso entre os norte-coreanos.

3- O filme irá até você
O cinema é popular no país provavelmente devido às opções limitadas de diversão noturna.

"Assistir a filmes é, ou pelo menos costumava ser, um dos passatempos prediletos (no país)", disse Schonherr.

Desertores norte-coreanos entrevistados pelo escritor descreveram memórias agradáveis de sessões de cinema nos anos 1980 e 1990. "O cinema era o local onde eles se encontravam com os amigos", acrescentou o especialista.

No entanto, os filmes norte-coreanos também eram mostrados em fábricas, fazendas coletivas e unidades do Exército, segundo Mark Morris, professor palestrante da Faculdade de Estudos da Ásia e Oriente Médio da Universidade de Cambridge.

"Não é uma questão de comprar o ingresso para ver seu filme favorito - você receberia a programação e, geralmente, era uma boa ideia aparecer na sessão", disse.

Frequentemente um comissário estaria na sessão e perguntaria aos presentes qual era a avaliação do filme, segundo Morris.
Assim, as "pessoas teriam o cuidado de entender a mensagem política dos filmes".

4- Uma mensagem: promover os Grandes Líderes
Os filmes da Coreia do Norte se encaixam em vários gêneros diferentes, mas todos têm a mesma mensagem.

"Tudo se volta para a promoção de Kim Il-sung, Kim Jong-il ou do partido", afima Simon Fowler, um crítico de cinema e autor de um blog sobre os filmes norte-coreanos.

Os longas que se passam antes da era Kim mostram "um contraste entre a vida no pasado e a vida muito melhor (sob o domínio dos Kim)", disse.

Por exemplo: A Florista mostra a Coreia do Norte sob a ocupação japonesa, com os personagens sofrendo com a opressão dos proprietários de terras, apoiados pelos japoneses.

A situação muda quando membros do Exército Revolucionário Coreano chegam para acabar com o poder dos proprietários, como em uma previsão de um futuro melhor na Coreia do Norte "liberada" pelo Exército de Kim Il-sung.

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    Os líderes norte-coreanos são sempre assunto nos filmes, mas nunca aparecem

Outro exemplo são os filmes de artes marciais, nos quais os vilões são sempre japoneses ou americanos, de acordo com Johannes Schonherr.

Mas, apesar das tensões com a Coreia do Sul, os sul-coreanos não são mostrados de uma forma tão ruim.

"Se eles são sul-coreanos, sempre há esperança, e eles geralmente são educados ou convencidos no final do filme", disse Schonherr.

5- ... Mas não mostrá-los na tela
Raramente os líderes Kim Il-sung e Kim Jong-il serão vistos nos filmes do país.

Eles são mostrados de forma indireta.

"Por exemplo, em um filme de guerra, alguém vai atender um telefonema de Kim Il-sung dando uma grande sugestão militar", dise Morris.
"Todos vão arrumar as próprias roupas quando o telefone tocar e o general vai pegar o telefone como se fosse um objeto vivo e brilhante."

Simon Fowler descreve uma cena do longa Maratonista, no qual a protagonista é mostrada correndo em uma colina para tentar ver o comboio de Kim Jong-il.

Ela não consegue ver o comboio, mas toca os rastros dos pneus.

"Ela chora, emocionada, por ter tocado os rastros do pneu (do comboio)", disse Fowler.

6- O Exército também atua
Os laços da Coreia do Norte com os vizinhos e a história com o Japão, que colonizou o pais entre 1910 e 1945, fazem com que filmes épicos de guerra sejam parte central da estratégia de propaganda.

"Estruturalmente, a ocupação japonesa é absolutamente crucial para os filmes norte-coreanos", disse Morris.

O Exército norte-coreano dirige um centro de produção específico para filmes de guerra, segundo Morris.

"Eles fornecem soldados como figurantes, de graça, além dos equipamentos necessários."

Lynn Lee mostrou a indústria cinematográfica da Coreia do Norte em seu documentário The Great North Korean Picture Show.

Ela teve acesso ao set de filmagens de um longa de guerra "que tinha um elenco de centenas de soldados", dirigidos pelo cineasta norte-coreano Pyo Hang.

O documentário mostra o diretor repreendendo os soldados pelo fato de eles não se mostrarem tristes o bastante em uma cena em que são obrigados a entregar as armas para os japoneses. Para fazer os soldados chorarem a solução foi usar colírio.

7- Filmes mostram mulheres fortes e homens comuns
A Coreia do Norte sempre foi liderada por homens, mas sua propaganda mostra personagens femininos fortes.

Atletas, militares, espiãs e até uma controladora de trânsito já foram personagens de filmes.

Heróis masculinos são mostrados em filmes mais antigos, especialmente os de artes marciais, mas há "muitos homens fracos" nos filmes recentes, segundo Mark Morris.

"Normalmente, as mulheres precisam ensinar os homens a serem bons seguidores".

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    Longas mostram mulheres fortes e homens comuns, mas as mulheres têm como único destino o casamento

Morris acredita que isto se encaixa na narrativa de propaganda de Pyongyang.

"As figuras abrangentes na Coreia do Norte são homens da família Kim. Eles não querem adversários, então você não tem um herói masculino", afirmou.

As personagens femininas podem ser fortes, mas elas sempre sabem que lugar devem ocupar no final.

"Mulheres fortes (nos filmes) geralmente acabam tendo que se casar - as vidas delas não são consideradas completas antes disso", afirmou Morris.

8- Mr. Bean chegou à Coreia do Norte
A imprensa e a internet são controladas, mas alguns filmes estrangeiros conseguem chegar ao país.

Estes filmes são mostrados no Festival Internacional de Cinema de Pyongyang, que ocorre a cada dois anos.

Entre os filmes exibidos estavam os longas do Mr. Bean e Elizabeth - A Era de Ouro. O musical Evita provavelmente foi o único filme americano a ser mostrado na Coreia do Norte.

Fora do festival é raro para um norte-coreano assistir a filmes estrangeiros. No entanto, a comédia de futebol britânica Driblando o Destino se transformou no primeiro a ser exibido na televisão norte-coreana em 2010, como parte dos esforços da Grã-Bretanha para se aproximar do país.

O filme foi considerado apropriado devido ao amor dos norte-coreanos pelo futebol.

9- Bicicletas estão proibidas
Alguns cineastas estrangeiros que tiveram permissão para entrar na Coreia do Norte contaram como os censores do país pensam.

Quando os diretores Lynn Lee e James Leong fizeram seus documentários sobre o cinema no país, eles tiveram que obedecer restrições severas, incluindo permitir que as imagens feitas fossem mostradas para os censores no final de cada dia de filmagem.

Como eles eram acompanhados durante a visita, as chances de gravar algo inapropriado eram relativamente limitadas. Mas, mesmo assim, alguns censores fizeram restrições surpreendentes.

"Os censorers não gostaram (de imagens de) pessoas em bicicletas ou pessoas com botões (das roupas) abertos", disse Lee.

Imagens de cabos elétricos nas ruas também foram proibidas.

"Acho... que eles queriam que a cidade e as pessoas parecessem arrumadas. Estou apenas imaginando isto, pois nunca nos encontramos como os censores", disse Lee.

10- Enquadre os Kim de forma apropriada
Outro ponto complicado para Lee foi como as imagens de Kim Il-sung e Kim Jong-il eram enquadradas.

"Os censores não gostavam de imagens que enquadravam os líderes de forma incompleta. Eles tinham que ser totalmente enquadrados. Se você cortasse uma parte de uma imagem ou estátua, as cenas seriam rejeitadas", disse Lee.

"Isto gerava alguns problemas, pois fizemos muitas imagens e, algumas vezes, você nem percebia que (a imagem ou estátua dos líderes) estava lá quando a câmera estava focada em alguém em frente a eles."

Uma parte inteira do documentário de Lee teve que ser refeita pois se passava no Museu de Cinema da Coreia do Norte e as imagens da família Kim não tinham sido enquadradas de acordo com o gosto dos censores.