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Por que querem na Califórnia que atores pornôs usem óculos?

Proposta na Califórnia quer obrigar atores pornôs a usar óculos para proteção a DSTs  - Thinkstock
Proposta na Califórnia quer obrigar atores pornôs a usar óculos para proteção a DSTs Imagem: Thinkstock

Jaime González

Da BBC Mundo em Los Angeles

10/06/2015 10h21

O carteiro toca a campainha. Uma bela jovem abre a porta e o convida a entrar. Seus olhares se cruzam e, de repente, os dois estão tirando a roupa. Mas quando estão completamente nus, antes de começar o ato sexual, ambos colocam óculos protetores.

Essa cena, com algumas variações, poderá ser vista, segundo a mídia norte-americana, nos filmes pornográficos da Califórnia, caso entre em vigor uma nova regra sobre segurança na indústria do cinema adulto. A proposta está sendo estudada na região oeste dos Estados Unidos.

A regulamentação – elaborada pela divisão californiana da Administração Americana de Saúde e Segurança no Trabalho (OSHA, na sigla em inglês), cujo projeto foi apresentado recentemente – tem como objetivo proteger atores e atrizes pornôs do contágio de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como HIV, gonorreia e clamídia.

Além de contemplar o uso obrigatório do preservativo e a adoção de padrões de higiene rígidos, a regra prevê o uso de barreiras protetoras para os olhos quando houver risco de exposição a fluídos corporais potencialmente infecciosos, como sêmen e sangue.

Assim, os atores deveriam usar óculos ou outros sistemas de proteção ocular para finalizar certos atos sexuais nos filmes pornôs. Caso contrário, a orientação seria simular as cenas, a não ser que os envolvidos queiram ser multados pelas autoridades.

Integrantes da Indústria pornográfica consideram que normas atuais já são eficientes  - Thinkstock - Thinkstock
Integrantes da Indústria pornográfica consideram que normas atuais já são eficientes
Imagem: Thinkstock

Danos à indústria

A divulgação do projeto da nova regra causou protestos da indústria pornográfica na Califórnia. Representantes consideram que as normas de segurança já aplicadas – que incluem submeter os atores a exames a cada 15 dias para detectar DSTs – são suficientemente eficientes para evitar contágios.

Além disso, eles pontuam que obrigar o uso da camisinha e de óculos protetores prejudicará o negócio, já que são elementos que seus consumidores não querem ver em suas fantasias sexuais.

Como exemplo, eles citam a lei que entrou em vigor no condado de Los Angeles em novembro de 2012, que obriga os atores pornográficos a usar preservativos – e que fez com que as solicitações de autorização para rodagem de filmes do gênero caíssem 90% em 2013.

Por trás dessa legislação, estava Michael Weinstein, presidente da Fundação Aids Healthcare (AHF, na sigla em inglês), uma das organizações de luta contra o HIV mais importantes dos Estados Unidos – que também apoiou a nova regulação estatal sobre segurança na indústria de cinema adulto.

"Os que escreveram essa regra não sabem o que acontece em uma filmagem pornô. Algumas das regras que eles querem implementar, por exemplo, são as mesmas que se aplicam a trabalhadores de um hospital, e não acreditamos que isso seja adequado", pontuou à BBC Diane Duke, presidente da Coalisão pela Liberdade de Expressão, organização que representa os interesses da indústria pornográfica.

"Temos protocolos de segurança muito eficazes para os atores. Não houve uma infecção de HIV sequer em filmagens nos últimos dez anos", aponta Diane, acrescentando que, na hora de elaborar a regra, a OSHA não levou em consideração as opiniões dos atores e atrizes pornôs.

"Para poderem participar do filme, os atores se submetem a exames a cada duas semanas e, se têm qualquer resultado alterado, não podem atuar. Assim evitamos contágios", ressaltou Diane.

Norma na Califórnia já determina uso obrigatório de preservativos em filmes pornôs  - Thinkstock - Thinkstock
Norma na Califórnia já determina uso obrigatório de preservativos em filmes pornôs
Imagem: Thinkstock

Na opinião de Amy Martin, que é conselheira da OSHA na Califórnia e esteve envolvida na elaboração da nova regra, os exames e as demais medidas citadas por Diane "não são efetivos".

"Sabemos que, mesmo com os exames, houve inúmeros casos de contágio de doenças. Apesar das melhores análises, existe um período de tempo em que os vírus podem estar em estado latente e não ser identificados, fazendo com que uma pessoa esteja contaminada sem que saiba", observou Amy à BBC.

"Acredito que com as manchetes que têm aparecido na imprensa sobre os óculos protetores estão fazendo a regra parecer ridícula. Mas não se trata disso. É muito importante. Os trabalhadores da indústria pornô, assim como os de outras indústrias, estão expostos a enfermidades potencialmente fatais, e queremos protegê-los", completou a conselheira da OSHA .

Segundo Amy, a entidade trabalha desde 2010 na elaboração da nova regra e, para isso, foram consultadas todas as partes envolvidas, incluindo representantes da indústria pornográfica.

Ele também nega que a norma proíbe a prática de atos comuns nos filmes pornográficos, como a ejaculação sobre o rosto de atores e atrizes. "Não nos importa o que é mostrado nos filmes. O que importa é como foi realizado, e há riscos para atores e atrizes", disse.

Jeffrey D. Klausner, especialista em DSTs da Universidade da Califórnia, diz que "não há nada de novo" no uso de óculos protetores. "Os códigos de segurança no trabalho da Califórnia já dizem há décadas que as pessoas que possam estar expostas no trabalho a substâncias infecciosas utilizem óculos protetores."

Ele reforça que "é possível contrair doenças sexualmente transmissíveis pelos olhos". Klausner acredita que, da mesma maneira que aconteceu com outras indústrias no passado, "a pornográfica está usando qualquer tática que esteja a seu alcance para evitar proteger seus trabalhadores".

Caso a nova regra entre em vigor, será preciso aguardar seus efeitos na indústria pornô do sul da Califórnia, que durante décadas tem sido o epicentro da produção de cinema de conteúdo adulto nos Estados Unidos.