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Indicado ao Oscar, "Lixo Extraordinário" mostra a relação entre arte, lixo e realidade brasileira

Vik Muniz em foto do filme "Lixo Extraordinário", dirigido por Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley - Vik Muniz Studio / EFE
Vik Muniz em foto do filme "Lixo Extraordinário", dirigido por Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley Imagem: Vik Muniz Studio / EFE

Marco Sanchez

30/05/2011 14h30

Vik Muniz talvez seja hoje o artista plástico brasileiro mais bem sucedido no exterior. Seus quadros são expostos e vendidos nos principais museus e galerias mundo afora e mesmo no Brasil ele conquistou certa popularidade. Uma marca do trabalho de Muniz é sua capacidade de recriar de maneira criativa, utilizando matérias e formas inusitadas.

Essa criatividade para transformar é o que dá vida ao filme Lixo Extraordinário, que mostra o desenvolvimento de um projeto de Muniz com os catadores de lixo do Jardim Gramacho (RJ), o maior aterro sanitário do mundo. O documentário entra em cartaz na Alemanha depois de ser exibido em diversos países, além de ter sido indicado ao Oscar de melhor documentário.
 
O filme vai além do trabalho de Muniz. O otimismo e a capacidade de transformação do povo brasileiro é que dão vida ao filme, envolvendo, no decorrer do trabalho, artista e catadores. A transformação do lixo em arte é o gancho para mostrar a esperança e a transformação dos catadores envolvidos no projeto.
 
Além disso, é feito um paralelo com a carreira e a história de Muniz, que teve um passado humilde e hoje alcançou o sucesso. Karen Karley, codiretora do filme ao lado da inglesa Lucy Walker e do brasileiro João Jardim, conversou com a Deutsche Welle sobre o projeto que teve trilha sonora composta pelo americano Moby. 
 
Deutsche Welle: Como surgiu a ideia de Lixo Extraordinário? Como você entrou no projeto?
 
Karen Harley: A ideia de fazer um filme sobre Vik Muniz veio originalmente de Angus Ainsley, produtor inglês do filme. O Vik, que não queria mais um documentário sobre sua carreira artística, sugeriu então que o Angus produzisse um filme sobre uma série que ele estava pensando em fazer e que envolvia lixo reciclável. Aonde e como seria feito o trabalho Vik ainda não sabia, foi um processo que veio ao longo do filme.
 
Eu entrei no projeto com João Jardim, em janeiro de 2008, quando Vik ia começar a fotografar os catadores no Jardim Gramacho e conhecer os personagens. A diretora inglesa Lucy Walker já não estava mais no filme. Entrei primeiro como montadora e o meu trabalho inicial era estruturar uma narrativa já que não tínhamos roteiro. Quando João saiu do filme, em junho de 2008, eu assumi a direção.
 
DW: A história do artista de sucesso se relacionando com os pobres catadores de lixo poderia cair no piegas e no maniqueísmo. Essa foi uma preocupação na concepção e na realização do filme?
 
Karen Harley: Essa preocupação em não cair no piegas sempre existiu, desde que eu e João entramos no filme até o último corte. Nós não queríamos fazer um "filme de ajuda" em que o herói salva os pobres ou um filme didático ou um making off de um trabalho de arte. Através do Vik, tivemos a oportunidade de conhecer personagens únicos e reveladores de um Brasil que ninguém quer ver. Personagens dignos, inteligentes e bem-humorados mesmo enfrentando as piores situações de trabalho e moradia.
 
Nós nos preocupamos em como revelar esses personagens, que se tornaram a alma do filme. Tentamos sempre ser fiéis ao que eles estavam sentindo em relação às novas propostas que lhe eram feitas ao longo do trabalho. Mas, sim, tem alguns momentos em que o filme beira o piegas.
 
DW: Como foi o processo de casar o seu olhar e o olhar estrangeiro em um assunto tão brasileiro?
 
Karen Harley: Não foi fácil. Fora os dois produtores ingleses, toda a equipe era brasileira. Não queríamos fazer um filme com "elementos brasileiros exóticos". Depois do filme montado e mixado, Lucy Walker voltou ao projeto para fazer algumas modificações com um olhar mais estrangeiro.
 
DW: No trabalho de Vik Muniz, muitas vezes a forma e o conteúdo são complementares. Houve alguma influência da arte de Vik na forma de pensar e realizar o filme?
 
Karen Harley: Vik menciona no filme que, para ele, o momento mais importante de criação é quando uma coisa se transforma em outra. Pensamos muito na ideia de transformação ao longo do filme. A transformação do lixo em valor para os catadores e em arte por meio do encontro deles com o Vik.
 
E qual seria a transformação dos catadores a partir de sua experiência com arte? A facilidade de inteiração e troca que Vik tinha com os personagens também foi muito estimulante para toda a equipe.
 
DW: O filme também tem a intenção de levantar uma questão ambiental em relação ao lixo e o desperdício?
 
Karen Harley: A ideia inicial não era tratar de questões ambientais. Mas é inevitável você abordar essas questões uma vez que você vai filmar no Jardim Gramacho e se confronta com a realidade de toneladas de lixo que chegam ali diariamente e de pessoas que vivem catando o lixo no próprio aterro sanitário.
 
Se você tem 40 anos ou menos e mora no Rio de Janeiro, todo o lixo que você produziu na vida está ali. Eu tenho percebido que o filme cria no espectador uma consciência de querer saber para onde vai o seu lixo, como fazer para produzir menos lixo e como reciclá-lo.
 
DW: Como você vê o cenário do cinema brasileiro hoje, tanto na ficção como no documentário?
 
Karen Harley: Temos uma variedade muito grande de filmes, tanto de ficção e documentários como filmes que flertam com esses dois gêneros. O cinema brasileiro está cada vez mais presente em importantes festivais internacionais. Jovens cineastas filmando de formas mais artesanais, com propostas de linguagem ousadas e instigantes. Produz-se muito no Brasil. O desafio agora é pensarmos em mais e diferentes formas de distribuição e exibição. Criação de público, cinemas mais baratos e mais salas espalhadas por todo o país.
 
DW: Lixo Extraordinário foi seu primeiro projeto de longa como diretora? Como foi a transição entre montar e dirigir?
 
Karen Harley: Os outros filmes que dirigi, todos curtas, também são com artistas plásticos, como Ernesto Neto e José Leonilson. Continuo fazendo as duas coisas, montando e dirigindo.
  
DW: Quais são seus futuros projetos?
 
Karen Harley: No momento estou montando o longa de ficção Era uma vez Verônica, dirigido por Marcelo Gomes, diretor com quem colaborei nos filmes Viajo porque preciso, volto porque te amo e Cinema, aspirinas e urubus.