Dez anos após sua morte, George Harrison brilha em documentário de Scorsese
Madri, 28 nov (EFE).- Dez anos depois da morte de George Harrison, que se completam nesta terça-feira, a reedição de sua música e o olhar de um de seus admiradores mais ilustres, o cineasta Martin Scorsese, contribuem para libertar o beatle mais enigmático da sombra de John Lennon e Paul McCartney.
Harrison morreu de câncer aos 58 anos no dia 29 de novembro de 2001 em um hospital de Los Angeles. Sua longa batalha contra a doença lhe permitiu cumprir seu objetivo de preparar a consciência "no momento em que devia abandonar seu corpo", relata sua viúva, a mexicana Olivia Trinidad Arias, no documentário recentemente lançado por Scorsese, "Living in the Material World".
Vamos a 1965. Os Beatles rodam com Richard Lester seu segundo longa-metragem, "Help". A disparatada trama inclui uma cena em um restaurante indiano, onde a banda saboreia a refeição ao som de músicas tradicionais.
Conta Harrison que, quando terminaram de filmar a cena, começou a tocar os instrumentos deixados pelos músicos indianos e que se sentiu atraído por aquele som diferente. Não pensou duas vezes e foi a uma loja comprar um sitar.
Teve a oportunidade de utilizá-lo logo após as sessões do álbum "Rubber Soul", quando buscavam uma correção para "Norwegian Wood", composição de Lennon que não emplacou no início. Foi uma grande descoberta: com esses sons orientais, a música pop dava um salto para horizontes insuspeitados.
Harrison encontrou na música indiana um caminho de afirmação artística para se destacar dos colossais Lennon e McCartney e de busca espiritual, num momento em que começava a sofrer os efeitos da asfixiante fama do grupo.
Foi guiado por Ravi Shankar, o grão-mestre da música tradicional indiana, que lhe introduziu nas técnicas do sitar e na meditação transcendental.
Harrison não se conformou em incorporar novos sons aos discos dos Beatles - em temas como "Love You To", do álbum "Revolver", e "Within You Without You", do álbum "Sgt. Pepper" -, mas arrastou todo o grupo à Índia em 1968 para seguir as doutrinas do guru Maharishi Mahesh Yogi sobre meditação.
As contribuições do "pequeno George", o "irmão caçula" do grupo, ganharam em consistência nos últimos álbuns dos Beatles.
Em sua recente biografia do grupo, o engenheiro de som Geoff Emerick, que reconhece que nunca teve boa química com Harrison, destaca que o guitarrista manteve uma trajetória artística ascendente que o levou a compor obras-primas do período final dos Beatles, como "Something" e "Here Comes The Sun".
Nos últimos tempos, o produtor artístico dos Beatles, George Martin, lamentou não ter prestado mais atenção às composições do guitarrista, que foi acumulando material à espera de poder emplacar seus temas entre os que levavam a assinatura Lennon-McCartney.
Assista ao trailer de "George Harrison: Living in the Material World"
Harrison se vingou após a dissolução do grupo, quando deu rédeas soltas a toda sua criatividade em "All Things Must Pass" (1970), o monumental triplo LP que é considerado a melhor obra de um beatle sozinho.
Em 1971, promoveu em Nova York o primeiro megashow beneficente da história, em favor das vítimas das inundações em Bangladesh. O chamado The Concert for Bangladesh reuniu estrelas como Eric Clapton, Bob Dylan e até o ex-beatle Ringo Starr.
Sua poliédrica personalidade não o impediu de misturar o material e o espiritual. Harrison comprou um palácio inglês para viver e percorreu circuitos de todo o mundo guiado por sua paixão pelos carros de corrida.
Seus problemas com cocaína e sua personalidade mulherenga são revelados de maneira sutil por Scorsese, que apresenta o guitarrista também como um catalisador artístico capaz de reunir nos anos 1980 as lendas Bob Dylan, Roy Orbison, Tom Petty e Jeff Lynne no quinteto dos sonhos Travelling Wilburys.
Nos últimos anos, também veio à tona sua faceta de produtor cinematográfico, que financiou os arriscados e ousados projetos de humor dos Monty Phyton.
Harrison nunca abandonou sua paixão pela música, mas jamais se sentiu tão à vontade em um palco como o hiperativo Paul McCartney. Sofreu o lado mais obscuro da fama quando foi atacado com uma faca por um doente mental em sua própria casa em 1999, quase 20 anos depois do assassinato de John Lennon.
Sobreviveu, mas os ferimentos complicaram o câncer de pulmão que já sofria. Morreria dois anos depois, convencido, como dizia em sua canção, de que "todas as coisas devem passar".
Desde então, as reedições dos álbuns dos Beatles e de seus discos solo facilitaram novas leituras do legado de um artista que buscou um caminho além da fama e que abriu ao mundo sua fascinante vida interior.
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