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Beijos em Bollywood confrontam conservadores e liberais da Índia

07/05/2013 06h16

Cenas censuradas de filmes com beijos e danças sensuais foram exibidas recentemente pela primeira vez em Nova Délhi e acenderam o debate em torno do que é admissível de ser projetado nas telas indianas.

A Índia mais conservadora e a mais liberal se chocaram na conferência "Sexo, nudez, dança, o beijo e o retrato da mulher", do Festival Cut-Uncut, que permitiu um recorrido pela história dos beijos e da mulher no cinema indiano.

Uma questão sensível após o estupro e morte de uma estudante em Nova Délhi em dezembro do ano passado, que despertou um debate sem precedentes sobre a situação da mulher na Índia.

Pankaja Thakur, presidente da Comissão Central de Certidão Cinematográfica (CBFC), organismo que regula os conteúdos audiovisuais, defendeu no debate posterior à projeção a necessidade de cortar as cenas "inapropriadas".

"Não somos um grupo de funcionários felizes com tesouras cortando cenas, mas somos muito sensíveis aos interesses das mulheres", declarou.

A crítica de cinema e membro da CBFC, Shubhra Gupta, acrescentou que "a censura tenta proteger a sensibilidade das pessoas".

Bollywood foi apontado como um dos culpados da violência contra as mulheres no país asiático, por apresentar a mulher como um objeto, segundo os críticos, e alguns setores pediram que fossem mais rígidos os cortes de cenas mais fortes.

Porém, a polêmica produtora Ekta Kapoor defendeu seu direito à liberdade artística.

"Se nossos filmes te ofendem, não os veja. É uma democracia", alegou Ekta, que acrescentou: "Não nos peçam às mulheres que nos tapemos e escondamos. Mudem essa mentalidade".

O diretor Luv Ranjan, de "Akaash Vani" e "Pyaar Ka Punchnama", despertou os aplausos do público mais liberal com suas provocadoras intervenções.

"Posso ser o pervertido que eu quiser enquanto não prejudicar ninguém", afirmou o cineasta, que completou: "Dizer que há estupros por causa das danças em filmes é uma grande piada".

A indústria do cinema indiano, a maior do mundo e conhecida como Bollywood, completou 100 anos no último dia 3 de maio, aniversário do filme "Rei Harishchandra", dirigido por Dadasaheb Phalke.

Hoje a indústria indiana produz cerca de mil filmes ao ano e vende quase três bilhões de entradas anuais, relativamente indiferente aos encantos de Hollywood, que alcançou apenas 6,8% da arrecadação local em 2011.

Bollywood, a maior paixão indiana junto com o críquete, é um reflexo da sociedade do país asiático, com a censura hoje presente inclusive nas produções estrangeiras, das quais são apagadas cenas sensuais e se substituem insultos por assobios.

Shubhra Gupta explicou que a censura começou na época colonial britânica e então se tratava o espectador como uma "criança vulnerável".

Até os anos 1940 se mostravam beijos nas telas indianas, mas, após a independência em 1947 e a criação do CBFC em 1952, as autoridades decidiram que as imagens de beijos não "pertenciam à cultura da Índia".

Passariam décadas antes que os beijos retornassem aos filmes do país do Kama Sutra e até os anos 90 estes eram representados com imagens de duas flores ou dois cisnes se aproximando.

O beijo de Aamir Khan e Karisma Kapoor sob a chuva e entre relâmpagos e trovões no filme "Racha Hindustani" em 1996 devolveu certa respeitabilidade ao ósculo em Bollywood, o que permitiu uma relativa liberalização que se acentuou na atualidade.

A tensão entre os cineastas e o CBFC é inevitável e as consequências econômicas de não obter um certificado para todos os públicos exclui a possibilidade de exibir um filme na televisão e pode afundar uma produção.

Além disso, alguns setores de uma sociedade que se transforma rapidamente pedem mais liberdade e que se deixe de tratar o espectador como "crianças vulneráveis".

"As violações são cometidas por doentes, não pelos filmes", argumentou um jovem estudante do público do festival. "Por que o governo é quem tem que decidir o que posso ver ou não?", questionou outro universitário.