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Arqueólogos do cinema recuperam filmes perdidos

Mateo Sancho Cardiel

11/08/2013 08h45

Em 118 anos de história, o cinema desenvolveu sua própria arqueologia, que encontra tesouros perdidos como a estreia de Orson Welles, "Too Much Johnson" (1938), recém descoberta na Itália, e a obra prima renegada por Stanley Kubrick, "Medo e Desejo" (1953), e ainda procura por filmes de Hitchcok, Lubitsch e Chaplin.

"Em busca do filme perdido" poderia denominar esta brincadeira metacinematográfica, que atrai vários candidatos a Indiana Jones à caça de celuloides com paradeiro desconhecido e quase sempre com um bom roteiro que explica seu desaparecimento.

O último deles, o italiano Paolo Cherchi Usai, muda aquilo que "Cidadão Kane" (1941) é a melhor estreia de um diretor da sétima arte, pois, na realidade, era o segundo filme de Welles, após "Too Much Johnson", que o diretor abandonou em plena sala de montagem e tinha dado por perdido depois de um incêndio em sua casa de Madri em 1970, onde pensava que guardava a única cópia.

Encontrada na cidade italiana de Pordenone, "Too Much Johnson" é uma comédia muda que, 75 anos após sua filmagem e depois de ter passado por um complexo processo de restauração, estreará no dia 9 de outubro na Itália.

A história lembra o que aconteceu em 2008 nos arquivos do Museu do Cinema de Buenos Aires, onde Fernando Peña encontrou 30 minutos perdidos da obra prima do expressionismo alemão "Metropolis" (1927), de Fritz Lang.

Este fragmento havia sido dado como desaparecido desde 1973 e completa a versão mais próxima à assistida em sua estreia em 1927 e que depois passou pelas censuras da Alemanha nazista e de Hollywood na época.

O filme de Lang, o único considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco junto com "Os Esquecidos" (1950), de Luis Buñuel, foi restaurado e estreou em versão completa em grande estilo em pleno Portão de Brandemburgo no Festival de Berlim de 2010.

Uma história mais casual afetou a versão alternativa de "Shadows", de John Cassavetes, considerada pedra de fundação do cinema independente americano, depois que, em 2004, um professor da Universidade de Boston revelou ter encontrado na seção de objetos perdidos do metrô de Nova York a única cópia do filme exatamente como foi exibido no Festival de Veneza em 1957.

Há anos, o cineasta Martin Scorsese dedica parte de seu tempo a recuperar obras primas. "Metade dos filmes americanos anteriores a 1950 e 90% dos gravados antes de 1929 se perderam para sempre", garante sua instituição Film Foundation, que recuperou verdadeiras joias de Georges Meliés, além de restaurar a fita favorita de Scorsese, "Os Sapatinhos Vermelhos" (1948).

Alguns desses títulos extintos tinham recebido excelentes críticas, como a comédia de 1928 "The Patriot", de Ernest Lubitsch e com o ator Emil Jannings, da qual não se tem cópias, e, também desse ano, a primeira parceria entre Greta Garbo e Victor Sjöstrom, "The Divine Woman", que deu à atriz o título de "a divina", e desapareceu para sempre.

Um caso não tão antigo teve como protagonista o próprio Orson Welles, embora só como ator. "Where Is Parsifal?", exibido em Cannes em 1984, e que depois se perdeu inexplicavelmente nos labirintos da distribuição, embora em 2013 tenham aparecido cópias em VHS na Austrália.

Em alguns casos, as perdas foram propositais. Stanley Kubrick definiu seu primeiro filme, "Medo e Desejo", como "um fracasso de um cineasta amador. Uma raridade completamente inepta, aborrecida e pretensiosa" e tentou queimar todos os seus negativos.

No entanto, uma cópia que tinha ficado no arquivo de segurança da Kodak arruinou sua intenção de fazer de "A Morte Passou Perto" (1995), muito mais digna de seu talento, sua estreia oficial.

O mesmo também aconteceu com uma versão de "A Woman of The Sea" (1926) de Chejov dirigida por Charles Chaplin e Josef Von Sternberg. Ambos a odiaram e foi o diretor de "Tempos Modernos" o encarregado de queimar os negativos.

Na época dos anos dourados de Hollywood, por outro lado, eram os grandes estúdios que, em algumas ocasiões, "sequestravam" filmes europeus quando queriam fazer suas versões deles.

Foi isso que ocorreu em 1939 com "Trágico Amanhecer", de Marcel Carné e protagonizado por Jean Gabin, que a RKO transformou em "Noite Eterna" (1947), dirigido por Anatole Litvak e com Henry Fonda como um dos protagonistas, apesar de não terem obtido sucesso, já que em 1950 já circulavam cópias da versão francesa.

Um caso semelhante foi "À Meia Luz" (1940), o filme britânico de suspense que a Metro Goldwyn Mayer quis neutralizar, sem sucesso, para rodar em Hollywood o filme de mesmo nome que foi lançado em 1944 e deu à atriz Ingrid Bergman seu primeiro Oscar nesse mesmo ano.

Em 2010, o British Filme Institute publicou em seu 75º aniversário a lista dos 75 filmes britânicos perdidos mais procurados, o que resultou na descoberta do paradeiro de alguns deles, mas não "The Mountain Eagle" (1926), segundo filme de Alfred Hitchcock e que o diretor tinha descrito como "terrível" e "ridículo".