Para os criadores de "As Melhores Coisas do Mundo", os jovens de hoje não mudaram tanto assim
O casal Laís Bodanzky e Luís Bolognesi é responsável por um dos melhores filmes da temporada, “As Melhores Coisas do Mundo”, sobre o rito de passagem da adolescência, atração de ontem na competição do Cine PE 2010. Em cartaz há duas semanas no país, o filme já foi visto por mais de 150 mil espectadores, uma boa marca para um filme voltado ao público adolescente. Laís dirige e Luiz escreve o roteiro dos três longas da dupla – antes desse, houve “Bicho de 7 Cabeças” (2001) e “Chega de Saudade” (2008). O casal passou mais de um ano ouvindo os jovens nos colégios de classe média de São Paulo para saber quais os seus principais conflitos, medos, expectativas e desejos. Confira um pouco do que eles descobriram na entrevista a seguir:
UOL Cinema - O jovem de hoje amadurece mais cedo do que há 20 ou 30 anos?
Laís Bodanzky – Os pais têm uma ideia errônea de que os filhos hoje transam mais cedo, têm um grande excesso de liberdade sexual, o que não é verdade. Os jovens sabem que os pais têm essa visão e são obrigados a conviver com esse imaginário. São pouquíssimos os jovens que disseram ter transado aos 13 anos, por exemplo. A maioria das meninas afirma ter perdido a virgindade no terceiro ano do ensino médio ou no primeiro ano da faculdade.
Luiz Bolognesi – Fiquei surpreso de ver como os adolescentes não mudaram muito da minha época pra cá. As roupas são parecidas, eles continuam gostando de usar All Star, até o cabelinho na testa que está na moda tinha no meu tempo também. Mesmo a coisa de os rapazes perderem a virgindade em puteiro ainda existe. Não são todos, claro, mas alguns ainda fazem isso. Encontramos de tudo: tinha escola em que era uma vergonha o menino dizer que nunca tinha ido em puteiro; em outras, a vergonha era assumir que já tinha ido.
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UOL Cinema - E a tese de que o jovem hoje é menos politizado que o dos anos 60 e 70?
Laís – Esse é outro mito. Percebi que o jovem de hoje é politizado ou despolitizado na mesma proporção daquela época. O que acontece é que os politizados dos anos 60 e 70 faziam muito barulho e ficaram no nosso imaginário. Nas escolas, você geralmente encontra aquela turma mais sensível, que gosta de ouvir Chico e Caetano, conhece esses artistas pelas releituras que se fazem hoje, como Fernanda Porto. Eles são chamados pelos colegas de “alternativos” ou “hippies chiques”. O Francisco (Miguez, que interpreta o protagonista Mano) é um típico alternativo.
UOL Cinema - A questão da homossexualidade é mais tranquila entre os jovens de hoje?
Luiz – Também sinto que não mudou muito. Hoje é comum as meninas se beijarem no colégio, por exemplo, mas outros jovens consideram que é um beijo sem valor. Muitos vinham me alertar: “Cuidado, muitas meninas se beijam porque está na moda, mas são heterossexuais e muito preconceituosas, não se misturam com as lésbicas”. Claro que é mais fácil para o jovem assumir sua homossexualidade hoje, mas a questão continua muito difícil na esfera da família, da aceitação dos pais. É um universo de incerteza absoluta.
UOL Cinema - Como os jovens sugeriram que as drogas fossem retratadas no filme?
Laís – Muitos me pediram para que as drogas não entrassem no filme porque não fazia parte do universo deles. A maioria quer beber, alguns fumam maconha e pouquíssimos usam cocaína. Mas eles sempre sabem quem usa (dizem “aquele fulano cheira”) e sabem onde achar se quiserem. Por outro lado, muitos me pediram para incluir o cigarro no filme, e eu fiquei surpresa em descobrir que a ideia de geração saúde não é tão forte assim entre eles. O cigarro ainda é importante na busca de afirmação, para se inserir no grupo ou impressionar alguém.
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"AS MELHORES COISAS DO MUNDO"
UOL Cinema - Uma das personagens é uma blogueira que posta comentários e vídeos sobre as fofocas da escola. Qual é a importância da internet para os jovens hoje?
Luiz – Tem um lado positivo que é o da literatura. Eu pesquisei muitos blogs de adolescente e encontrei uma literatura de primeira ali – contos, poemas, textos diversos. Esse é o lado representado no filme pelo Pedro (Fiuk). Para os gays e outros grupos de minoria, é uma janela saudável para o mundo: o menino só tem dois colegas gays, mas logo cria uma rede em que conhece outros 80, e percebe que não está sozinho no mundo. A internet também desmente o mito de que os jovens são alienados; eles costumam saber mais que todo mundo. Se de manhã eu falar sobre Tom Zé para um rapaz de 15 anos que nunca ouviu falar nele, ele dá um Google, pesquisa e já vem falar comigo à tarde.
O lado negativo é o do “vigiar e punir”, esse controle absoluto da vida dos colegas, que o Mano em uma cena chama de “Big Brother do mal”. Esse tipo de coisa sempre existiu nos colégios, mas hoje, com a internet, os recursos para se fazer esse “bullying” são muito maiores. É celular, torpedo, e-mail, MSN, Orkut. Ouvimos histórias barra-pesada, como a menina que teve que se mudar de país por causa do assédio moral no colégio e internet, ou do menino que era o galã da escola e foi vítima de um torpedo pra toda a escola dizendo que ele havia masturbado um amigo ao fim de uma festa.
Laís – Uma das coisas mais interessantes do blog é que o jovem manifesta seu desejo de que alguém o leia, como o Pedro no filme. Ouvimos histórias de pais que se aproximaram dos filhos depois de começarem a acompanhar o blog deles.
UOL Cinema - Quais são os próximos projetos de vocês?
Laís – Não tenho projeto de filme em vista; agora vou dirigir uma peça de teatro, “Menecma”, um dos primeiros textos do Bráulio Mantovani (roteirista de “Cidade de Deus”). É um texto surrealista com apenas três personagens. Os atores serão Gustavo Machado, Paula Coen e Roney Facchini.
Luiz – Estou preparando meu filme “Lutas”, um longa de animação sobre a história do Brasil, que estreia em 2011.
(O repórter viajou para o Recife a convite da organização do Cine PE)
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