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Helvécio Marins atualiza sertão de Guimarães Rosa em "Girimunho"

NEUSA BARBOSA,

Especial para o UOL, do Cineweb

28/06/2010 07h02

O vocabulário original do sertão mineiro imortalizado pelo escritor João Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas” continua vivo em São Romão, pequeno município do norte mineiro, na beira do Rio São Francisco. Mas a modernidade também já bate à porta numa cidade em que os adolescentes usam bermudas com motivos de skate e só falam de internet e telefonia celular.

Diretores do premiado curta “Trecho” (2006), os mineiros Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina preparam-se para começar a filmar nessa cidade, a partir do dia 2 de julho, seu primeiro longa, “Girimunho”. Ficção com pés fincados no documentário e que será coproduzido em parceria com a Espanha e a Alemanha, o filme tem no seu centro duas moradoras locais, Bastu e Maria do Boi, ambas com mais de 80 anos.

Integrante da produtora Teia e produtor de filmes como “Aboio” e “A Falta que me faz”, ambos dirigidos por Marília Rocha, Marins conta que seu novo filme é resultado de suas andanças pelo interior do Brasil há cerca de dez anos, como participante do projeto “Cinema no rio”, que exibe filmes brasileiros em regiões ribeirinhas. Mas não se limitou a isso. “Gosto de entrar na casa das pessoas, conhecê-las, ouvi-las. A princípio, até sem câmera, só com o bloquinho de anotações na mão”, descreve.

Foi assim que Marins entrou em contato com dona Maria Sebastiana, a Bastu, e Feliciano, o ferreiro da cidade – que morreu em dezembro de 2007. A ideia, em princípio, era focalizar o casal no centro do filme, que tem roteiro de Felipe Bragança (codiretor de “A Alegria”, exibido na Quinzena dos Realizadores do último Festival de Cannes). Depois, Marins e Clarissa decidiram incorporar também outra marcante personagem feminina de São Romão, conhecida como Maria do Boi.

“As duas são muito diferentes, o que tem muito a ver com toda a dramaturgia do filme”, explica Marins. Bastu, que ele conhece há cerca de 8 anos, “é a doçura em pessoa, aquele tipo de avó que todo mundo quer ter”. Segundo o diretor, “ela tem um imaginário muito forte, fala coisas que você pode não acreditar, mas ela acredita, como de um peixe dourado que rouba luz do sol, ou o fato de ela dizer que conhece São Paulo por seus sonhos”.

Maria do Boi, que o diretor encontrou há 5 anos, por sua vez, é musicista do tambor e do batuque, conhecida por uma dança com um boi que passa por toda a cidade. Ao contrário da imaginativa Bastu, Maria “tem uma coisa com a verdade”. “É mais brava e de uma inteligência impressionante. Tem grandes sacadas e uma destreza incrível para falar e descobrir, apesar de ela dizer que é ‘analfabética’”, acrescenta.

Feliciano, o marido morto de Bastu, que já tinha sido filmado por Marins, também fará parte de “Girimunho”. “Nós o filmamos trabalhando na oficina dele, que parecia a do Melquíades de ‘100 anos de solidão’, do Gabriel García Márquez. Usaremos estas imagens no prólogo do filme, até para homenageá-lo”, antecipa.

O roteiro inclui diversas situações vividas pelas intérpretes. “É bem a história da vida delas com algumas adaptações”, conta Marins. Ele acrescenta que, embora 70% das cenas sejam com as duas, o resto do filme incluirá a participação de outros personagens, estes jovens. “Elas tem netos cujos interesses e forma de falar e vestir são totalmente diferentes. Eles estão ligados na chegada da internet, do celular e usam as mesmas roupas que os jovens da periferia de Belo Horizonte”.

Apesar do elenco não profissional, o diretor acredita que eventuais dificuldades serão superadas pela experiência no dia a dia. “Não temos preparador de elenco e nem adiantaria tentarmos trabalhar com essa lógica com essas pessoas. Iremos testando a melhor forma de trabalhar com elas”. Mas reconhece que esse método tornará a filmagem mais lenta, com tempo estimado em torno de oito semanas.

Para Marins, “Girimunho” vai mostrar “um Brasil interiorano ignorado. Esse interior está passando por grandes transformações, muito mais do que se imagina, muito mais até do que nas capitais”. Ele acredita que, devido a provável longo período de montagem, devido à grande quantidade de material que se deverá produzir, o filme provavelmente só estará pronto no começo de 2011.

Segundo a produtora Sara Silveira, o orçamento para rodar está em torno do R$ 600.000,00 e deverá atingir, no máximo, R$ 2 milhões.