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Com opiniões de especialistas e médiuns, documentário retoma discussão sobre espiritismo em Gramado

Com pegada espírita, ""Contestado - Restos Mortais"" reconta conflito armado que aconteceu entre Paraná e Santa Catarina no começo do século 20  - Divulgação
Com pegada espírita, ''Contestado - Restos Mortais'' reconta conflito armado que aconteceu entre Paraná e Santa Catarina no começo do século 20 Imagem: Divulgação

NEUSA BARBOSA

Especial para o UOL, do Cineweb, de Gramado

11/08/2010 13h45

O concorrente brasileiro da noite de terça (10), o documentário “Contestado - Restos mortais”, de Sylvio Back, não foi econômico nem nas palavras, nem na duração – estendeu-se por 155 minutos, alinhando diversas entrevistas de historiadores e especialistas, além da intervenção de cerca de 30 médiuns, todos abordando, cada qual a seu modo, o famoso conflito do Contestado. Uma guerra que ocorreu entre 1912 e 1916, na fronteira entre o Paraná e Santa Catarina, e que, apesar da importância e do grande número de mortos (fala-se em 20.000), permanece de certo modo invisível na historiografia oficial - em que o conflito de Canudos (1896-1897) costuma ter muito maior espaço.

Back, que já havia abordado ficcionalmente o Contestado há 40 anos, em “ A Guerra dos Pelados” (1970), defendeu a volta ao assunto, afirmando, no debate desta manhã de quarta, que “apesar de tantas teses de doutorado a respeito, o Contestado está sumindo. Muita gente, inclusive moradores da região onde tudo aconteceu, nunca ouviu falar, nem mesmo os médiuns locais”.

Respondendo a perguntas sobre este que é o ponto mais polêmico de seu filme – a participação dos médius incorporando supostamente as vítimas do conflito -, o cineasta declarou: “Eu queria trazer à tona parte do imaginário do Contestado e tentei levar o transe mediúnico para dentro do filme”. Garantindo que “não é espírita”, Back afirma que “não encenou nada daquilo” e que “o contraditório de tudo isto também está no filme”.

Referindo-se ao que descreveu como “boom de filmes que mexem com o espiritismo” – um tema que entrou neste festival no domingo, com o documentário “O último romance de Balzac”, de Geraldo Sarno -, o diretor lembrou também que “teve a primazia” de entrar no assunto há 26 anos atrás. Isto aconteceu no curta documental “O autorretrato de Miguel Bakum” (1984), sobre o pintor paranaense que se suicidou em 1963 e para o qual o cineasta consultou uma médium de Curitiba, que teria incorporado o artista.

Outra experiência mística, segundo ele, teria ocorrido acidentalmente no set de “ A Guerra dos Pelados”, quando a atriz Dorothée Marie Bouvier, com dificuldades para encenar um transe mediúnico, teria dado a mão a um espírita da equipe de filmagem e realmente incorporado o monge José Maria, um dos líderes messiânicos do Contestado.

Silêncio e indígenas

Em compensação, o raro produto da escassa filmografia venezuelana, o documentário “Historia de um Dia”, da diretora estreante Rosana Matecki, seguiu, praticamente sem diálogos, em ritmo lento e com uma pegada quase etnográfica, as diversas atividades cotidianas de comunidades rurais e indígenas, incluindo preparativos para um casamento e um funeral.

A trilha do filme é quase toda feita de som ambiente e música, esta de autoria de Alejandro Rodríguez – compositor que morreu antes de sua estreia mundial no Festival Internacional de Documentários de Amsterdã em 2009, o maior do mundo do gênero e cujo instituto Jan Vrijman financiou a produção. O conceito deste documentário despojado e minimalista lembrou muito a produção cubana “Havana Suite”, de Fernando Pérez, premiado em vários festivais internacionais, como San Sebastian, Havana, Cartagena, Trieste e também Gramado, em que a obra venceu um Prêmio Especial do Júri em 2004. O filme cubano seguia as vidas de dez moradores da cidade de Havana.

Curtas

O segundo dia competitivo dos curtas-metragens apresentou produções bem mais interessantes e de melhor realização do que o primeiro. Foi o caso do concorrente baiano “Carreto”, de Cláudio Marques e Marília Hughes, que ultrapassa os clichês do politicamente correto e da temática da pobreza para retratar a amizade entre um menino (Ronaldo Batista dos Santos) que faz carreto e uma menina com deficiência física (Stephanie Souza de Jesus) – uma ficção cheia de humor, poesia e magnificamente fotografada (trabalho de Nicholas Hallet) e montada (também realizada pela codiretora Marília Hughes).

Outro curta protagonizado por crianças foi “Pimenta”, de Eduardo Mattos (SP), uma ficção divertida que investe fundo na imaginação e mesmo na crueldade infantil e inverte as expectativas ao relatar a travessura de um menino (Gustavo Mattos) que quebra a garrafa de pimenta ganha pelo pai (Ricardo Bittencourt). A mãe é interpretada por Sandra Corveloni, vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes por “Linha de Passe” em 2008.

“Vento”, de Márcio Salem (SP), tem seu forte numa cuidadosa direção de arte (de Flávio Takahashi) e na proposta fantástica de seu roteiro, que imagina uma cidade que sofre a interrupção total do vento, ocasionando comportamentos excêntricos de seus moradores, obcecados pela posse de ventiladores – entre eles, um menino que sonha voar, como Super-Homem. O elenco registra a presença de diversos atores famosos, caso de Débora Duboc (“Cabra-cega”), Zécarlos Machado (“A casa de Alice”) e Viviane Pasmanter (“Se eu fosse você 2”), além do cantor pernambucano Otto.

Já exibido em outros festivais – mas fazendo todo sentido ser reapresentado aqui, por ser gaúcho – “Os amigos bizarros de Ricardinho”, de Augusto Canani, arrebatou a plateia, como se esperava, em sua peculiar reunião de histórias inusitadas, contadas por um arte-finalista de Viamão, Ricardo Lilja (vivendo a si mesmo) – e cuja presença na apresentação do curta, no Palácio dos Festivais, deu ao filme um tom de “mockumentary”, de documentário auto-humorístico.