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Premiado em Berlim, colombiano "El Vuelco del Cangrejo" entusiasma Gramado

Cena do filme "El Vuelco del Cangrejo", do diretor colombiano Oscar Ruiz Navia - Divulgação
Cena do filme "El Vuelco del Cangrejo", do diretor colombiano Oscar Ruiz Navia Imagem: Divulgação

NEUSA BARBOSA

Especial para o UOL, do Cineweb

12/08/2010 13h57

Raridade nas telas brasileiras, o cinema colombiano desembarcou na competição no Festival de Gramado nesta noite de quinta (11) com um forte representante, o drama “El Vuelco del Cangrejo”, do diretor estreante Oscar Ruiz Navia, que venceu o prêmio da Federação Internacional dos Críticos (Fipresci) no último Festival de Berlim, em fevereiro.

Questões candentes da realidade colombiana, como a desigualdade social, o desemprego, o racismo e a guerrilha das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) são costuradas na trama, que tem como protagonista o jovem Daniel (Rodrigo Vélez). Ele chega sozinho a La Barra, no litoral sul da Colômbia, hospedando-se na casa de ‘Cérebro’ (Arnobio Salazar). Logo busca, a todo custo, conseguir uma lancha para sair do local.

No debate do filme, nesta manhã de quinta, a produtora Gerylee Polanco – que substituiu o diretor Navia, que está filmando no momento – comentou que o tema da atuação das FARC “é uma constante” no cinema local e que isso não sofre qualquer censura das autoridades colombianas. Uma curiosidade aparece na trilha musical de “El vuelco del cangrejo”, em que ouve o trecho de uma canção popular falando ironicamente da vida de um guerrilheiro das FARC, gênero musical que a produtora comentou ser conhecido como “proibidão”. A trilha, aliás, é um ponto alto, misturando gêneros populares, como o regatón e o currulao (este, de raízes negras).

Atores amadores

Com apenas três atores profissionais no elenco – além do protagonista Rodrigo Vélez, também Jaime Andrés Castaño e Karent Hinestroza -, as filmagens exigiram um trabalho especial do diretor. Segundo explicou a produtora “os não-atores não conheciam o roteiro. Iam sendo orientados sobre as situações do filme e reagindo, seguindo instruções de Oscar (Navia, o diretor)”.

Isto levou também a improvisações. Uma mistura entre documentário e ficção está presente em cenas como uma que mostra um grupo de rapazes confessando, em termos até pornográficos, seus desejos pela bela Yazmin (Karent Hinestroza) e que foi “totalmente improvisada”, segundo a produtora. “Eles são jovens e falam assim mesmo”, justificou.

Segundo o ator amador mais importante da trama, Arnobio Salazar, “o impacto do filme na comunidade foi real”. Para começar, entre os próprios moradores: “Todos queriam ver o filme de qualquer jeito”. Além disso, Salazar comenta que aumentou o interesse pela localidade, o que, para ele, vai incrementar a atividade turística local.

“El vuelco del Cangrejo” (que significa, literalmente, “a virada do caranguejo”) já foi lançado nos cinemas colombianos, em março último, permanecendo seis semanas em cartaz – um tempo que é comemorado pela produtora, que informou ainda que o filme foi comprado para exibição nos EUA e no Canadá.

Vestígios da videoarte

O concorrente brasileiro da noite, “Ponto.org”, da estreante Patrícia Moran (SP/MG), enveredou por um caminho arriscado, numa narrativa não-linear e demonstrando uma forte influência da videoarte. Traça em termos bem fluidos a história de uma cineasta, que entrega uma câmera a três meninos de rua que moram sob o Minhocão, na capital paulista, local que dividem com uma velha louca (Teuda Bara, do grupo teatral mineiro Galpão). Uma trama paralela envolve um jovem (o rapper mineiro Flávio Renegado) que procura consertar seu computador para dar conta de um trabalho envolvendo um game e um contratante norte-americano.

Autora de curtas, como “A plenos pulmões”, Patrícia defendeu, no debate de hoje, a não-linearidade de seu filme – que incomodou parte considerável da platéia na sessão de ontem à noite. Para ela, “as questões não estão necessariamente nas palavras. As situações podem ser suscitadas por uma edição mais nervosa, com mais cortes”. Ela rejeitou também a classificação de “Ponto.org” como videoarte. “Isto existia nos anos 80”, disse.

A produtora Sara Silveira reconheceu que “o filme é quase radical”. Mas garantiu que “sentiu uma coisa boa” na sessão de ontem e acha que “Ponto.org” poderá circular inclusive internacionalmente. No Brasil, ele será distribuído pela empresa mineira Usina Digital, sua coprodutora.

Curtas

Os dois curtas cariocas apresentados ontem envolveram situações de relacionamentos amorosos: “Em trânsito”, de Cavi Borges e “Mar-exílio”, de Eduardo Morotó.

A água, que fez parte do cenário de “Mar-exílio” – lembrando o clima de alguns filmes do malaio Tsai Ming-liang, como “O Rio” – foi parte fundamental da trama dos outros dois curtas: o poético “Naiá e a lua”, de Leandro Tadashi (SP), que reconstitui uma lenda guarani envolvendo a fascinação de uma indiazinha pela Lua; e o soturno “Um animal menor”, de Pedro Harres e Marcos Contreras, descrevendo a situação-limite de uma mulher que caiu num poço, e que é manipulada por um garoto que cria condições para ajudá-la. O desenvolvimento dramático deste último, bastante truncado, sofreu ainda com a má qualidade dos diálogos.