Topo

Com apostas divididas, Gramado finaliza mostra brasileira e espera o último latino

Cena do documentário ""Diário de uma Busca"", de Flávia de Castro - Divulgação
Cena do documentário ''Diário de uma Busca'', de Flávia de Castro Imagem: Divulgação

NEUSA BARBOSA

Especial para o UOL, do Cineweb, de Gramado

13/08/2010 13h43

Com a exibição do documentário “Diário de uma Busca”, de Flávia de Castro (RJ), acabou nesta noite de quinta (12) a passagem dos concorrentes brasileiros aos Kikitos no Festival de Gramado.

Recuperando de forma corajosa e, por vezes, contundente, a trajetória de seu pai, o ex-militante comunista Celso Afonso Gay de Castro, o filme sintonizou-se com outro documentário exibido há dias na competição latina, o documentário chileno “Mi Vida com Carlos”, de Germán Berger – que igualmente retoma a biografia de um pai, este morto pela ditadura de Augusto Pinochet.

A presença destes dois documentários que, cada um a seu modo, revisitaram a conturbada história recente da América do Sul, evidenciou a política, que foi um dos grandes temas desta edição em Gramado. Além disso, por sua qualidade e impacto sobre a plateia do Palácio dos Festivais, não resta dúvida de que ambos têm grandes chances de premiação. Os troféus do festival serão entregues na noite deste sábado, quando se esperam baixas temperaturas e até uma chance de neve, como aconteceu aqui há duas semanas.

A diretora de “Diário de uma Busca”, que assistiu a “Mi vida com Carlos”, concordou, no debate desta fria manhã de sexta, com a afinidade entre os dois trabalhos. “São filmes irmãos, embora formalmente diferentes. Ele não conheceu o pai, eu reconstruo a memória que tenho do meu. Mas o filme de Germán (Berger) é lindo, me emocionou muito”.

Fora esta ligação com o filme chileno, o documentário de Flávia de Castro passa também pelo Chile e a Argentina, países em que ela, o irmão, João Paulo, e os pais se exilaram depois de sair do Brasil, nos anos 70, vivenciando a queda dos regimes democráticos e a instalação de ditaduras nos dois, respectivamente em 1973 e 1976. Neste relato do que a diretora definiu como “infância militante”, a cineasta acredita ter firmado um processo que procurava, “de como se pode ver a grande História nas pequenas histórias”.

Coproduzido com dinheiro francês, “Diário de uma Busca” já tem distribuidora – a Videofilmes – mas não data de estreia definida. Segundo a diretora e o produtor, Flávio Tambellini, ainda é preciso resolver algumas pendências de direitos autorais, envolvendo o uso de músicas.

Despojamento latino

Penúltimo concorrente latino, o drama mexicano “Perpetuum mobile”, de Nicolás Pereda, demonstrou a mesma economia narrativa de outros bons filmes desta seção, caso do colombiano “El vuelco del cangrejo”, de Oscar Ruiz Navia, e do argentino “La vieja de atrás”, de Pablo Meza.

Como estes dois filmes, “Perpetuum mobile” focaliza a vida de pessoas simples, que se viram com trabalhos ocasionais, no limite da sobrevivência, como Gabino (Gabino Rodriguez), que mantém com um amigo um pequeno negócio de mudanças. Nem por enfatizar a emergência social e econômica em que vivem estes personagens, a história perde de vista o humor. Há momentos que são puro Woody Allen – como quando Gabino chega para fazer a mudança de uma velha senhora, que não comunicou ao marido de muitos anos que o estava deixando, o que provoca uma série de diálogos inusitados.

De modo geral, quase finalizada a seção competitiva do festival – só falta a exibição de um longa latino, o nicaraguense “La Yuma”, de Florence Jaugey, hoje à noite -, pode-se comemorar a exibição em Gramado de sólidos representantes de cinematografias praticamente ausentes do circuito brasileiro. Caso da venezuelana (que mostrou aqui o documentário “Historia de un dia”, de Rosana Matecki), uruguaia (outro documentário, “Ojos bien abiertos – Un viaje por la Sudamerica de Hoy”, de Gonzalo Arijón), além dos citados colombiano, chileno e mexicano.

Tema espírita

Outro inegável tema que anda pelo circuito comercial – com o sucesso de “Chico Xavier” e “Bezerra de Menezes”, entre outros – e chegou a Gramado foi o espiritismo, notadamente o transe mediúnico, retratado no documentário “Contestado – Restos Mortais”, de Sylvio Back, e no semidocumental “O último romance de Balzac”, de Geraldo Sarno.

Apesar de o filme de Back ter qualidades, especialmente por retomar o conflito do Contestado (1912-1916), não suficientemente conhecido no País, os filmes brasileiros de maior fôlego e impacto, que parecem ter perspectivas de premiações, são o documentário “Diário de uma busca” e as ficções “Bróder”, de Jeferson De (SP) e “180º”, de Eduardo Vaisman (RJ). “Bróder” já havia sido exibido nos festivais de Berlim (hors concours) e Paulínia (onde obteve quatro prêmios).

As outras três ficções nacionais não foram tão bem recebidas e parecem ter menores chances de levar seus Kikitos: “Não se pode viver sem amor”, de Jorge Durán (RJ), “Enquanto a noite não chega”,de Beto Souza (RS) e “Ponto.org”, de Patrícia Moran (SP/MG).

Curtas

Este ano, a seleção de curtas foi um tanto irregular. Mesmo assim, alguns filmes destacaram-se, caso do ótimo “Haruo Ohara”, em que Rodrigo Grota comprova o apuro técnico de seus curtas anteriores, “Satori Uso” e Booker Pittman” ao recriar a figura do fotógrafo japonês (1909-1999) radicado em Londrina. Também excelentes, o concorrente baiano “Carreto”, delicada história de duas crianças, assinada pelos diretores Cláudio Marques e Marília Hughes, e o carioca “Babás”, de Consuelo Lins (RJ), que traça uma síntese do racismo no Brasil a partir do papel destas profissionais, partindo da escravidão.

Também com muitas qualidades, os curtas paulistas “Pimenta”, de Eduardo Mattos, e “Vento”, de Marcio Salem, não surpreenderão se forem lembrados nas premiações. Mesmo caso do gaúcho “Os amigos bizarros do Ricardinho”, de Eduardo Canani, que sintonizou com o humor local.