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''Sou garimpeiro de histórias'', diz diretor vencedor do É tudo Verdade 2010

Imagem do filme ""Terra Deu, Terra Come"", de Rodrigo Siqueira - Divulgação
Imagem do filme ''Terra Deu, Terra Come'', de Rodrigo Siqueira Imagem: Divulgação

ALYSSON OLIVEIRA

Do Cineweb

29/09/2010 07h00

Tal qual como aparece em alguns momentos em seu filme, o premiado “Terra Deu, Terra Come”, o documentarista Rodrigo Siqueira tem uma fala tranquila, de quem tem prazer de explicar sem pressa e com riqueza de detalhes a sua saga ao fazer o documentário. O filme, que estreia nesta sexta-feira (1), em São Paulo, começou com a pesquisa de “uma receita para se fazer um pacto com o diabo”. Culpa de Guimarães Rosa e seu “Grande Sertão: Veredas”. “Eu estava lendo livros dele, e quis conhecer aquela região que aparece nas histórias”, revela o cineasta ao UOL Cinema.

Nessa viagem, acompanhado de sua mulher, Siqueira descobriu que aquele sertão mítico estava muito além do papel. Um amigo lhe contou sobre dois velhinhos que mantinham uma antiga tradição que africanos trouxeram para a região de Diamantina (MG). “Fui atrás disso, fiz contato. E descobri que apenas um deles estava vivo, o Seu Pedro de Alexina”. O primeiro encontro aconteceu em janeiro de 2005, e, de cara, o diretor foi falar com o homem com a câmera em punho.

Seu Pedro é uma figura ímpar, tão articulado e com uma presença tão forte que acabou tornando-se o centro do documentário. Siqueira encontrou algumas outras personagens – uma delas está no filme – mas logo percebeu que havia um material muito mais rico ali. “O Seu Pedro é uma espécie de guardião das tradições fúnebres que os africanos trouxeram para a região no século XVIII. Lá surgiu um dialeto conhecido como banguela e ficaram algumas canções de trabalho e rituais fúnebres conhecidas como vissungos”.

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Os fortes laços de amizade que Siqueira formou com Seu Pedro e sua família foram fundamentais para a realização do filme. “Ele acolheu a equipe toda. Criamos uma intimidade, uma proximidade que fazia esquecer que tínhamos uma câmera ligada registrando tudo. Não estabelecemos um ritual de filmagem, deixamos as coisas acontecerem com naturalidade”. Seu Pedro é garimpeiro e o diretor logo pensou num paralelo: “Disse para ele: o senhor garimpa diamante; e eu, histórias”.

O fato do Seu Pedro ser um ótimo contador de histórias também ajudou o diretor na hora de filmar “Terra Deu, Terra Come”. “Andamos num terreno ambíguo. Às vezes não dava para saber se ele estava representando, contando algum caso, ou mesmo enrolando”, conta o diretor. Essa ambiguidade é o que introduz uma complexidade extra no documentário, que recebeu elogios de mestres no assunto, como Eduardo Coutinho, João Moreira Salles e Eduardo Escorel.

Siqueira e sua equipe passaram cerca de 30 dias na região – desses, 24 foram com Seu Pedro e sua família. Ao todo, o diretor reuniu cerca de 40 horas de material bruto, que resultaram num filme de quase uma hora e meia. “Eu sabia que a espinha dorsal seria o velório que acompanhamos e os ritos fúnebres. Mas foi doloroso deixar de fora algumas coisas. No fim, tive de optar por cortar tudo aquilo que não fortalecia a presença de Seu Pedro no filme”. Nesse mesmo período, nasceu o filho do cineasta, e ele passou a dividir seu tempo entre suas funções de pai e montador.

Em abril passado, “Terra Deu, Terra Come” consagrou-se como grande vencedor do É Tudo Verdade, o principal festival de documentários do país, no qual ganhou o grande prêmio de R$ 100 mil. “Eu tinha feito muitas dívidas durante a produção o filme. O dinheiro veio em boa hora, mas já estava todo comprometido. A terra dá, a terra tira”, brinca o diretor.

Agora, Siqueira planeja para “Terra Deu, Terra Come” um lançamento digno de um blockbuster, na próxima sexta, com mais 800 cópias em DVD que serão exibidas em cineclubes de todo o país, além de salas de cinema em São Paulo. “É uma opção que encontramos para que o filme seja visto, chegue até as pessoas”. Além disso, o documentário também é tema de uma exposição de fotografias no Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2073 – SP), que fica em cartaz até o próximo dia 2.