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Para interpretar brasileiro em "Comer, Rezar, Amar", Javier Bardem disse que deixou "o corpo mais solto"

Javier Bardem filmou ""Comer, Rezar, Amar"" depois do denso ""Biutiful"". ""Precisava fazer outra coisa. E fui para Bali"", disse - Divulgação
Javier Bardem filmou ''Comer, Rezar, Amar'' depois do denso ''Biutiful''. ''Precisava fazer outra coisa. E fui para Bali'', disse Imagem: Divulgação

THAÍS FONSECA

Enviada especial a Cancún, no México*

30/09/2010 07h02

Quando “Comer, Rezar, Amar” chegar às telas do Brasil nesta sexta-feira (1), Javier Bardem colocará seu novo papel à prova de um público exigente. No filme, o ator espanhol dá vida ao brasileiro Felipe e arrisca palavras em português como “saudade” e “falsa magra” ao interagir com Julia Roberts, seu par romântico. O sotaque gringo, como seria de se esperar, é notável. Mas Javier afirma ter procurado, também, se expressar com gestos e movimentos. “Tentei deixar o corpo mais solto do que se tem na Espanha, por que no Brasil as pessoas são mais soltas”, disse ele, em entrevista coletiva concedida em Cancún, no México, da qual o UOL Cinema participou.

Além de um amigo brasileiro, que o ajudou na tarefa, o ator contou com experiências de viagens pelo país, entre elas uma feita durante seus vinte e poucos anos. “Sou louco pelo Brasil”, afirmou. O papel tem inspiração real, mais especificamente nas memórias de Elizabeth Gilbert, autora do livro homônimo - best-seller em vários países – que rendeu a versão para o cinema, dirigida e co-roteirizada por Ryan Murphy (da série de TV “Glee”).

Apesar da nacionalidade de Felipe, o personagem é visto em Bali, na Indonésia, na última etapa da viagem de auto-descobrimento de Liz (Julia Roberts), ou seja, em “amar” (antes, ela viaja pela Itália e Índia). Coadjuvante, Bardem entra na trama com um astral solar e romântico, bem diferente da expressão tensa de filmes como “Mar Adentro”, “Onde os Fracos não tem Vez” e do recente “Biutiful”, do mexicano Alejandro González Iñárritu, exibido no Festival de Cannes deste ano (estreia no Brasil em 28 de janeiro de 2011). No outro extremo, a trama dirigida por Iñárritu exigiu carga dramática pesada para interpretar um homem que lida com mão-de-obra ilegal e com problemas pessoais. “Quando você faz algo por meses como “Biutiful”, precisa escapar para um lugar diferente, senão vai ficar para baixo por um tempo”, disse. O passo seguinte foi mudar de ares em “Comer, Rezar, Amar”. “Precisava fazer outra coisa. E fui para Bali”. Leia abaixo os principais trechos:

UOL Cinema - Como foi interpretar um brasileiro?

Javier Bardem - Sou louco pelo Brasil. O Brasil era uma obsessão para mim. Quando você fala Brasil várias imagens vem na sua cabeça como praias, cocos, água, samba e fio dental (dos biquínis). Aprendi um pouco de português com um amigo que me ajudou a não estragar tudo. Não sou brasileiro, mas acho que, além da língua, tentei deixar o corpo mais solto do que se tem na Espanha, por que no Brasil as pessoas são mais soltas.

ASSISTA AO TRAILER DE "COMER, REZAR, AMAR"

UOL Cinema - Como foi atuar com Julia Roberts?

Javier Bardem - Quando cheguei [em Bali, na Indonésia], eles [da equipe] estavam cansados. Quando vemos o filme, vemos o resultado, mas não o que está por trás. O diretor tem que carregar a energia de mais de centenas de pessoas. E se o ator principal está para baixo, não há filme. Os atores principais precisam estar bem na frente e atrás das câmeras. Você precisa colocar as pessoas para cima. E depois de quatro meses de filmagem, todos estavam tão cansados, mas Julia estava tentando animar todo mundo, como uma treinadora. E ela é muito boa em deixar as pessoas à vontade para serem elas mesmas. Ela não faz julgamentos. Para mim foi ótimo por que eu era como aquela “criança nova na escola”, estava intimidado por ela – sabe, ela é Julia Roberts. E ela falava como se fosse algo fácil, como se todos fossem se divertir e me fez sentir como se fizesse parte do grupo.

UOL Cinema - Você costuma ser escalado para fazer par romântico com belas mulheres. A que atribui isso?

Javier Bardem - Eu não vejo o motivo. Por isso me esforço bastante para fazer as pessoas acreditarem nisso (risos). Como em “Vicky Cristina Barcelona”, com Scarlet [Johansson], Penélope [Cruz], Rebecca [Hall]. Quem iria acreditar que elas fossem me disputar? Mas Woody Allen achou que daria certo, então tive que perder peso (risos). Foi desafiador. Na Espanha algumas pessoas levaram o filme muito a sério quando, para mim, ele faz uma grande piada sobre todos nós, sobre como os americanos esperam que um espanhol seja e como os espanhóis esperam que os americanos sejam. O filme ri de todos nós e dos estereótipos da Espanha e dos que chegam de fora à procura dos estereótipos do país. Naquele papel eu me senti confortável, pois se tratava de um personagem caricato que existe na mente das pessoas. Muitas pessoas vão a Barcelona à procura de Gaudí, paixão, flamenco...isso tudo.

UOL Cinema - Você é romântico e emotivo como seu personagem em “Comer, Rezar, Amar”?


Javier Bardem - Não sei se sou romântico, mas sou sensível, ou não seria capaz de atuar. Se você é ator, tem que estar aberto para ser tomado pelas emoções. Como Marlon Brando disse, atuar é muito fácil, as pessoas fazem isso todos os dias para sobreviver. Se você não assumir um personagem no trabalho, pode ser despedido. Pode dizer: “Eu amo isso”, quando na verdade odeia. E o ator tem que repetir esta atuação várias vezes. Quando você é ator tem que trazer emoções e não se deixar levar por elas. Quando dizem “corta”, tem que saber que não está em Bali namorando com a Julia Roberts, que é ficção (risos). Quanto a ser romântico, acho que isto é estar no lugar certo, na hora certa, com a pessoa certa. E aí algo acontece e você pensa: “Nossa, que momento romântico” (risos).

UOL Cinema - Você fez um personagem em “Biutiful”, um drama, e partiu para “Comer, Rezar, Amar”. Como consegue trazer as emoções certas para diferentes personagens?

Javier Bardem - Um dos motivos de eu fazer “Comer, Rezar, Amar” foi ter feito “Biutiful”. Eu precisava relaxar, estar num humor para cima e num personagem solar. Quando você faz algo por meses como “Biutiful”, precisa escapar para um lugar diferente, senão vai ficar para baixo por um tempo. É preciso ficar atento com o que acontece com seu corpo e saber dizer o que quer. De outra forma, pode confundir o que acontece com você e com o personagem, achar que está sentindo o que ele sente, e fica confuso. Isto começou a acontecer comigo em “Biutiful” e falei: “Agora chega”. Precisava fazer outra coisa. E fui para Bali.


UOL Cinema - O que acontece com seus amigos e família quando você vive o momento mais obscuro de um personagem. Você conversa com eles para explicar?

Javier Bardem - Sim. Você tem que ficar mais ainda em contato com a vida real, com as pessoas que te amam, que te conhecem muito bem, para se lembrar do que você é no mundo, pois às vezes é possível perder esta percepção. Não digo que todos os atores são assim, mas eu sou. Alguns atores conseguem fazer coisas tecnicamente. Não sou muito bom nisso. Eu vejo atores fazendo diferentes papéis ao mesmo tempo sem sentir a mudança. Eu não. Preciso estar focado para saber o que estou perseguindo. Mas no fim não é o que o ator acredita, mas no que você acredita quando vê o ator no filme. Não importa se eu sofro quando eu choro, mas se você acredita que estou sofrendo quando eu choro. Achar que você é bom ator por que se emociona não é a verdade. Na verdade, há performances em que os atores estão muito emocionados, chorando muito e o espectador não sente nada. A emoção tem que ser atraente o suficiente para o espectador se sentir tocado. Às vezes, a pessoa não consegue expressar o drama de um jeito atraente. Você não precisa sentir, precisa fazer a pessoa sentir.

UOL Cinema - A personagem de Julia Roberts em “Comer, Rezar, Amar” tem uma vida normal e resolve, de repente, mudar tudo. O que você acha que a personagem realmente busca?

Javier Bardem - Acho que vivemos numa sociedade que “ter tudo” não é o suficiente. Às vezes, você quer ir mais fundo em suas raízes, sobre o que é não ter tudo isso, entrar em contato com coisas básicas. A sociedade nos lembra o tempo todo de como somos felizes com nossos carros, mulher, cachorro, etc. E quanto mais nos lembram disto, mais nos sentimos deprimidos porque não achamos o que está errado, nos sentimos culpados. E acho que culpa pode ser um sentimento que nos impulsiona, que nos faz pensar: por que me sinto mal tendo o que eu tenho? E isso pode ter sido algo que fez Liz buscar algo.

 

* (A repórter viajou para o México a convite da Sony)