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João Jardim investiga o vínculo entre paixão e violência em "Amor?", exibido em Brasília

Atriz Julia Lemmertz em cena do filme ""Amor?"", de João Jardim - Divulgação
Atriz Julia Lemmertz em cena do filme ''Amor?'', de João Jardim Imagem: Divulgação

NEUSA BARBOSA

Do Cineweb

29/11/2010 13h32

Penúltimo concorrente da seção competitiva do 43º. Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, “Amor?”, de João Jardim, concretizou mais uma vez a fusão entre documentário e ficção que é um dos temas recorrentes desta edição.

Partindo de uma pesquisa de um ano, em que levantou cerca de 50 histórias de relacionamentos amorosos contaminados pela violência, Jardim chegou aos oito relatos do filme – que, apesar de verídicos, são interpretados cada um por um ator, num elenco com vários nomes consagrados, incluindo Lília Cabral, Julia Lemmertz, Ângelo Antônio, Eduardo Moscovis, Mariana Lima e Sílvia Lourenço.

Em entrevista ao UOL Cinema, o diretor esclarece que seu foco principal nunca esteve na violência doméstica em si. “Se fosse assim, eu ficaria só na patologia, quando o que me interessava era o lado do amor, que é a razão pela qual a pessoa não consegue abrir mão daquele relacionamento”, explica.

Diretor dos premiados “Pro Dia Nascer Feliz” e codiretor de “Janela da Alma”, Jardim destaca ter buscado enfatizar “o aspecto subjetivo desse tipo de relação”, na tentativa de compreender o mecanismo que leva à erupção da violência e ao círculo vicioso que se segue. Mas procurou fazê-lo “de maneira menos maniqueísta”, o que implicou também dar voz a agressores de mulheres – que, no filme, são interpretados por Eduardo Moscovis, Cláudio Jaborandy e Ângelo Antônio, cujos personagens fazem relatos muitas vezes incômodos sobre episódios de violência contra as parceiras.

A impressionante riqueza de detalhes destes depoimentos, todos com base real, veio de entrevistas realizadas no processo de pesquisa prévia, realizado pelo diretor e a pesquisadora Renée Castelo Branco. Esta, aliás, foi uma etapa bastante discreta da produção, que encontrou essas pessoas a partir de indicações, em troca de garantia de sigilo de sua identidade. Jardim também frisa que uma de suas preocupações era localizar personagens de classe média, “onde se acha que esse tipo de violência não ocorre”.

Ao usar atores, Jardim tem consciência de que seu filme será comparado a “Jogo de Cena”, de Eduardo Coutinho, que ele admira, mas no qual enxerga uma temática completamente diferente do seu. “’Jogo de Cena’ é um grande filme, mas trata da relação entre realidade e encenação”.

Ao usar atores, Jardim, em primeiro lugar, resolveu um problema técnico – porque ou não poderia mostrar os parceiros descritos pelos entrevistados ou teria de correr o risco de consultá-lo os e não contar com sua aprovação. Em segundo lugar, porque, ao usar os intérpretes, permitiu, em sua visão, “ aproximar os espectadores da questão”.

Vendo na tela atores muitas vezes conhecidos por papeis inteiramente diferentes na televisão ou no cinema, o cineasta entende que o público “pode identificar-se e compreender que esse tipo de situação pode acontecer com qualquer um”. O próprio diretor preparou os atores, orientando-os no sentido de, como ele define, “se apropriarem das histórias, tornando-as deles. Eu dizia: ‘Essa pessoa é você, não um personagem de fora’”.

Encenar os casos também passou por sua cabeça, mas ele desistiu. “A encenação não cobriria todo o desenvolvimento dessas histórias”, acredita.

Com o filme, que tem data de lançamento prevista para abril do próximo ano, Jardim ambiciona colocar o tema, polêmico, em discussão. “Esse comportamento do ‘macho dominante’ é muito comum no Brasil”, acentua.