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''O mar é imenso, mas em essência trata-se de um deserto'', diz diretor de "Oceanos"

Cena dos bastidores de ""Oceanos"", documentário de Jacques Perrin e Jacques Cluzaud - Divulgação
Cena dos bastidores de ''Oceanos'', documentário de Jacques Perrin e Jacques Cluzaud Imagem: Divulgação

THAÍS FONSECA

Enviada especial ao Rio*

15/12/2010 10h00

Logo no início de “Oceanos”, o narrador diz não saber explicar a palavra do título. Em pouco tempo percebe-se que a frase dá o tom do documentário: ao invés de investir em informações e dados científicos sobre a vida marinha, a opção é simplesmente mostrá-la. Em cerca de 100 minutos, são comuns os momentos em que o espectador se vê diante de imagens de tartarugas, baleias, polvos e espécies dignas de personagens de ficção científica se movimentando no fundo do mar ou na costa, sem que explicações as acompanhem.

Esta narração comedida, é possível arriscar, reflete o espírito de um dos diretores do filme, o francês Jacques Cluzaud. "Pessoalmente não tenho nenhuma afinidade com o mar, mas o que me interessava era o cinema", disse em entrevista ao UOL Cinema durante sua passagem pelo Rio em junho deste ano, quando participou do Festival de cinema Francês Varilux.  O filme estreia nesta sexta-feira (17).

Ao lado de Jacques Perrin – co-diretor, com quem trabalhou em “Migração Alada”, outro documentário animal -, Cluzaud contou com a ajuda de um time de especialistas em natureza, que apontou pontos estratégicos dos bichos em meio à imensidão azul. “O mar é imenso, mas em essência trata-se de um deserto”, disse.

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    Jacques Cluzaud nas filmagens do documentário ''Oceanos''

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    Espécie vista no documentário ''Oceanos'', co-produção da França, Suíça e Espanha

Além das imagens, o filme tem como ponto alto trilha do compositor Bruno Coulais (mesmo de "Coraline"), capaz de dar uma dimensão poética às cenas, e de sons reais, capturados por microfones submarinos. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

UOL CINEMA - Quais suas experiências pessoais com o mar?
Jacques Cluzaud -
Eu fiz o filme com Jacques Perrin, que também é diretor e produtor. Ele me fez a proposta. Pessoalmente não tenho nenhuma afinidade com o mar, mas o que me interessava era o cinema.

UOL CINEMA - Como é a sua parceria com Jacques Perrin?
Jacques Cluzaud -
Eu venho do cinema de ficção tradicional. Eu encontrei o Perrin há cerca de vinte e cinco anos. Ele pretendia fazer o “Migração Alada” e me chamou para trabalhar com ele. Eu não tinha experiência com a filmagem de natureza, eu venho da ficção cientifica. Fazer um documentário sobre vida selvagem era uma experiência nova. Esses filmes são tão particulares de trabalhar por que, em princípio, existem duas equipes distintas, que são as dos especialistas em mundo animal e a equipe que vem do cinema tradicional. E nós, deste último grupo, não queremos dificuldades em nos aproximar de um animal ou pensamos em câmeras escondidas. A gente quer estar do lado, filmar como filmaríamos qualquer ator. Fazemos perguntas de cinema e queremos trabalhar com personagens, digamos assim.

UOL CINEMA - Como é possível fazer uma boa cena no fundo do mar?
Jacques Cluzaud -
Na verdade, é preciso trabalhar com edição, porque cada situação é muito específica, não dá para ter uma regra geral. A ideia de “Oceanos”  era  acompanhar os animais mesmo durante os deslocamentos rápidos, como quando golfinhos nadam rapidamente pela superfície do mar. Então é importante que se esteja com uma câmera estabilizada, e que ela esteja num bom nível, seja de cima, de baixo ou ao lado deles e, para isso, é preciso criar um mecanismo que permita que você instale esta câmera e que ela resista ao mar e aos deslocamentos.

UOL CINEMA - Como vocês decidem onde posicionar a câmera em meio à imensidão do mar?
Jacques Cluzaud -
Esta é uma das perguntas que nos fizemos desde o começo. Certo dia, eu assisti um filme que se passava sob as águas ao lado de um mergulhador. Ele identificava os lugares, África do Sul, Austrália...primeiro por que os mergulhadores costumam mergulhar nos mesmos locais, e as pessoas sabem que, para filmar um tubarão em águas claras, é preciso ir a Guadalupe, por exemplo. Se você quiser filmar grandes cardumes de sardinhas, com tubarões e golfinhos entre eles, existem lugares específicos do mundo onde você vai poder pegar estas imagens. Talvez existam outros locais, mas há alguns já conhecidos e sabemos que neles teremos a melhor chance de captar as imagens. Sabemos onde acontecem os pontos de encontro. O mar é imenso, mas em essência trata-se de um deserto. E estas áreas desertas são atravessadas pelos animais muito rapidamente.

TRAILER DO FILME "OCEANOS"

UOL CINEMA - Você chegaram a cogitar em filmar em 3D?
Jacques Cluzaud -
Nós começamos a trabalhar o filme há oito anos, foram sete anos desde o começo do trabalho até o lançamento do filme. E há sete anos falava-se menos em 3D. Existem filmes submarinos em 3D que nós conhecemos, mas com câmeras muito mais caras e muito mais pesadas que não permitiriam que fizéssemos o que queríamos, ou seja, captar o dinamismo dos movimentos dos animais. Era preciso que sob a água nós tivéssemos um equipamento que nos permitisse seguir os animais em alta velocidade para as tomadas submarinas.

UOL CINEMA - Quanto tempo levou o trabalho de pesquisa?
Jacques Cluzaud -
Antes das filmagens foram dois anos de preparação, incluindo pesquisas com mergulhadores, marinheiros e cientistas especializados. E, durante a rodagem, estávamos cercados por este grupo de cientistas especializados do Censo da Vida Marinha (Center of Marine Life, nome em inglês da rede), que corresponde a dezenas de países e centenas de cientistas. O filme acompanhou o trabalho dos cientistas ao mesmo tempo em que eles acompanharam a equipe de filmagem, apontando quais seriam as espécies indicadas para as filmagens. Entre nossos parceiros está também a Agência Espacial Europeia, que forneceu imagens de satélite.

UOL CINEMA - Como você vê a produção de documentários ecológicos recentes, como o próprio “Migração Alada”? Qual o espaço destes filmes na França?
Jacques Cluzaud -
Na França existe uma tradição destes documentários.  Esta tradição teve continuidade especialmente após a “Marcha do Imperador “, sobre os pingüins,  e isto desenvolveu no público um gosto para ir ao cinema ver filmes sobre animais.

*(A repórter viajou a convite do Festival Varilux de Cinema Francês)