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Michael Moore escreve carta para governo sueco em defesa de Julian Assange

Michael Moore em cena do seu documentário ""Captalismo: Uma História de Amor"" - Divulgação
Michael Moore em cena do seu documentário ''Captalismo: Uma História de Amor'' Imagem: Divulgação

Da Redação

21/12/2010 17h46

Diretor de documentários polêmicos como "Tiros em Columbine", "Fahrenheit - 11 de Setembro" e "Capitalismo - Uma História de Amor", Michael Moore está agora advogando em favor do site Wikileaks e de seu fundador, o australiano Julian Assange. Preso na semana passada pelo governo britânico a pedido da Suécia sob acusação de estupro, Assange aguarda uma decisão da justiça a respeito de sua situação. Em função disso, o cineasta americano escreveu na semana passada uma carta aberta ao governo sueco em que ele diz estranhar essa mobilização toda contra Assange quando o país não moveu uma palha durante anos para mudar o fato de que os suecos se recusam a lidar com a tragédia do estupro e o fato de que são recordistas de denuncias na Europa.

Veja a íntegra do texto, publicado no site oficial de Moore.

"Caro governo sueco,

"Olá, ou como vocês dizem, Hallå! Como vocês sabem, todos nós aqui nos Estados Unidos amamos seu país. Seus Volvos, suas almôndegas, seus móveis difíceis de montar – nós não nos cansamos!

"Há apenas uma coisa que me incomoda: por que a Anistia Internacional, em um relatório especial (descrito em detalhes por Naomi Wolf), declarou que a Suécia se recusa a lidar com a tragédia muito real do estupro? De fato, ela diz que por toda a Escandinávia, incluindo seu país, os estupradores “desfrutam de impunidade”. E a Organização das Nações Unidas, a União Europeia e os grupos de direitos humanos suecos chegaram à mesma conclusão: a Suécia não leva a agressão sexual contra as mulheres a sério. Como mais é possível explicar estas estatísticas de Katrin Axelsson, do Mulheres Contra o Estupro:

- A Suécia possui o MAIOR número per capita de estupros denunciados na Europa.

- O número de estupros quadruplicou nos últimos 20 anos.

- O percentual de condenações? Ele tem DIMINUÍDO constantemente.

"Axelsson diz: “Em 23 de abril deste ano, Carina Hägg e Nalin Pekgul (respectivamente membro do Parlamento e presidente das Mulheres Social-Democratas na Suécia) escreveram no (jornal) ‘Göteborgs’ que ‘até 90% de todos os casos denunciados de estupro (na Suécia) nunca chegam aos tribunais’”.

"Permita-me dizer de novo: em nove de cada 10 vezes, quando uma mulher denuncia um estupro, você nem se dá ao trabalho de abrir um procedimento legal. Não é de estranhar que, segundo o Conselho Nacional Sueco para Prevenção de Crimes, atualmente é estatisticamente mais provável que alguém na Suécia sofra um ataque sexual do que seja roubado.

'A mensagem para os estupradores? A Suécia ama vocês!

'Então imagine nossa surpresa quando, de repente, você decide processar Julian Assange por acusações de ataque sexual. Bem, mais ou menos: primeiro você o acusou. Depois, após investigar, você descartou as acusações mais sérias e cancelou o mandado de prisão.

"Então um parlamentar conservador pressiona você e, pasme, você dá uma guinada de 180 graus e reabre a investigação de Assange. Com a exceção de que você ainda não o acusou de nada. Você apenas o queria para “interrogatório”. Então você –que permaneceu inerte e deixou milhares de mulheres suecas serem estupradas, deixando seus estupradores livres– decidiu que era hora de reprimir apenas um único homem –o homem que o governo americano deseja preso ou (dependendo do político ou especialista ouvido) executado. Você apenas por acaso sai à caça dele, com base em uma possível “acusação por coerção ilegal, duas acusações de molestamento sexual e uma acusação de estupro (em terceiro grau)”. E enquanto milhares de estupradores suecos perambulam livremente, você instiga uma imensa caçada humana internacional da Interpol a Julian Assange!

"Que grande cruzado antiestupro você se tornou, governo sueco! As mulheres na Suécia já devem se sentir mais seguras?

"Bem, não realmente. Na verdade, muitas delas veem claramente. Elas sabem do que se tratam essas “acusações não-acusações”. Elas sabem que você está de modo cínico e enojosa usando uma ameaça cotidiana real, que existe contra mulheres em toda parte, para promover o interesse do governo americano de silenciar o trabalho do WikiLeaks.

"Eu não vou fingir que sei o que aconteceu entre o sr. Assange e as duas mulheres querelantes (tudo o que sei é o que ouvi pela imprensa, de modo que estou tão confuso quanto qualquer outra pessoa). E peço desculpas caso tenha chegado a qualquer conclusão desnecessária ou errônea em meus esforços para declarar um valor central americano: todas as pessoas são inocentes até que seja provado o contrário, sem sombra de dúvida, em um tribunal. Eu acredito fortemente que toda acusação de ataque sexual deve ser investigada vigorosamente. Não há nada errado em sua polícia querer interrogar o sr. Assange a respeito dessas alegações, e apesar de eu entender o motivo para ele ter se escondido (as pessoas tendem a fazer isso quando são ameaçadas de assassinato), ele precisa responder às perguntas da polícia. Ele também deve se submeter aos exames para doenças sexualmente transmissíveis que as supostas vítimas exigiram. Eu acredito que a Suécia e o Reino Unido possuem algum tratado ou meios para que você envie seus investigadores para Londres, para que eles possam interrogar o sr. Assange, onde este se encontra sob prisão domiciliar, após ser solto sob fiança.

"Mas isso realmente não condiz com seus hábitos, ir até outro país para perseguir um suspeito de agressão sexual, quando nem mesmo sai às suas próprias ruas, para perseguir os muitos estupradores denunciados em seu próprio país. Devido ao fato de você, Suécia, raramente ter optado por fazê-lo no passado, é que tudo isso fede demais.

"E não vamos esquecer este último argumento de Katrin Axelsson, do Mulheres Contra o Estupro:

“Há uma longa tradição de uso de estupro e agressão sexual para fins políticos que não têm nada a ver com a segurança das mulheres. No Sul dos Estados Unidos, o linchamento de homens negros era frequentemente justificado com base de que estupraram ou mesmo olharam para uma mulher branca. As mulheres não aceitam de bom grado que nossas exigências por segurança sejam deturpadas, enquanto o estupro continua sendo negligenciado, na melhor das hipóteses, ou protegido, na pior”.

"Essa tática de uso do estupro para perseguição de minorias ou encrenqueiros, culpados ou inocentes –ao mesmo tempo fazendo vista grossa para os crimes claros de estupro no restante do tempo– é o que eu temo que esteja acontecendo aqui. Eu quero me certificar de que as pessoas de bem não permaneçam em silêncio e que você, Suécia, não tenha sucesso caso esteja em conluio com governos corruptos como o nosso.

"Na semana passada, Naomi Klein escreveu: “O estupro está sendo usado no processo contra Assange da mesma forma como a ‘liberdade das mulheres’ foi usada como desculpa para invadir o Afeganistão. Acorde!”

"Eu concordo.

"A menos que você tenha a evidência (e aparentemente se tivesse, você já teria emitido um mandado de prisão a esta altura), retire o pedido de extradição e passe a realizar o trabalho que até o momento você tem se recusado a fazer: proteger as mulheres da Suécia.

"Cordialmente,

Michael Moore"