Topo

Com programação de despedida, Cine Belas Artes entra em sua semana final

Manifestantes protestam contra fechamento do Cine Belas Artes na avenida Paulista (10/01/2011) - Marlene Bergamo / Folha Imagem
Manifestantes protestam contra fechamento do Cine Belas Artes na avenida Paulista (10/01/2011) Imagem: Marlene Bergamo / Folha Imagem

MÁRCIO FERRARI

Colaboração para o UOL

14/01/2011 15h34

O fechamento do cine Belas Artes, dado como certo uma semana atrás, pode não ocorrer. Nesta terça-feira (18), um pedido de tombamento do imóvel será analisado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp) de São Paulo. O pedido foi feito pela ONG Via Cultural e encaminhado com urgência pelo secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil.

Com a abertura do processo, o proprietário do imóvel já fica obrigado a pedir autorização do Conpresp para qualquer alteração que pretenda fazer no prédio. O imóvel, localizado na esquina da rua da Consolação com a avenida Paulista, abriga cinemas desde 1943. Com o nome Belas Artes existe desde 1967.

  • Rodrigo Capote/Folhapress

    Fachada do Cine Belas Artes, localizado na rua da Consolação, em São Paulo

Nesta sexta (14),  acontece o primeiro Noitão do ano, que vinha sendo anunciado também como último. Serão exibidos a partir das 23h50, em pelo menos quatro das seis salas, os longas “Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón”, de Pedro Almodóvar, “Nikita”, de Luc Besson, “Cães de Aluguel”, de Quentin Tarantino, e “A Festa Nunca Termina”, de Michael Winterbottom, mais um filme surpresa. Como de hábito, um café da manhã será servido no final da maratona. Os Noitões já chegaram a atrair mais de mil pessoas de uma vez.

No dia 30 de dezembro, o proprietário do cinema, André Sturm, recebeu uma notificação judicial para que entregue o imóvel até fevereiro. Segundo Sturm, o dono do imóvel, Flávio Maluf (sem parentesco com o político Paulo Maluf), pretende alugá-lo a uma loja.

A crise começou em março de 2010, quando o banco HSBC pôs fim ao patrocínio iniciado em 2003. Durante o período, o cinema se chamou HSBC Belas Artes. Sturm teria conseguido em novembro uma nova parceria, não revelada. Diante de reclamações de Maluf de que o aluguel estava defasado, ofereceu um novo valor, R$ 65 mil, que começaria a ser pago quando fechasse o patrocínio. Mas o dono do imóvel se adiantou e pediu-o de volta.

O fechamento do cinema foi então marcado para 27 deste mês. No dia 5, os 32 funcionários receberam aviso prévio. Sturm anunciou também que, a partir de hoje (14), seriam realizadas duas retrospectivas de despedida, uma com clássicos do cinema e outra com clássicos da história do Belas Artes.

METRÓPOLIS

Uma das características mais marcantes do cinema é ter atraído para suas salas grande quantidade de público para filmes considerados pouco “comerciais”. Alguns ficaram em cartaz ali durante anos. O caso mais recente é o francês “Medos Privados em Lugares Públicos”, de Alain Resnais.

Sturm, que também é cineasta, dono da distribuidora Pandora Filmes e coordenador da Unidade de Fomento e Difusão de Produção Cultural da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, assumiu o cinema em 2002, quando os antigos proprietários deixaram o negócio após um período de decadência. Em sociedade com a produtora O2, do cineasta Fernando Meirelles, obteve o apoio do HSBC no ano seguinte. Depois de receber a ordem de entregar o imóvel, Sturm afirmou que tinha planos de transferir o Belas Artes de endereço, talvez para alguma das salas fechadas do centro da cidade.

A localização do cinema, no entanto, é crucial para sua história, um endereço tradicional na confluência de duas das avenidas mais importantes da cidade. É um dos últimos cinemas de São Paulo não localizados em shoppings ou galerias. Isso, segundo o arquiteto Nabil Bonduki, em artigo na “Folha de S. Paulo”, pode pesar positivamente na votação do tombamento do imóvel. Bonduki observa que atualmente a política de preservação não se orienta apenas pela importância arquitetônica e artística, mas também pela valorização “dos espaços representativos da vida social e dos hábitos cotidianos da população”.

Como na crise de 2010, o anúncio do fechamento do Belas Artes desencadeou vários movimentos espontâneos de reação, entre abaixo assinados e passeatas e a criação de blogs e sites, além de provocar protestos de cineastas e críticos. Nos últimos dias, manifestaram apoio a Sturm o prefeito Gilberto Kassab, o secretário Calil e o secretário de Cultura do Estado, Andrea Matarazzo. O ex-governador e ex-candidato a presidente José Serra, antes mesmo de o Conpresp se reunir, anunciou no Twitter que o imóvel será tombado.

O Belas Artes se chamou antes Ritz e Trianon. O nome atual foi dado pelo grupo francês Gaumont, que produzia cineastas como Federico Fellini e Michelangelo Antonioni. Em 1969, uma pequena sala de repertório, com menos de cem lugares, foi criada no subsolo por Bernardo Vorobov e Dante Ancona Lopes, onde foram exibidos pela primeira vez filmes importantes de cineastas de todo o mundo, um marco da cinefilia paulistana.

Em 1982, o Belas Artes ficou semidestruído após um incêndio. Reformado no ano seguinte e reinaugurado com seis salas, tornou-se o cinema da moda durante um período em que era comum espectadores escolherem primeiro o cinema e depois o filme.

Nos últimos anos, apesar da programação de boa qualidade se manter, o Belas Artes sofria problemas de projeção, som e conservação.