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Longas desafiam valores estabelecidos com resultados desiguais

SÉRGIO ALPENDRE

Colaboração para o UOL, de Tiradentes (MG)

23/01/2011 12h39

Dois longas desafiadores, cada um a seu modo e partindo de posturas diferentes de cinema, foram exibidos na segunda noite da 14ª Mostra de Tiradentes.

O primeiro é "Avenida Brasil Formosa", de Gabriel Mascaro, que mostra o cotidiano de uma comunidade pobre de Recife cujo nome é inspirador: Brasília teimosa. Seu desafio está na preferência por um estilo austero, contrastante com o estilo qualquer nota da maioria de filmes desse tipo.

O segundo é "Cortina de Fumaça, de Rodrigo Mac Niven, documentário que defende a descriminalização da maconha e - em menor escala - de outras drogas - por meio de entrevistas com especialistas, juristas, cientistas e outros entendidos. O desafio é óbvio: questionar cientificamente o moralismo dominante e hipócrita de boa parte da sociedade brasileira.

Ambos têm alguns problemas de estrutura, mas enquanto o primeiro assume o risco de suas apostas formais e quase sempre se sai com algo no mínimo interessante, o segundo passa boa parte de sua duração com uma ameaça perigosa de implosão.

"Avenida Brasília Formosa" tem humor de sobra graças às pessoas reais que capta no local, o que já se tornou praxe nesse tipo de filme com olhar paternalista para comunidades pobres. Seu maior defeito é não trazer nada de muito novo nesse olhar. Sua maior virtude é a experimentação formal, que nem sempre funciona, e derrapa algumas vezes na primeira meia hora, mas depois se justifica e engrandece o filme, tirando-o de um lugar comum típico da nova geração de cineastas.

O diretor de fotografia é Ivo Lopes Araújo (de "O Grão"), um dos maiores talentos da nova geração. Isto talvez explique a insistência em enquadramentos de efeito, por vezes deixando o centro da tela livre de informação, por outras pecando em angulações que não valorizam as pessoas e o espaço. São particularmente belos os quadros fixos e rigorosos com a câmera distante, captando os diversos climas da região. É nessas horas que o filme cresce.

Um outro trunfo é a abolição que promove das noções de documentário e ficção. Não faz o menor sentido usar tais classificações para delinear os meandros do filme, e isto o enriquece. No conjunto é um filme fácil de se ver, com um ritmo leve e aprazível.

"Cortina de Fumaça" é quase o contrário. Pega um tema importantíssimo e o explora de maneira pretensiosa e desajeitada: a discussão sobre as drogas ilegais, tendo na linha de frente a maconha, uma planta menos ofensiva ao ser humano que o cigarro e o álcool, mas sem uma indústria forte o suficiente para lhe garantir a legalidade.

Não é longo, mas torna-se pesado e cansativo à medida em que os entrevistados são cada vez mais picotados pela edição, e que algumas declarações se revelam desnecessárias (como a de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que só está ali para dar um verniz chique ao filme).

São dois jovens diretores com intenções nobres, mas ainda tateantes nas estruturas que escolhem para seus fimes, ainda que Mascaro se saia melhor na aventura, graças ao diretor de fotografia escolhido e ao carisma das pessoas que escolheu acompanhar para melhor entender Brasília teimosa.