Em Tiradentes, "Os Residentes" e "Santos Dumont Pré-Cineasta?" aumentam temperatura da Mostra Aurora
Os dois longas exibidos nesta quinta-feira dentro da Mostra Aurora, competitiva reservada aos novos diretores (que estão no máximo no segundo longa), elevaram o nível da 14ª Mostra de Tiradentes, um dia depois da Mostra Foco ter encerrado com uma seleção de belos filmes. Foi uma boa reação dos jovens longa-metragistas, depois de uma série de filmes menos inspirados exibidos no evento.
"Os Residentes", do mineiro Tiago Mata Machado, é o tipo de filme que só encontra recepção tão positiva em Tiradentes. Cerebral, pretensioso, mas com alguns momentos de antologia, desfila um emaranhado de citações e se abre paradoxalmente ao risco, sendo ao mesmo tempo calculado e arriscado, frio e trôpego, empolgante e racional em excesso.
Dessa combustão podemos reter diversas cenas com enquadramentos pictóricos de grande beleza e cenas estranhas de ação, com uma trama que envolve sequestro, rebeldia e anarquismo.
O cinéfilo pode identificar diversas citações, não sendo essas identificações necessárias à compreensão do filme. De Jean-Luc Godard (de "A Chinesa" e "Weekend à Francesa") a Rainer Werner Fassbinder ("A Terceira Geração"), passando por Antonioni, Bressane, Sganzerla e outros baluartes do cinema moderno ou experimental, muitas referências se multiplicam, inclusive literárias e musicais.
Mas o grande momento, que eleva o filme a uma outra categoria, de gente grande, é a "DR" (discussão de relacionamento) que acontece entre o casal principal, e que dura cerca de dez minutos. Ela acontece bem no meio do filme, e funciona praticamente como um êxtase de emoção. Após essa cena fenomenal, o filme volta ao efeito gangorra, com altos e baixos, mas sempre mantendo o interesse.
Os primórdios do cinema
Cena do filme "Santos Dumont Pré-Cineasta?", de Carlos Adriano
Mais tarde foi a vez de Carlos Adriano, cineasta paulista que assustou os espectadores com sua fala de apresentação, que sugeria que "Santos Dumont Pré-Cineasta?" fosse muito menos palatável do que realmente é. Ele não deve conhecer a plateia de Tiradentes, sempre muito aberta a filmes difíceis, mais difíceis que o dele.
Sustos à parte, seu trabalho tem beleza inegável quando assume o lado mais ensaísta, e cai um pouco, pouco mesmo, quando fica mais convencional, quando as entrevistas, interessantes por sinal, dominam a montagem.
Imagens de Méliès, Lumière e outros pioneiros invadem a tela, e um carretel de fotografias de um "mutoscópio", aparelho dos primórdios do cinema, pertencente ao arquivo de Santos Dumont, encontrado no Museu Paulista (conhecido em São Paulo como Museu do Ipiranga), vem à tona.
Nos depoimentos, vemos e ouvimos pesquisadores como Ismail Xavier e Eduardo Morettin, ensaístas como Nicole Brenez, curadores e cineastas de vanguarda como Ken Jacobs.
O grande homenageado, contudo, é o guru da cinefilia, agitador, programador, pesquisador e muitas coisas mais, Bernardo Vorobow, falecido em 2009 e responsável pela paixão pelo cinema despertada em muita gente de cinema. São cenas bonitas e tocantes as que mostram Bernardo com uma câmera fotográfica em Paris. É uma bela homenagem a de Carlos Adriano.
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