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"Eu me sinto uma alienígena no Oscar", diz a diretora de "Inverno da Alma"

Debra Granik, diretora do filme "Inverno da Alma", no Festival de Deauville (5/09/2010) - Getty Images
Debra Granik, diretora do filme "Inverno da Alma", no Festival de Deauville (5/09/2010) Imagem: Getty Images

ALESSANDRO GIANNINI

Editor de UOL Cinema

28/01/2011 06h01

Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Sundance de 2010, "Inverno da Alma" - que estreia nesta sexta (28) - é o grande azarão do Oscar 2011, com indicações a melhor filme, roteiro adaptado, atriz (Jennifer Lawrence) e ator coadjuvante (John Hawkes). Diferentemente de vários outros premiados em Park City, o filme de Debra Granik não vem com selo de qualidade do evento promovido por Robert Redford na pequena cidade do estado de Utah. Tem forma e conteúdo originais, além de uma abordagem da América profunda sem precedentes.

Em entrevista por telefone para o UOL Cinema, de sua casa em Nova York, Granik disse que um dia depois das indicações ao Oscar ainda é difícil digerir o que isso significa. "Eu me sinto como uma alienígena", afirma. "Venho de uma mentalidade marxista da costa leste [dos EUA]. De certa forma, é difícil participar desse tipo de coisa. Fico preocupada se as pessoas estão comendo, com o custo dos vestidos. Penso nos filmes em português que têm de disputar espaço com os blockbusters... Fico preocupada com cineastas de outros países ganharem mais espaço e tempo nos cinemas. Participar disso [do Oscar] é me envolver em algo que tem diferentes ramificações, vamos colocar dessa maneira."

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Oriunda da família de um dos pioneiros das transmissões televisivas nos Estados Unidos, Granik tem berço, mas as influências dos pais a levaram para a esquerda e em direção aos movimentos feministas. Filha de um político de Washington e uma mãe que abraçou tardiamente o "Women's Lib", ela lapidou sua formação em Boston, onde estudou história do documentário e participou de movimentos libertários no início dos anos 1980. Na Universidade de Nova York, ela descobriu o neorealismo italiano e os dramas ingleses pós-guerra - ambos centrados em dramas pessoais, filmados em locações, com equipamentos leves, equipes reduzidas e elenco misto de atores e não-atores.

O primeiro curta-metragem, "Snake Feed" colocou-a em contato com o Sundance Institute, onde participou dos famosos Laboratórios de Roteiro. Granik plantou a semente de seu primeiro longa-metragem, "Down to The Bone", nessas oficinas em que os roteiros são lidos, relidos e analisados por cineastas e roteiristas profissionais. O personagem do filme, uma mulher que luta contra o vício para poder criar os filhos, deu a Vera Farmiga o impulso que sua carreira necessitava.

 


"Inverno da Alma" tem uma abordagem semelhante, embora o personagem principal, uma garota do sul do estado do Misouri que sai em busca do pai fugitivo, tenha sido inspirado em um romance de Daniel Woodrell. "Ele escreve histórias sobre essa região e seus personagens", conta Granik. "Eu e minha sócia, Anne Rosellini, lemos o romance e gostamos muito. Nós fizemos contato com o autor e ele gostou muito da ideia de adaptar o livro para o cinema. Gostamos muito dessa menina, de suas características, o quanto ela luta para sobreviver - sua força de vontade é atraente. Ela usa a cabeça e o coração para resolver as coisas."

Ree, personagem principal de "Inverno da Alma", é interpretada por Jennifer Lawrence, que tem sido indicada a praticamente todos os prêmios da temporada americana e tem grandes chances de levar o Oscar. Granik fez elogios ao trabalho de Lawrence, a quem conheceu por meio de testes de elenco. Segundo a diretora, ela vem de uma cidade no estado do Kentucky e tem uma pronúncia muito bonita do inglês americano. "Ela fez uma apresentação muito forte e entendeu realmemnte o roteiro, do que se tratava a história", disse. "O que é algo muito positivo porque, para muitas pessoas que vivem nas costas [oeste e leste], é muito difícil de entender aquele dialeto."


Granik disse a Lawrence que seria um trabalho muito duro, porque seria filmado em uma região inóspita e sem conforto próximo. E ela aceitou o desafio. "Eu pedi para ela fazer as coisas", explica a cineasta. "Realmente aprender a cortar lenha, a cuidar dos irmãos, a cuidar de cachorros, como alimentá-los, como caçar. Realmente aprender essas coisas para que ela pudesse fazê-las sem fingir. Essa era minha preocupação número um: que não parecesse uma menina da cidade que não soubesse fazer tudo aquilo. Queria que ela interagisse com o ambiente, o solo, a sujeira. E ela encarou a tarefa numa boa."

Embora tenha uma atração por dramas humanos, Granik alerta que talvez nem sempre faça filmes tão duros. "Por incrível que pareça, gosto muito de comédias", disse ela. "Sou muito atraída por indivíduos que usam o humor para sobreviver. Meu coração está voltado para pessoas que trabalham muito duro." Por enquanto, a cineasta e sua sócia ainda estão em busca de um novo projeto. "Temos lido muitos roteiros, mas ainda não nos decidimos."