Criado por meio de campanha no Youtube, "A Vida em um Dia" faz retrato raso da humanidade

Junte um diretor vencedor de Oscar, dois produtores hollywoodianos de peso (Tony e Ridley Scott) e um pedido que apela ao decantado narcisismo dos internautas: “conte-nos um dia de sua vida e faça parte de nosso filme”. Pois esse foi o ponto de partida para “A Vida em um Dia” (“Life in a Day”, 2011), que chega ao Brasil no É Tudo Verdade depois de ter estreado em janeiro no festival de Sundance (EUA).

Em meados de 2010, o cineasta Kevin Macdonald (de “O Último Rei da Escócia” e “Um Dia em Setembro”) lançou uma campanha por meio do YouTube, pedindo para que pessoas do mundo todo lhe enviassem vídeos em que contassem sua rotina de um dia determinado (aleatoriamente), 24 de julho.

''A VIDA EM UM DIA''

Sinopse: Documentário interativo, composto de uma seleção das imagens geradas por milhares de usuários do Youtube ao redor do mundo no dia 24 de julho de 2010. Convidadas para o projeto pela internet, 80 mil pessoas postaram seus vídeos, somando cerca de 4.5000 horas de material.

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Foram mais de 80 mil inscritos de 192 países, que resultaram em 4.500 horas de gravações, o que daria mais de seis meses ininterruptos de vídeos. Macdonald afirma que assistiu pessoalmente a pelo menos 250 horas desse material, que, em sua totalidade, foi triado e categorizado por seus assistentes.

No filme, Macdonald usa todo seu amplo universo de colaboradores de maneira a construir um discurso linear e banal. Apesar do formato de colaboração inédito (pelo menos nessas proporções), o filme que resultou é incomodamente homogêneo, editado em ordem cronológica, da meia noite do dia anterior até o fim do dia 24. Pessoas acordam, escovam os dentes, tomam café da manhã, saem de casa, vão para o trabalho, fazem o almoço etc. Nessa linha do tempo, foram enxertados o que o diretor chama de “grandes questões da vida”, a saber: nascimento, vida, amor, medo da solidão e morte...

Um bebê nasce no Brasil, um coreano dá a volta ao mundo de bicicleta, um menino engraxa sapatos no Peru; no Gana, mulheres cantam enquanto trabalham; nos Estados Unidos, uma paciente de câncer se recupera de mastectomia, um adolescente aprende a fazer a barba, indianos conversam no mercado, alemães são pisoteados na Love Parade de Duisburg…

Mas em vez de explorar a heterogeneidade de um material tão vasto, e a diversidade de enfoques que essas "grandes questões" têm de fato em diversas culturas, “A Vida em um Dia” se constrói sobre um raciocínio raso, que glorifica a globalização (e com ela a tecnologia, a Internet, os celulares etc), como um grande comercial da raça humana, quanto somos semelhantes em nossa diversidade, e quanto isso é alentador. O diretor escolhe, assim, o caminho mais palatável de fazer uma ode àquilo que se tem de sensível e bonzinho em vez de tentar enxergar e aceitar as diferenças que dividem a humanidade.

O filme é feito a partir de imagens supostamente captadas por verdadeiros amadores, algumas dessas tomadas em tom confessional, e o YouTube contribuiu imensamente para que o público passasse a aceitar essa estética sem espanto nos últimos anos. O acabamento final de "A Vida em um Dia", no entanto, é tão “polido”, que o resultado parece uma imitação da realidade, um filme profissional com estética amadorística fingida. Até os depoimentos feitos à câmera têm um que do tom canastrão dos participantes do “Big Brother”, que a TV já ensinou a reconhecer e reproduzir. E dá-lhe trilha sonora interpretada por cantora com voz de criança, estilo comercial "moderno".

Quando lançou o projeto do filme, o cineasta afirmou que pretendia fazer uma “cápsula do tempo”, para mostrar como era viver em nossa época. Pois devia vir com um aviso: esta é uma obra de ficção.

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"A Vida em um Dia" ("Life in a Day", Reino Unido, Kevin Macdonald, 93 min.)

07/04 - 19h - Unibanco Arteplex (praia do Botafogo, 316 - Rio de Janeiro)

09/04 - 19h - Cine Livraria Cultura (avenida Paulista, 2.073 - São Paulo)

10/04 - 14h - Museu da República (rua do Catete, 153 - Rio de Janeiro)