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"A Onda Verde'' usa animação e depoimentos no twitter para abordar eleições presidenciais no Irã

Imagem do documentário "A Onda Verde", de Ali Samadi Ahadi  - Divulgação
Imagem do documentário "A Onda Verde", de Ali Samadi Ahadi Imagem: Divulgação

SÉRGIO ALPENDRE

Colaboração para o UOL

08/04/2011 11h14

Desde  que "Valsa Com Bashir" se tornou um bom negócio - em matéria de prestígio artístico - explorar um tema atual, profundamente humano e de interesse universal, na forma de animação. "A Onda Verde" se diferencia de "Bashir" porque mistura animação com entrevistas e câmera observacional das ruas de Teerã. É pouca novidade, mas é alguma coisa.

A produção alemã dirigida pelo iraniano Ali Samadi Ahadi faz uma importante reflexão sobre as eleições iranianas para presidente, em 2009. Na ocasião, as bandeiras verdes que representavam o candidato da oposição Mir-Houssei Mousavi tomaram conta das ruas e sofreram o revide do governo, que prendeu diversos opositores e expulsou a imprensa internacional do país.

O diretor recorre a depoimentos de blogueiros e usuários de twitter para compor um panorama atual sobre o acontecimento. As ânsias, os desejos e as decepções desses anônimos colaboradores enriquecem o documentário e fornecem material diverso, utilizando as superficiais ferramentas atuais.

Mas em que medida essa diferença fundamental pode ajudar o filme? No mundo de hoje as pessoas, mais do que desejar a participação na grande mídia globalizada, se revoltam quando isto não é possível. Querem interagir de qualquer jeito, como viciados em exposição de seus próprios pensamentos.

Mas um documentário pode ser melhor construído utilizando-se dessas pessoas ansiosas por participações? É possível mimar esse tipo de carência fazendo um documentário pretensamente político? "A Onda Verde" ganhou com essa generosidade, ou o que se fez foi pura demagogia, e o documentário poderia ter a mesma cara, ou uma cara parecida, se fosse feito de maneira mais tradicional?

É salutar que a fuga das fórmulas seja um objetivo. Mas há realmente uma fuga, ou apenas um disfarce para as convenções sob um aspecto atualizado de uso das mídias sociais? Sem contar que não pode haver fuga se as entrevistas ocupam boa parte da duração.

O melhor do filme é o uso das imagens de rua. É o que mais impressiona, o que mais causa impacto. Se as entrevistas fossem importantes para quebrar a monotonia, tudo bem, mas não é o caso. As animações já fazem esse serviço de forma razoável. Logo, as entrevistas são, na maior parte, supérfluas.

Os relatos de anônimos  sob essa forma animada certamente contribuem para relatar algo impossível de ser relatado em imagens reais (ainda que algumas delas existam, trêmulas e com pouca definição): a dura repressão do governo contra aqueles que ansiavam por mudanças. Não haveria outro modo de retratar os acontecimentos sem incomodar o espectador (mas por que, afinal, ter medo de incomodar o espectador?). Essa escolha não representa uma revolução na linguagem cinematográfica, tampouco algo ousado e original. Foi apenas a necessidade de expor os acontecimentos utilizando as palavras de testemunhas oculares.

Que isso não se transforme numa nova moda, pois seria insuportável se começássemos a ver vários filmes construídos a partir das superficialidades das redes sociais (que não é bem o caso aqui, mas o perigo é evidente).

A representação política na competição internacional

Outros documentários reconhecidamente "políticos" estão na competição internacional de longa-metragem, e confirmam que a produção contemporânea, salvo raras exceções, sofre de uma longa crise de ousadia e criatividade.

Os temas são sempre mais interessantes do que o valor cinematográfico. Algo comum mesmo em dramalhões, imaginem em documentários (ou seja, obras sérias, como dizem). Os filmes se valem desses temas, mais do que da linguagem do cinema. Temos, assim, documentários até bons de se ver, mas sem vida no cinema, que poderiam existir em outro formato (livro, programa de tv, ensaios de revistas e jornais, peça, instalação, panfletos, etc.).

MAIS FILMES INTERNACIONAIS COM TEMAS POLÍTICOS EXIBIDOS NO FESTIVAL

"Cinema Komunisto", de Mila Turajlic, nos mostra como foram feitos filmes na Iugoslávia do Marechal Tito, com cenas de salas de cinema, entrevistas e trechos de alguns dos filmes emblemáticos do período. Tito era cinéfilo, e cuidava da produção de seu país com tamanha atenção. É um filme quadrado, mas que conta uma história de cinema importante e realmente esquecida.
"Granito", de Pamela Yates, trabalha com a intervenção na própria História, já que seu relato do conflito civil da Guatemala em 1982 acabou servindo indiretamente como peça de acusação de alguns envolvidos. Apesar da intervenção, é mais um filme político convencional, no sentido de que não há nada de novo no front.
"Cliente 9 - A Ascensão e Queda de Eliot Spitzer", do premiado Alex Gibney, retrata os acontecimentos que levaram à renúncia do governador de Nova York. Um homem público tido como ético e super-herói no combate às falcatruas de poderosos, Spitzer, eleito pelo partido democrata com número surpreendente de votos, teve de renunciar por ter sido acusado de ser cliente de uma rede de prostituição de luxo. A partir desse dado, seus feitos já não importaram mais, e os poderosos, os verdadeiros vilões, puderam continuar exercendo seus poderes mafiosos.

E por aí vai o cenário do filme documentário, lá como cá. O filme "Onde Verde" será exibido no dia 9 de abril, no CCBB RJ (RIO DE JANEIRO - RJ), às 16h. Veja os horários da programação de longas internacionais do evento aqui.