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João Miguel interpreta o filósofo René Descartes em filme de Cao Guimarães

SÉRGIO ALPENDRE*

Colaboração para o UOL

27/04/2011 10h31

Tinha tudo para dar muito certo. Um ótimo ator, de carreira ainda curta, mas com bons frutos, encontra um bom diretor. Juntos fazem um filme baseado livremente em "Catatau", a obra grandiosa e maluca de Paulo Leminski sobre uma possível vinda de René Descartes ao Brasil atual. Infelizmente, "Ex-Isto", o resultado da parceria que foi exibino no festival CineEsquemaNovo, está aquém do que poderíamos esperar.

João Miguel é um dos maiores atores de sua geração. Desde que despontou no cinema, num papel charmoso em "Cinema, Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes (que por sinal, é um dos editores de "Ex-Isto"), tem conquistado inúmeros elogios da imprensa especializada e angariado fãs em qualquer filme que faça, do interessante "O Céu de Suely" ao mediano "Estômago".

João Miguel nunca havia trabalhado com um diretor tão bom quanto Cao Guimarães. Desde o prêmio conseguido no É Tudo Verdade por seu "A Alma do Osso", Cao (como é chamado na comunidade cinematográfica) realizou dois longas até melhores, "Acidente" e "O Andarilho".

Era justo esperarmos dele, trabalhando pela primeira vez com um ator, como ele mesmo destacou em debate realizado no festival gaúcho, algo mais fascinante. Era esperado, também, que essa experiência diferente trouxesse alguns problemas, oriundos sobretudo da prática cinematográfica de cada um dos envolvidos (Cao trabalha sem roteiro, e João nunca havia feito um filme dessa maneira).

Os problemas que podemos ver no trabalho pronto não são fáceis de se definir. João Miguel está ótimo como sempre. O filme depende dele, de sua expressão corporal, de sua presença. E ele não decepciona em momento algum. Acreditamos que ele é Descartes, e que está perdido em nossas terras em pleno século 21.

Cao Guimarães, por outro lado, parece optar por uma direção que privilegia os fluxos, como o do rio que forma a pororoca, no Amapá, onde o filme se inicia, ou o rio Capibaribe, por onde Descartes entra no Recife. Acontece que esses fluxos são interrompidos por alguns cortes bobos, como em uma cena em que uma cabeça de peixe é limpada e ele corta para um plano de detalhe do olho do peixe, ou quando João Miguel observa uma fruta tropical e o ângulo da câmera é alterado sem que fique claro o motivo da alteração. Era possível fazer tudo num único plano, sem cortes, o que privilegiaria o fluxo, algo do qual "Ex-Isto" depende para ser bem sucedido.

Existem outros momentos como esses no filme, o que prejudica consideravelmente a fruição, correndo o risco de entediar o espectador.

Parece uma falha pequena, insignificante. Mas é incrível como faz com que "Ex-Isto" se limite a um filme de belas imagens e belas possibilidades, mas de alcance modesto em termos artísticos, o que é paradoxal em se tratando de uma adaptação de um livro enorme de Paulo Leminski por um dos diretores que mais prezam a estética na cinematografia brasileira recente.

*Sérgio Alpendre viajou a Porto Alegre a convite da organização do CineEsquemaNovo