Versão caseira de "Rio" traz bastidores da produção comandada pelo brasileiro Carlos Saldanha
As temperaturas que Carlos Saldanha encontrou durante sua visita ao Brasil nada tinham a ver com o clima do filme que veio promover. Na manhã em que o diretor de "Rio" falou com a imprensa, os termômetros marcavam cerca de 8ºC em São Paulo.
“Eu adoro vir em julho. Prefiro muito mais que no verão. Quando faz sol, é gostoso. Quando eu venho no verão, já estou no inverno [norte-americano] há algum tempo e sofro um pouquinho no início”, comentou Saldanha, que vive em Hoboken, cidade próxima a Nova York.
Saldanha está no Brasil para lançar o DVD e o Blu-Ray de "Rio", que trazem nos extras uma cena deletada e clipes musicais. A versão em Blu-Ray também apresenta cenas de bastidores e jogos que permitem explorar o Rio de Janeiro e os sons do filme, além de um vídeo sobre a viagem que a equipe de produção fez à Cidade Maravilhosa.
"Depois daquilo, foi uma mudança de 180º. O que parecia meio gringo, meio fora de espaço, começou a ficar um pouco mais coeso, mais autêntico", diz Saldanha sobre a decisão de levar seis membros de sua equipe ao Rio de Janeiro para vivenciar a cidade, ao fim do primeiro ano de produção de "Rio".
O diretor também conta que, ainda durante a produção do filme, já ia separando materiais que poderiam entrar no DVD e Blu-Ray.
Além de falar sobre o DVD e o Blu-Ray de "Rio", Saldanha também comentou seus próximos projetos. "Já estamos trabalhando a possibilidade de uma sequência de 'Rio' e tem vários livros que compramos os direitos pra desenvolver a história. O que está mais avançado é 'Touro Ferdinando'”, diz
"Touro Ferdinando" é um livro infantil do norte-americano Munro Leaf, de 1936, sobre um touro que preferia cheirar flores a participar de touradas. A história já foi adaptada por Walt Disney para um curta de animação, em 1938.
Leia a entrevista que o diretor concedeu ao UOL Cinema.
O diretor Carlos Saldanha, durante entrevista de lançamento do DVD e Blu-Ray de "Rio", em São Paulo (8/7/11)
UOL - Você participou da produção dos extras que estão no DVD e no Blu-Ray de "Rio"?
Carlos Saldanha - O que acontece é que a gente [a equipe de produção] cria um monte de material. E sabemos que vai ter DVD, extras etc. Então, desde o início, qualquer coisa que surgia, que a gente achava interessante, íamos guardando. E submetemos todo esse material ao departamento de home entertainment, que cuida dos extras. Eles montam uma lista com o que acham que fica melhor e me mostram.
UOL - A cena cortada que está nos extras, da banca de frutas, foi você quem escolheu?
Saldanha - Na verdade, aquela é a única cena completa que deletamos. É uma cena pequeninha, tem uma historinha por trás [a ararinha Blu vai a uma feira, hesita em provar as frutas do local e acaba extasiado quando finalmente prova]. Era uma cena que a gente curtia muito, mas não deu para fazer por causa do orçamento. Eu até não queria apagar, porque é uma coisa muito comum quando a pessoa vem de fora – chegar aqui, comer as frutas, sentir um gosto diferente. Aquela coisa de provar um pouco do sabor da comida, que faz parte da cultura brasileira. A gente já ia fazer uma cena logo depois em que o Blu está dançando, que tem a mesma emoção. Então, ficou meio redundante. Mas o engraçado é que uns meses depois que a gente já tinha deletado a sequência, eu vim pro Brasil com um grupo de americanos, amigos do trabalho. Estávamos sentados na mesa do café da manhã e eles começaram a comer as frutas e começaram a dizer "Poxa, as frutas são completamente diferentes". "Olha o gosto da manga". "Olha o gosto do papaia". Daí eles se tocaram que era a cena que eu tinha cortado.
UOL - Um dos extras do Blu-Ray mostra um pouco da viagem que você fez com a sua equipe logo no começo da produção de "Rio". Por que você resolveu que era necessário trazê-los pra cá?
Saldanha - Já estávamos fazendo o filme há quase um ano e eu tinha levado um acervo enorme de referências. Mas todas as coisas que saíam, saíam um pouco gringas. Eu não queria mostrar só uma imagem. Eu queria que as pessoas sentissem, vissem, tivessem a noção da geografia da cidade. E por mais que você vá no Google Earth, por mais que você vá no livro, você não tem noção de espaço. Aí chegou uma hora em que eu disse "Não, não dá. Vamos pegar um grupo chave e vamos pro Brasil. Vamos fazer o tour do Blu".
UOL - E como foi a viagem?
Saldanha - Eram seis pessoas, de várias nacionalidades, e ninguém nunca tinha vindo para o Brasil. Ficamos cinco dias no Rio e fizemos o tour do filme, fomos nos lugares que "Rio" mostra: numa feira livre, na praia lotada num domingo, no Pão de Açúcar, no Corcovado, o pessoal saltou de asa delta. E eu pedi para eles tentarem pegar o que chamasse a atenção do olhar pela primeira vez. Porque na história o Blu volta para o Brasil pela primeira vez na idade adulta. Pedi para eles se sentirem como o Blu.
UOL - Você chegou a levá-los em alguma favela?
Saldanha - Isso a gente não fez, não deu tempo. Mas passamos por várias. Fizemos isso depois, em outra viagem.
UOL - E qual foi a reação da sua equipe?
Saldanha - Eles queriam ver tudo e um pouco mais. Saíram completamente deslumbrados. Eu falava tanto, eu mostrei tantas fotos, e meu medo era que eles chegassem com aquela imagem de que o Rio de Janeiro é um paraíso na Terra. Avisei que é uma cidade grande, tem problemas. Mas eles gostaram de tudo. E voltaram com um gás a mais por ter tido a experiência de estar no Rio de Janeiro. Eu passei a contar com novos aliados para dar continuidade à história. Depois daquilo, foi uma mudança de 180º. O que parecia meio gringo, meio fora de espaço, começou a ficar um pouco mais coeso, mais autêntico.
UOL - Você acompanhou o processo de dublagem para o português?
Saldanha - Só para o português eu me envolvi um pouco mais. O que acontecia é que o estúdio de dublagem me mandava a lista das principais escolhas – três por voz –, eu ouvia, eles davam sugestões – porque eu não conheço os atores aqui, não tenho experiência com a dublagem em português –, eu falava qual voz eu achava mais parecida e tinha gostado mais, a gente trocava uma figurinha e escolhia.
UOL - Além da viagem e dos livros e DVDs sobre o Brasil, você teve alguma outra estratégia para que o filme não perdesse o espírito brasileiro?
Saldanha - Além dessas coisas, tinha eu, todos os dias. Tudo passava pela minha aprovação. Às vezes, me mostravam alguma coisa e eu dizia que não era daquele jeito. Teve uma hora em que o morro Dois Irmãos, em Ipanema, sumiu. Disseram “Ah, já tem tanta montanha, a gente decidiu tirar”. Mas não pode sair! Todos os mínimos detalhes, eu acompanhei. A mesma coisa com o hipódromo da Gávea, que é visto do Cristo Redentor. Não tinham colocado, mas é uma coisa que você vê muito, porque é um clarão no meio da cidade. Então, detalhes que para eles não tinham importância, para mim tinham muita. Eu era o “polícia” do Rio de Janeiro. Dizia “Não, isso aqui não é carioca. Isso aqui tem que fazer assim”.
Trailer do filme "Rio"
UOL - Na dublagem da versão original, em inglês, foi você quem escolheu o Rodrigo Santoro [o ator dubla o cientista Túlio tanto em inglês quanto em português]?
Saldanha - O Rodrigo era um dos poucos atores que eu, particularmente, não tinha outra opção. Eu queria que fosse ele. Tinha que ser um brasileiro, que pudesse trabalhar nos Estados Unidos – isso era um requisito básico – e que soubesse falar inglês bem. Porque eu não precisava do Rodrigo como pessoa física, eu tinha que usar a voz dele. Então, se o inglês dele não fosse claro, ou se o inglês dele não fosse suficiente, me atrapalharia. Por isso que eu pensei “Tem que ser o Rodrigo”. Além de eu gostar muito dele, de achar que ele é um ótimo ator e tem a energia que eu quero, ele fala bem inglês, ele tem todos os pré-requisitos. A gente até tentou outros brasileiros para outros personagens, mas foi complicado porque eu tinha pouco tempo pra fazer o casting e ia demorar muito para conseguir o visto de trabalho.
UOL - E como foi com a passagem das músicas para o português?
Saldanha - As músicas que foram compostas pelo Sérgio Mendes e pelo Carlinhos Brown foram quase todas feitas primeiro em português e só depois gravamos a versão em inglês. É o caso da música de abertura do filme. Essas músicas foram todas mantidas no original na versão do filme dublada em português. Eu queria que fosse assim, que fosse uma música feita para o Brasil primeiro e depois adaptada para o resto do mundo.
UOL - "Rio" é a maior bilheteria do ano no Brasil e arrecadou U$ 470 milhões no mundo todo. Como você se sente em relação a esse sucesso?
Saldanha - Apesar de eu já ter dirigido e trabalhado em “A Era do Gelo”, eu me sinto muito mais proprietário do “Rio”. É uma ideia minha, que a semente veio de mim, é uma coisa que eu lutei muito para chegar lá e fazer. Então, conseguir realizar esse sonho de fazer um projeto relacionado ao Brasil é muito mais especial. É uma satisfação diferente. Não só por poder fazer, mas por ter conseguido fazer e ter sido bem aceito não só no Brasil, mas no mundo todo.
UOL - Teve um gostinho diferente mostrar "Rio" para os seus filhos?
Saldanha - Teve, teve. Eles só viram o filme na pré-estreia. Eu não mostrei nada antes. Mas eles adoraram, não estavam acreditando. E adoraram a música. Eu tenho quatro filhos, de 13 anos, de 10, de 3 e de 1 ano. Então, os pequenininhos chegavam de manhã, desciam as escadas, apertavam o botão do DVD e já tocavam direto. Eles reconheceram vários lugares. Eu também os levei em vários lugares. A mais velha, por exemplo, está louca pra pular de asa delta, mas ela ainda não tem idade.
UOL - "Rio" vai ter uma sequência?
Saldanha – Sou meio gato escaldado. Quando fizemos “A Era do Gelo”, não estávamos preparados para uma sequência e sofremos um pouco fazendo o segundo filme, porque não sabíamos que teríamos que fazer. Sabendo isso, já começamos a bolar, a pensar em algumas ideias. Se aparecer a oportunidade, vamos fazer. Se não, a gente guarda as ideias e vê se faz alguma coisa. Mas ainda não é um projeto confirmado.
UOL - Você já está trabalhando em algum novo projeto?
Saldanha - Eu estou meio de férias. Só devo começar a entrar num ritmo de trabalho a partir de setembro. Mas já estamos trabalhando a possibilidade de uma sequência de “Rio” e tem vários livros que compramos os direitos pra desenvolver a história. O que está mais avançado é “Touro Ferdinando” [de Munro Leaf], que é um livro americano sobre um touro que não gostava de lutar nas touradas. É um livro super famoso, antigo, dos anos 1930. Mas são várias ideias.
UOL - Se você for voltar ao "Rio", você pensa em fazer o novo filme no Rio de Janeiro?
Saldanha - É isso que a gente está bolando. É claro que o filme teria que ficar no Rio por um tempo, mas a possibilidade de explorar outros lugares também é forte. Até para mostrar outros lugares além do Rio.
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